Marco Polo Del Nero assume a presidência da CBF oficialmente na quinta-feira. Serão quatro anos de mandato e um dos principais integrantes de sua equipe será Walter Feldman. Contratado para o cargo de secretário-geral, ele já trabalha ativamente em sua primeira missão: convencer o Congresso a fazer mudanças na Medida Provisória 671, que possibilita o refinanciamento da dívida fiscal do clubes, mas exige contrapartidas. Várias contrariam interesses de clubes e federações.
Médico por formação, político por vocação – no ano passado, foi o coordenador da campanha de Marina Silva à presidência -, Feldman, 61 anos, vai liderar campanha para que caiam ou sejam mudados artigos como os que limitam mandados de dirigentes, impõem teto para investimentos no futebol e obrigam os clubes a investir no futebol feminino.
Os da Série A, aliás, já decidiram não aderir ao programa se não forem feitas mudanças na MP. Temem até ser impedidos de disputar competições nacionais e internacionais se o texto for mantido.
Nesta entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira, Walter Feldman afirma que a “briga” não é para proteger os clubes e deixar tudo como está. Diz que há no texto da MP muitos pontos que ferem a Constituição e garante: “Há consenso entre os clubes que temos de modernizar a gestão. Queremos melhorar o futebol brasileiro, mas respeitando o estado de direito”.
Estadão – Há a sensação de que as boas práticas de gestão no futebol brasileiro só acontecerão se clubes forem obrigados. Como reverter essa imagem?
Walter Feldman –É um equívoco. Há consenso que temos de modernizar a gestão do futebol. Vários clubes já começaram a desenvolver esses mecanismos de boa gestão. Nenhum é contra contrapartidas. Todo mundo concorda com gestão, transparência, prestação de contas, regularidade nos pagamentos, respeito aos direitos trabalhistas.
Estadão –Os clubes decidiram não entrar no parcelamento se não mudarem a MP. Parece que querem o financiamento, desde que seja do jeito deles.
Walter Feldman –Não é nada disso. Hoje, os clubes que não tiverem compromissos fiscais, tributários, trabalhistas e uma gestão moderna não sobreviverão. Terão de fazer (melhorar a gestão) para participar de um mercado cada vez mais competitivo. A Europa fez. É um equívoco essa imagem que foi produzida de que os clubes só querem o parcelamento e não querem nenhuma contrapartida. Mas a contrapartida de tem ser: modernização de gestão, prestação de contas, transparência, pagamento regular dos trabalhadores, jogadores.
Estadão –A MP está em vigência, mas ninguém aderiu ainda. Por quê?
Walter Feldman –Porque é uma vigência insegura, com muitos questionamentos. Quem aderir correrá o risco de não disputar campeonatos em 2016, pois dependerá de atos que não são deles. Para que disputem a mesma competição dos outros, estes terão de se adequar às regras da MP mesmo que não estejam no programa – e a entidade que organiza também. Além disso, não poderá participar de competições internacionais, pois as entidades lá de fora não se submetem às leis brasileiras. E também quem não tiver o CND (Certidão Negativa de Débitos) simplesmente não vai poder participar de campeonato. Aí faz o quê? Fecha?
Estadão –Por que a resistência à conta única?
Walter Feldman –Alguma vez, em algum parcelamento, teve alguma exigência do Estado nesse sentido? Isso não existe. Isso é uma intervenção do Estado no setor privado como nunca foi proposto na história do Brasil. É uma demonstração de total desconfiança de que haverá responsabilidade por parte dos clubes.
Estadão –Os clubes não fizeram por merecer essa desconfiança?
Walter Feldman –Nesse nível não. Isso é uma agressão, do ponto de vista da intervenção do poder público em relação à organização livre da sociedade. É pura intervenção do sistema bancário e do sistema estatal sobre o futebol, não se pode admitir.
Estadão –E as eleições (a MP propõe eleição por quatro anos, com uma reeleição)?
Walter Feldman –Pela Constituição, a forma de definição da organização da sociedade civil é dever da sociedade civil. Por que não se interfere nos partidos, que é algo mais político e público, exigindo que tenham um mandato e uma reeleição? Nunca se pensou nisso. Porque é livre a organização partidária. Faz parte do estado democrático de direito.
Estadão –O investimento no futebol feminino…
Walter Feldman –Não há ainda um formato de financiamento do futebol feminino no Brasil. Requer patrocínio, custos, respeito ao direitos trabalhista, temos de encontrar uma forma que faça isso ser sustentável antes de implantar.
Estadão –Outra discordância é sobre os 70%…
Walter Feldman –Alguns clubes só têm futebol, outros já reduziram (o investimento no futebol) bem abaixo dos 70%. Cada clube vai ter de se adaptar de acordo com as duas características. Mas essa coisa genérica de 70% dizendo como deve funcionar o sistema me parece um passo além do limite que o Estado pode exigir.
Estadão –Qual sua avaliação sobre o que ocorreu no processo de elaboração da MP?
Walter Feldman –Houve um esforço do governo de, a partir de sua visão do futebol, que é uma visão externa, introduzir mecanismos que em vez de auxiliar essa passagem para o novo futebol vão amarrar.
Estadão –A discussão para a elaboração da MP teve a participação de vários segmentos, entre eles clubes e CBF. Mesmo assim foi feito um texto muito fora da realidade?
Walter Feldman –Completamente. Por quê? Porque houve um exercício democrático de participação, mas havia predeterminado na Cada Civil que essa seria a oportunidade de mudar profundamente a realidade. O esforço democrático não necessariamente levou à introdução de visões, de experiências acumuladas e de propostas que permitissem equilíbrio na apresentação da medida provisória.
Estadão –Como assim?
Walter Feldman –Um exemplo: A CBF foi à reunião e de certa forma polarizou o debate junto com as federações. Os órgãos de governo nos ouviram atentamente. E não introduziram absolutamente nada. Falamos das dificuldades de se avançar em itens que não correspondessem à simples questão de parcelamento e contrapartidas de gestão. As eleições de clubes e da CBF, por exemplo. Não tem nada a ver isso com o tema (do parcelamento). A visão da CBF tem sido a visão da constitucionalidade da medida provisória, que em vários momentos arrepia a lei e a Constituição. Foi apresentada uma proposta que na verdade expressava o desejo da Casa Civil.
Estadão –Em que a medida interfere na CBF?
Walter Feldman –É tarefa da confederação defender o interesse dos clubes e, com os termos da MP ela se sente atingida nessa representação, o que faz com que e reaja contra aquilo que considera uma intervenção do governo brasileiro no futebol. Em relação às eleições, não há como interferir na medida em que a CBF não tem nenhum recurso público. Não há como quebrar as regras do código civil que dão liberdade e autonomia a todas as instituições privadas. É muito estranho uma lei propor isso.
Estadão –Qual é a estratégia da CBF para alterar pontos que julga necessários na MP?
Walter Feldman –Primeiro vamos informar, porque a MP tem um elevadíssimo grau de desinformação. Vamos falar com membros da comissão (criada para apreciar a MP), deputados e senadores que estão à frente do debate, com os líderes dos partidos, com a assessoria jurídica das bancadas. A gente quer que o deputado vá votar de forma consciente porque o futebol é atividade essencial para o Brasil, não pode ser fruto de luta de interesses ou brigas conjunturais.