Foi em uma sala simples, branca como a de consultório médico, sem o glamour do restante das instalações do Itaquerão, que Messi usou o celular para publicar seu sonho (ou profecia?) nas redes sociais. “Falta um passo”. Estava sozinho, quieto, mas sorridente na sala do exame antidoping depois da vitória nos pênaltis sobre a Holanda. Objetivamente, falava do derradeiro degrau para a conquista da Copa. Subjetivamente, falava do passo que falta para a sua consagração absoluta.
Ungido como o grande de sua geração, maior jogador da história do Barcelona e vencedor de quatro prêmios de melhor do mundo, Messi sempre esbarrava nesse “porém”, o Mundial. Nas oito partidas que fez em 2006 e 2010, tinha marcado somente um gol. Em 2014, vem fazendo seu papel. Essa já é sua melhor Copa. Resolveu o jogo contra a Bósnia na estreia. Foi mágico contra o Irã com um tento aos 46 minutos do segundo tempo. Deitou e rolou contra a Nigéria.
Nas oitavas de final, diante do ferrolho suíço, em que o técnico Ottmar Hitzfeld destacou três cães de guarda para marcá-lo, deu um passe para Di María no segundo tempo da prorrogação. Os gênios também sabem a hora de tocar a bola de lado. O técnico Alejandro Sabella disse que Messi é água no deserto.
Contra a Bélgica e a Holanda, surgiu um novo Messi. Correndo, marcando e fazendo falta nos zagueiros, foi operário. “Não estou acostumado a fazer esse jogo de correr, mas somos um time”, confessou. Para dar o último passo, neste domingo, no Maracanã, Messi vai precisar ser general e recruta, CEO e estagiário.
Maradona
Falta um passo para Messi tirar das costas o fardo de ser comparado a Maradona. Afinal, Diego é a medida de todas as coisas no futebol argentino. É um herói eterno. Mas a conta de Messi não está tão negativa assim. Até 29 de junho de 1986, data da final da Copa do México – aquela que transformou Maradona em um semideus -, ele havia feito 11 jogos em Mundiais, com sete gols e quatro assistências. Até hoje, dia da final da Copa no Brasil, Messi fez 13 jogos, deu cinco gols e seis assistências. “Um título na Copa pode tornar possível essa comparação que hoje ainda não pode ser feita”, opina o jornalista Daniel Avellaneda do periódico argentino La Nación.
O que pega mesmo é o lado subjetivo. Maradona sempre foi grandiloquente e esparramado. Malandro, milongueiro, instintivo, tudo o que o argentino comum gostaria de ser. É aquela história do futebol como alegoria para a vida. Mas não é culpa de Messi que ele não seja assim. É seu jeito. O escritor Eduardo Sacheri, autor do romance O Segredo dos Seus Olhos, que se tornou um filme maravilhoso – mais um filme argentino maravilhoso -, foi direto ao ponto. O trecho é longo, mas vale a pena. “Não é culpa de Messi que Diego tenha significado tudo o que significou. Não é culpa de Messi que nós, argentinos, sejamos incapazes de encerrar nosso luto por Diego, por sua aposentadoria, por sua partida, pelo inquestionável de que ele não joga mais.”
A maneira como a Argentina iniciou a Copa fez Messi descer do salto, ou melhor, da chuteira. Com esquema defensivo contra a Bósnia (5-3-2), o craque não tocou na bola no primeiro tempo. Ou era desarmado ou tocava para trás. No segundo tempo, com a volta ao 4-3-3, o mesmo esquema que fez a Argentina brilhar nas eliminatórias para o Mundial, Leo resolveu a partida.
Saiu bufando dos vestiários e iniciou campanha para que o time jogasse com três atacantes. “Somos a Argentina. Não podemos nos preocupar com esse ou aquele adversário.” Sabella ficou numa saia justa, mas disse que o sistema era democrático e que os jogadores podiam falar o que quisessem. O esquema ficou conhecido como o “time de Messi”.
Por causa deles – do esquema e de Messi -, a Argentina está na final. São três homens ofensivos quando a equipe tem a bola. Enzo Perez na direita, Lavezzi na esquerda e Higuaín centralizado. Todos procuram Messi. Quando o rival ataca, todo mundo volta para marcar – até o camisa 10.
Parceria
Sabella não ficou por baixo com a história do “time de Messi”. Ganhou a confiança do grupo e se aproximou ainda mais do craque. Desde que assumiu o cargo, Sabella vem tentando facilitar os passos dele, os literais e os figurados.
A primeira providência foi dar-lhe a tarja de capit&atil,de;o lá em 2011. Na prática, o chefe da equipe é Javier Mascherano, mas Messi ficou com a tarja simbólica. Depois, Sabella fez o time jogar para ele, principalmente os outros três fantásticos (Di María, Higuaín e Agüero).
“Qualquer seleção que tenha um jogador como Messi vai acabar dependendo dele”, justificou o treinador. Messi repetiu as grandes atuações do Barcelona. Com treinadores anteriores, marcou 17 gols em 61 exibições. Com Sabella, foram 21 em 25 jogos. Esse foi mais um passo. Neste domingo, ele precisa dar o último e chegar ao mesmo pico no qual Maradona o espera ansioso e de braços abertos. (Colaborou Diego Salgado)