O favoritismo do Atlético se confirmou com a goleada por 3 a 0 sobre o Paraná Clube, mas a maior vitória acabou sendo do atacante Washington. Após 14 meses afastado dos gramados, o artilheiro voltou com estilo: mostrou disposição de garoto, fez grandes jogadas e deixou sua marca nas redes do adversário. O suficiente para garantir um lugar ao sol no time rubro-negro e no coração dos torcedores atleticanos. Do outro lado, restou choro e mais explicações de um time desencontrado e desesperado.
Quem apostava numa vitória fácil do Furacão acertou. Com um domínio quase que absoluto, o time de Mário Sérgio fez o que quis com a bola e deixou o Paraná Clube na roda. As jogadas tinham um destino certo. Os rubro-negros se dirigiam sempre a Washington. Queriam presenteá-lo, mas ele contribuiu e também foi atrás da pelota, disposto a mostrar sua recuperação.
Os cruzamentos de Jádson procuravam ele enquanto Ilan buscava tabelar com o velho/novo companheiro de ataque. A falta de ritmo impediu uma melhor sorte no primeiro tempo. A cabeça pensava, mas as pernas ainda não correspondiam. Assim foi quando foi lançado livre e após driblar o goleiro Flávio. Ele tentou com a perna esquerda, um lance simples, mas não era a hora. A torcida percebeu o esforço e aplaudiu assim mesmo o erro. Junto com as cabeceadas de Fernandinho e alguns chutes de William, Washington foi o que mais procurou o gol no primeiro tempo.
Se do lado atleticano, a alegria e a disposição transcendiam, no lado tricolor, o time amargava uma penumbra só. Nem força para chutar tinha. O goleiro Diego pouco fez na partida. As bolas eram fracas e sem direção, fruto do desentrosamento e da preocupação com o sistema defensivo. O técnico Saulo de Freitas bem que ousou e soltou o time um pouco mais, mas a ousadia por tentar enfrentar de igual para igual o Furacão custou caro.
Após a besteira do lateral-esquerdo Ânderson, que fez falta boba, levou o segundo amarelo e foi expulso, a porteira abriu e a casa começou a ruir. Com um a menos em campo e enfrentando um time veloz, o tão propalado favoritismo veio à tona. E a goleada começou de quem tanto buscou. O meia Jádson cobrou uma falta rente ao solo, a zaga se atrapalhou e a bola sobrou para o nome do jogo. Washington aparou e tocou na saída de Flávio. Explosão na Arena e a confirmação de que o coração do jogador está mais forte do que nunca.
Sem ter muito o que fazer, Saulo apelou para o júnior Cacau e, por pouco, o garoto não marcou o gol de empate. Após um belo chute cruzado, Diego foi obrigado a fazer uma ponte e espalmar para escanteio. No mais, só deu Atlético. Aos 25, Washington deu lugar a Rena e foi aplaudido de pé por todo estádio.
O jogo estava dominado pelo Rubro-Negro e o segundo gol também foi um prêmio para o sempre atuante super-herói Marcão. Ele foi lançado pela esquerda, invadiu a área e chutou cruzado para aumentar o marcador. Não demorou muito e o talentoso Jádson fez um primoroso lançamento para Rena, que driblou Flávio, deixou Baresi e João Paulo no chão e tocou para decretar a goleada por 3 a 0.
“Não tenho medo da morte”
O atacante Washington estreou no Atlético testando o coração da galera atleticana – e da paranista também. O ex-jogador tricolor, que esteve perto de ver sua carreira encerrada após sofrer um infarto, há pouco mais de um ano, marcou o primeiro gol do Atlético no clássico de ontem, mostrando que sua luta para voltar em campo valeu a pena. Mais que isso, teve uma atuação de gala e só foi substituído aos 22 minutos do segundo tempo porque ainda não está com 100% de seu ritmo de jogo. “Fico triste pela situação em que o Paraná se encontra. Mas estou muito feliz por ter estreado com gol”, disse o jogador à Tribuna após a partida. Antes de balançar a rede, aos 7 minutos da etapa final, Washington teve um gol anulado e outro perdido, o que levou a torcida à loucura. “Estava testando o coração da galera e calibrando o pé”, brincou o atleta, que teve todas as suas jogadas aplaudidas e seu nome gritado pelos atleticanos durante todo o tempo em que esteve em campo.
A alegria do jogador é natural. Após fazer uma angioplastia, em dezembro de 2002, o jogador passou a enfrentar uma dura batalha. Com tantos casos de mortes relacionadas a problemas cardíacos no futebol – a do atacante Miklos Feher, do Sporting Lisboa, foi a última – muitos davam como impossível a volta de Washington aos gramados. Após o infarto e a saída do Fenerbach, da Turquia, o jogador tentou acertar sua ida para alguns clubes europeus, como o Celta de Vigo. Ressabiados, os dirigentes o vetaram.
Mas Washington venceu pela persistência. Depois de alguns meses, curiosamente, quem abriu as portas para o jogador foi o Atlético Paranaense, arqui-rival do Paraná, que praticamente o lançou para o futebol. Em maio do ano passado, o jogador iniciou uma luta em parceira com o time atleticano. Foram inúmeros exames na clínica do conceituado cardiologista Costantin Costantini e muita expectativa. “Nunca tive dúvidas de que voltaria a jogar, mais cedo ou mais tarde. Futebol é a minha vida e quero jogar por muito tempo ainda”, diz Washigton, que garante não se assustar com os casos de morte súbita em campo. “Pode acontecer com qualquer um. Mas não tenho medo.” Segundo o departamento médico atleticano, depois dos exames realizados no jogador, a chance de ele sofrer um novo infarto em atividade são de 1% contra 0,8 % de um cidadão que nunca teve problemas cardíacos. “Tenho todo o aparato médico e isso me deixa ainda mais seguro.”
Família
A segurança demonstrada pelo atleta é contagiante. Tanto que nem mesmo a sua mãe, Salete Stecanella, tentou impedir a volta do filho aos gramados. “Mesmo quando ele teve o problema lá na Turquia, sempre soube que era algo passageiro. A minha família tem muita fé e a fé transmite tranquilidade.” Ao que parece, coração de mãe não se engana, mesmo. Outra que era só alegria era a companheira do jogador, Andréa Blum. “Ele merece por tudo o que lutou. Soube ser forte e muitas vezes passou mais esperança para a gente como a gente para ele.”
Para a estréia de Washington com a camisa do Atlético, após mais de um ano fora dos gramados, a família do jogador se uniu aos amigos e foi em caravana à Arena. A mascotinha da turma era a filha do jogador, Ana Carolina, que com 1 ano e 10 meses entrou pela primeira vez com o pai no gramado.
Antes da partida, Washington chorou ao entregar aos médicos que cuidaram dele uma placa com os seguintes dizeres: “Somente aqueles inspirados por Deus conquistam o direito de operar os milagres divinos. A gratidão da família e do atleta, que conheceu o sentido da vida.” A tradução perfeita de um exemplo de luta e persistência.