Moura: ?Ninguém compra meu silêncio?

Dois meses de prisão mudaram Onaireves Moura. O polêmico cartola, antes sempre duro e pouco amistoso, ficou mais sociável após penar em duas celas comungadas com detentos comuns, onde diz ter perdido 20 quilos.

Moura foi preso em 13 de março por ordem da Justiça Federal, que acatou denúncia do Ministério Público baseada em dois anos de investigações da Receita Federal. O cartola, suposto sócio de casas de bingo em Ponta Grossa, responde agora em liberdade ao processo por sonegação fiscal, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

Foi mais um golpe na reputação do dirigente, já abalada por uma série de suspeitas, denúncias e processos – como a cassação do mandato de deputado federal e a ação por inadimplência do pagamento de INSS, que rendeu sua primeira prisão, por 30 dias, em 2000. Histórico que levou a juíza Sílvia Brollo, da Justiça Federal de Ponta Grossa, a chamá-lo de "contumaz transgressor de normas que protegem o patrimônio público e os interesses da coletividade" no despacho que justificou o mandado de prisão. Depois de deixar a cadeia, em maio, Moura ficou um mês licenciado e na última terça-feira reassumiu, sem contestação, a presidência da FPF.

Ele até admite que não mantém as obrigações tributárias em dia ("qual empresa paga IPTU religiosamente?", questiona), mas parece convicto de que suas complicações judiciais foram orquestradas por forças do futebol e fora dele, com objetivo de prejudicá-lo. E promete contar todos os podres dos bastidores da bola num livro escrito de trás das grades a caneta e papel – o título será "X5", alusão à cela que ocupou no Centro de Observação e Triagem – COT do Presídio do Ahu. Tudo isso antes de abandonar o reinado de mais de duas décadas à frente da FPF, em maio de 2008. Ao menos, é o que reitera em entrevista exclusiva à Tribuna.

Tribuna: Qual a grande transformação que fará na FPF?

Moura: Criamos oito salas para acomodar os novos diretores e informatizamos o departamento de registros, que agora poderá ser consultado pela internet, como o BID da CBF. Melhoramos a segurança, pois houve recentes assaltos.

Tribuna: Por que trocou quase toda a diretoria da FPF?

Moura: Precisamos de gente com mais tempo e vontade de trabalhar. Os cargos não são remunerados e muitos não tinham esta disponibilidade.

Tribuna: Quando saiu da prisão, o senhor disse ter se decepcionado com várias pessoas. Esta transição radical reflete tal decepção?

Moura: Não. Quis só dar mais dinamismo à Federação, trazer pessoas com conhecimento em outras áreas. (O celular de Moura toca. Ele diz ao interlocutor que o nódulo em sua garganta é benigno. "Para desespero dos meus inimigos, ainda vou viver muito tempo", fala, sorrindo ironicamente.)

Tribuna: E o que muda no futebol do Estado?

Moura: A mudança mais urgente é a do calendário. Não é possível Londrina, Maringá e outros clubes ficarem 10 meses inativos. Iniciaremos o Campeonato Paranaense de 2007 em setembro de 2006, e a partir do ano que vem sempre no mês de julho. Um incentivo a estes clubes seriam vagas na fase final do Paranaense, na Série C do Brasileiro, na Copa do Brasil e na Copa Sul, se ela ocorrer. Os times das Séries A e B do Brasileiro só entrariam no Estadual em janeiro, nas etapas decisivas. Quem for saindo da Série C também pode entrar imediatamente no Paranaense, no primeiro semestre.

Tribuna: Estas mudanças não ferem o Estatuto do Torcedor?

Moura: Não, já tivemos dois anos com o mesmo regulamento.

Tribuna: A Copa Sul ainda é viável? A CBF já vetou os torneios regionais.

Moura: Mantivemos contatos com as federações de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e negociamos com um patrocinador para incluir dois clubes argentinos. A Copa Sul com 10 datas teria bom retorno financeiro e serviria como preparação para o Brasileiro, que começaria logo em seguida. É bom para os clubes de ponta e para os pequenos. Não custa levar a idéia para aprovação do Ministério do Esporte.

Tribuna: No seu retorno à FPF, disse que lutará para levar uma das sedes da Copa de 2014 ao Paraná. O caderno de encargos será entregue à Fifa em 2007. Quais os planos?

Moura: Várias vezes (o presidente da CBF) Ricardo Teixeira me disse que o Paraná tem potencial para ser sede. Mas é preciso adequar os estádios e firmar compromisso com o governo do Estado, para dotar as cidades de infra-estrutura.

Tribuna: O Pinheirão pode ser indicado?

Moura: Não acredito. Ele teria que ser todo reformado.

Tribuna: É verdade que Ricardo Teixeira não o quer mais na FPF, temendo prejudicar a candidatura brasileira?

Moura: Enquanto estive preso, recebi a visita de um dos vices da CBF, Emídio Perondi, e dos presidentes das federações gaúcha e catarinense, todos por ordem de Ricardo Teixeira. Sou o mais antigo presidente de federação. Não é de hoje que conheço o Ricardo e tenho todo o apoio dele.

Tribuna: Ainda pretende largar a FPF ao final do atual mandato, em maio de 2008?

Moura: Sim. Durante 20 anos lutamos para construir um estádio, e mesmo com as dificuldades conseguimos. Agora minha meta é deixá-lo sem dívidas para meu sucessor. Depois vou pescar.

Tribuna: Como quitar estas dívidas?

Moura: Temos uma área de 16 mil metros quadrados, hoje alugada para um circo. Uma idéia é cedê-la à Prefeitura em troca das pendências com IPTU. Ali poderia ser construído uma grande ginásio, que a cidade ainda não tem. Ou então podemos vender o terreno. O valor pagaria todas as dívidas.

Tribuna: Já pensou em vender o Pinheirão?

Moura: Não, isso não será necessário.

Tribuna: E qual será o destino do estádio, agora que o Paraná prepara a volta à Vila Capanema?

Moura: Há um grande negócio em vista, que só posso revelar depois de fechado. Teria um bom retorno financeiro aos três da Capital, que precisam de mais valorização. Por isso, também, planejamos uma reforma estatutária na FPF, para dar maior peso aos clubes profissionais em relação aos amadores e às ligas do interior.

Tribuna: Por que mudar só agora? Os amadores e as ligas sempre formaram a base de seu eleitorado.

Moura: É preciso força política para isso. Mostraremos a importância da valorização dos clubes profissionais. Os amadores não querem direito a voto, mas sim retorno financeiro, que hoje não têm. Revelam jogadores e os perdem ainda nas categorias de base. Vamos propor convênios com os grandes clubes, além de inscrever as ligas do interior num programa de fortalecimento mantido pela CBF. E sempre tive o apoio dos profissionais, eles também me elegeram.

Tribuna: Todas estas mudanças foram concebidas nos dois meses de prisão?

Moura: Sim. Como não conseguia dormir, ficava 24 horas por dia só pensando. Não tinha mais nada para fazer.

Tribuna: Como era o cotidiano na cadeia?

Moura: Na Polícia Federal as condições eram péssimas. Foram 14 dias sem direito a nada. Quem fizesse qualquer coisinha ia para o latão, como chamam a solitária. O jeito era ficar quieto, com a cabeça baixa e as mãos para trás. Mesmo no COT, que é o supra-sumo dos presídios, você fica o dia inteiro sem fazer nada e sendo humilhado. São fábricas de bandidos. Saí pensando em propor ao Departamento Penitenciário que dê estudo e trabalho aos presos. Só assim podem realmente se recuperar. Vi gente saindo e voltando dias depois.

Tribuna: A que tipo de humilhação foi submetido?

Moura: Nas visitas, por exemplo, tínhamos que nos agachar três vezes, pelados. Viam se não havia um celular ou outro objeto em certo lugar… Não acho errado, mas é constrangedor.

Tribuna: Quem eram os outros presos com quem convivia?

Moura: Na Polícia Federal e no COT dividi a cela com mais cinco presos. No COT havia um policial militar que respondia uns 20 processos por estupro. Convidava mulheres para passear de moto e depois estuprava usando uma faca. Ele não podia ficar com presos comuns, pois era ameaçado. Ninguém o cumprimentava. Mas era quem mais rezava na cela, não dava para imaginar. Também tinha um envolvido nas contas CC5 do Banestado e um advogado que disse ter só um probleminha. Depois descobri que respondia 31 processos. Lá é assim, todo mundo é santo…

Tribuna: E a sua reação? Dizia-se inocente aos colegas?

Moura: Sim. Tive tempo de ler bastante meu processo e falava para eles. Mas também ouvia bastante, e usava expressões do meio carcerário. Você tem que se adaptar àquele mundo, senão está f*.

Tribuna: Tinha boa relação com os demais?

Moura: Havia um companheirismo. Um exemplo: frutas só entravam uma vez por semana, e descascadas. Para que não estragassem, dividíamos tudo. Mas nossa cela ainda era "VIP", tínhamos rabo quente e televisão.

Tribuna: Então o senhor assistiu às finais do Campeonato Paranaense.

Moura: Muito mal, porque a CNT não pegava bem. Vi mais chuvisco que outra coisa.

Tribuna: Por que o senhor responde e respondeu a tantos processos?

Moura: Os processos em função do INSS foram injustos. A FPF não deveria ter sido desligada do Refis. E o IPTU, quem não deve? Há clubes sociais muito ricos que não pagam IPTU. Quando era prefeito, o senhor Rafael Greca prometeu que isentaria a FPF. Ajudamos nas festividades dos 300 anos de Curitiba, mas ele nunca cumpriu.

Tribuna: E os processos trabalhistas, ou os movidos por prestadores de serviço que não receberam?

Moura: São causas pequenas. Vamos pagando o que é possível, toda semana alguém recebe o que é devido.

Tribuna: Como a FPF se sustenta? A parte das arrecadações de jogos que cabe à entidade estão penhoradas pela justiça.

Moura: Nem todo o valor está penhorado. E a Federação tem outras fontes de renda, como o aluguel do terreno para o Mercadão (do Automóvel) e o circo.

Tribuna: O que irá contar no livro que escreveu na prisão? Quando será lançado?

Moura: Está todo escrito e em fase de diagramação. Vou explicar muitas coisas. (Mais sério). Uma delas é a exumação do corpo de um ex-funcionário da Federação, há alguns anos, sob alegação de que mandei matá-lo. Só que o laudo do Hospital Cajuru apontou que ele foi vítima de derrame cerebral. Dois dias depois foi convocada uma Assembléia Geral na FPF para cassar o meu mandato, a pedido do ex-governador Jaime Lerner. Digo no livro o nome de quem mandou fazer a assembléia, do delegado que mandou exumar o corpo, porque a FPF saiu do Refis e porque entrou ladrão na Federação. Chegou a hora de pôr os pingos nos "is".

Tribuna: Por que acredita que tentam derrubá-lo?

Moura: Porque querem que a Federação faça sacanagem. Nunca aceitei este tipo de jogo. Essa pessoa acha que é fácil armar resultados, que pode se beneficiar de falcatruas. Não podemos fazer isso.

Tribuna: Essa pessoa? É alguém ligado ao futebol, a algum clube?

Moura: Sim. Ele já teve mais influência na Justiça e na política. Foi capaz de fazer um governador tentar intervir na FPF. Hoje não tem tanto poder. Mas não é só ele. Eu perdi tudo, fui preso, humilhado, prejudicado moral e financeiramente. Eles não, ainda têm muito a perder.

Tribuna: Já foi procurado por esta pessoa?

Moura: Já, em Brasília. Tentou dizer que era meu amigo, que nunca me prejudicou.

Tribuna: Tentou comprá-lo?

Moura: Não, ninguém pode comprar meu silêncio.

Tribuna: Não teme retaliações judiciais?

Moura: Não, porque estou documentado, tenho testemunhas e conversas gravadas. Nunca fui de revidar, mas acho que é a hora, tenho quase 60 anos. Muita gente pensa que sou bandido. Poderia ter ficado milionário, mas jamais tirei um centavo do futebol. Tenho influência suficiente para colocar atletas nas categorias de base da Seleção, por exemplo. Outras pessoas, ao contrário, só entram no futebol para enriquecer. Quero falar toda a verdade e depois pescar. 

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