Fotos/ Aliocha Costa Pinto |
Ilustração de Marco Jacobsen. |
Luiz Augusto Xavier –
Maurílio, dá para considerar 2002 o teu grande ano?Maurílio – Esse foi realmente o meu ano. Primeiro porque alcancei marcas que dentro do futebol não imaginava alcançar. Fui artilheiro da equipe, no estadual chegamos à final, uma pena que foi só em casa. Fui abençoado dentro e fora de campo, foi maravilhoso. O que eu mais queria era ser pai e aconteceu (a esposa de Maurílio, Elaine, está grávida de dois meses).
Xavier – O futebol mudou muito os conceitos. Antigamente o cara chegava aos 30 anos e já pensava em encerrar a carreira.
Maurílio – A minha esposa sempre me orientou. E ela diz: “você tem que pensar em você. Não vai na empolgação de fazer o que os outros fazem. Vamos cuidar desse corpinho ai porque é ele que te alimenta. Não são os teus amigos que vão te ajudar a pôr dinheiro dentro de casa. Graças a Deus eu fui sempre pelo lado dela, quando fui pelo meu via que estava errado. Quando eu tinha 29 anos eu pensava assim: eu vou chegar perto dos 30 e então vou ter que fazer algo diferente e esse ano vai ter que ser o melhor ano da minha vida, eu vou ter que fazer coisas que eu nunca fiz.
Xavier – Você teve a fase de ir para a gandaia?
Maurílio – Se chegar um cara e falar que nunca foi é mentira. Nem sempre o jogador é bonito, bonita é a conta dele. Eu tive um pouco disso, mas no momento certo encontrei a pessoa certa e ela é aquela base que não me deixa pensar coisas ruins.
Andréa Pereira – Quando você começou muito garoto em 91. Qual a relação que você vê de jogar hoje em dia num time só de garotos e ser um dos mais velhos?
Maurílio – O Sidnei e o Fábio Luiz são mais velhos. Naquela época eu era um garoto. O Gilberto, zagueiro, chegou pra mim e brincando perguntou onde estava o meu cabelo. Na época eu tinha um cabelo grande e todas as vezes que eu dava um drible nele, ele disse que pensava em puxar o meu cabelo. Eu era um menino, sempre que ia fazer trabalho físico reclamava que sentia aquelas dorzinhas. E os caras só davam risada. E hoje os mais novos esperam a minha atitude para depois fazer alguma coisa. Eles esperam eu falar. No futebol às vezes você consegue fazer uma jogada mais com a boca do que com o agir. Eu e o Márcio temos um entrosamento muito grande. Quando eu grito ele já sabe que estou passando atrás dele. Jogar no meio de garotos é uma responsabilidade muito grande.
Andréa – Você joga hoje mais com a cabeça?
Maurílio – Eu queria ter hoje 17, 18 anos. O jogador quando é novo tem muita saúde. E o pessoal falava pra mim que quando eu aprendesse a correr pelo atalho eu seria um grande jogador. E hoje se eu tivesse 17 anos, eu ia ser….
Borba Filho – Você falou que esse foi o teu grande ano, acontece que esse grande ano não teria chegado se não fosse por um fato. Eu fui o teu técnico no Pinheiros, e eu lembro que você um dia disse que ia pro Vila Fani porque ali não ia ter oportunidade. E eu vislumbrava em você três virtudes extraordinárias: um atacante que jogava pelo lado direito, esquerdo e pelo meio.
Maurílio – O senhor disse pra mim que o futebol não é tão rápido quanto você pensa e eu agradeço muito essas palavras. Eu era um garoto que estava começando e achava que tinha que jogar. Eu sempre fui ganancioso, sempre busquei e nunca vou parar com isso. Acho que todo treinador deveria dar o conselho que o senhor me deu. “Calma, você está aqui porque eu vi qualidade em você”. Eu agradeço muito porque naquela época se o senhor tivesse falado outras palavras eu teria desistido. De tudo o que aconteceu na minha carreira o senhor tem uma parte importante. Às vezes a pessoa fala uma coisa que é mais importante do que um trabalho de um ano inteiro.
Gisele Rech – Você tem o objetivo de ser treinador?
Maurílio – Vontade a gente tem, só que tem que esperar o momento. Eu penso e espero ser um treinador. Eu não alcancei a seleção. Mereci muitas vezes ser convocado e nunca fui, sei que é uma política muito grande. E se eu for um treinador gostaria de ser o melhor.
Cristian Toledo – Como foi a tua carreira?
Maurílio – Eu morava com a minha mãe em Brasília e ajudava a cuidar de um bar. E jogava também. Um dia o meu tio Ari chegou e disse que ia me levar fazer um teste no Goiânia. Lá não deu certo, não deixavam nem eu treinar e voltei para Brasília. Aí ele me ligou e disse que estava tudo certo no Goiás. Peguei o ônibus voltei para Brasília. Na época eu tinha 17, 18 anos. Todos os jogadores do júnior se apresentando e chegaram pra mim e falaram que não precisavam de mim. Depois fui para Taguatinga. Cheguei lá, treinei e já era o titular, já era o Renato Gaúcho. O meu tio depois veio transferido para o Pinheiros, aqui em Curitiba e eu também vim. Na época os jogos do Pinheiros eram transmitidos pela TV. Tinha alojamento, era o paraíso. O técnico do profissional era o Munir Caluf e ele me viu jogando e me levou para o profissional. Em duas semanas eu estava treinando com o grupo. E eu escutava o Dionga ( Dionisío Filho, hoje comentarista esportivo) falar: “ô moleque abusado, sai daí”. E eu escutava de longe. E eu querendo sempre uma oportunidade. Depois chegou o Rubens Minelli e eu ia sair de férias. Na hora de acertar o contrato, fiquei esperando junto com os jogadores que iam ser dispensados. O Minelli chegou e perguntou o que eu estava fazendo ali e que meu lugar era junto com os titulares.
Aí dei aquela respirada. ” Não vou ser dispensado”. No começo o Minelli me deu muita moral e eu comecei a jogar, ai na estréia nossa, contra o Nove de Julho, fiz o primeiro gol, foi um cruzamento do lado direito. Depois chegou o Otacílio e eu brinquei com ele que eu era o terceiro reserva. No time tinha o Serginho, o Saulo, o Adoílson, do lado jogava o Sérgio Luiz ou o Sandro. Tinha o Polaco, um menino do júnior que subiu e eu era a última opção. A gente estava disputando a segunda divisão. Um jogo antes o Sérgio Luiz quebrou a mão, ia jogar o Sandro, mas ele tinha sofrido uma ruptura no músculo e não podia jogar, tinha a dúvida entre eu e o Polaco e concentrou os dois. O Otacílio me chamou no quarto e disse: “eu chamei você para treinar e é você que vai entrar e resolver para mim”. Na hora que ele falou aquilo pra mim eu cresci, não conseguia nem dormir. Nós ganhamos por 3 a 1. Depois teve o jogo contra o União São João e o lateral era o Roberto Carlos e eu infernizei a vida dele. Nós fomos campeões da segunda divisão e o Otacílio ia para o Palmeiras. Depois do jogo, quando ele chegou no vestiário, ele disse “até daqui a pouco”. Quando eu cheguei no outro dia o Ocimar Bolicenho me chamou e disse que era para eu ir até a Kenedy que tinha um negócio para mim. Era para o Palmeiras me contratar. Foi aquela euforia toda e eu fui embora. A torcida me recebeu muito bem. A estréia foi contra o Corinthians. E eu fiquei no Palmeiras quase três meses sem fazer gol, foi uma agonia. Teve um pênalti e eu botei a bola debaixo do braço e disse que eu ia bater para fazer o gol e o Zinho tinha sido contratado a peso de ouro. Eu bati e errei, mas mesmo assim ganhamos o jogo. Chegou no vestiário o Otacílio me chamou e pela primeira vez me deu uma bronca. Ele disse que o Zinho tinha que ter batido o pênalti. Desse dia em diante a torcida começou a pegar no meu pé.
Xavier ? E depois como foi?
Maurílio ? O Otacílio saiu e chegou o Luxemburgo. No primeiro gol eu marquei dois gols. Depois eu fiquei no banco e quando apertava a torcida pedia para eu entrar. Eu entrava e fazia gol. Quando eu jogava a partida inteira a torcida xingava. Eu comecei a ficar triste com a situação de jogar no Palmeiras. E eu pedi para sair. Voltei para o Paraná para disputar o Brasileiro. Na época o Luxemburgo estava no Paraná. Na época o Paraná era a sensação. O bicho era em dólar. Foram três jogos em casa e ganhamos todos. A imprensa toda estava em cima, mas depois o Luxemburgo foi para o Palmeiras e nós não alcançamos o objetivo. Logo em seguida eu fui para a Espanha (Logroñez) disputar a segunda divisão, cheguei lá e não fui muito bem recebido pelos jogadores.
Xavier – Quem te levou para a Espanha?
Maurílio – Na época eu sai daqui por causa do empresário Todé, que tinha trabalhado no clube. O Cléber, zagueiro do Cruzeiro, que era do Palmeiras jogou lá também. Quando eu cheguei lá faltavam dois dias para encerrar as inscrições e dois teriam que sair. Dois que já estavam lá saíram e houve uma revolta dos jogadores e eles convocaram uma coletiva dizendo que nós não precisávamos estar lá e eles iam dar conta do recado. Era eu e o Alexandre (meia) e quando tinha treino dois contra dois a gente fazia a maior graça, sacanagem. Os caras ficavam loucos. Eu chegava e via o campo coberto de neve, a bola amarela e tinha que treinar com chuteira de trava. Eu fiz alguns gols. Depois o time foi comprado pela comunidade e queria comprar o meu passe, mas não tinha dinheiro e eu acabei voltando para o Palmeiras. Quando voltei da Espanha fui para o Goiás disputar o Campeonato Brasileiro, depois para o Santa Cruz, que era da Parmalat. O técnico era o Sérgio Ramirez. Eu era contratado da Parmalat. O Gilson Nunes assumiu o Juventude, que era primeira divisão, e os caras me levaram para lá, foi em 97. O ano foi maravilhoso, eu arrebentei, fiz oito gols, pintava o cabelo de branco e foram os gols mais bonitos da minha carreira.
Cristian – O Juventude foi bem no campeonato?
Maurílio – Terminou entre os oito e na classificação geral era o quarto. Do Juventude eu fui para o Grêmio disputar a Libertadores. Nós fomos fazer uma excursão pela China e quando eu cheguei lá todo mundo pensava que eu era velho por causa do cabelo branco. Quando viam que eu era novo todos queriam tocar em mim, falar comigo. Voltamos para o Brasil, a imprensa em cima e nós fizemos um amistoso contra o Caxias. Na estréia contra o Vasco na Libertadores eu estava no banco. Estava 0 a 0 e a torcida começou a chamar o meu nome e eu entrei e na primeira bola que eu cruzei o Guilherme fez um gol. Mas eu não conseguia marcar e atacante vive de gols. Na outra partida contra o México eu comecei jogando, mas não fazia gol e o Lazaroni me tirou e começou a me deixar de lado. Aí eu pedi para sair do Grêmio e fui para a Ponte Preta. Esse ano (98) para mim foi o pior da minha carreira. No Grêmio eu estava bem, mas não tive oportunidade de dar seqüência ao meu trabalho. Na Ponte eu tive uma fratura e fiquei sessenta dias parado. Como eu recebia um salário muito alto, a torcida começou a me cobrar. E eu não via recuperação imediata. Cheguei para a diretoria e falei que eu não estava ajudando. Fui para o Vila Nova de Goiás, que queria chegar à primeira divisão. Do Vila Nova eu voltei para o Juventude. Disputamos a Copa do Brasil e o Estadual. Disputamos a final contra o Inter.
Xavier – Vale lembrar que a final da Copa do Brasil foi contra o Botafogo no Maracanã, e a torcida inteira cantando o título.
Maurílio – Nós empatamos e fomos campeões. Depois fomos disputar o Brasileiro, na Libertadores nós fomos bem. No Brasileiro nós não conseguimos ganhar, não via saída e era o time que tinha sido campeão. E teve o rebaixamento e depois o rolo todo que o Juventude foi convidado a voltar. Eu fui depois para Portugal, Vitória de Guimarães, e lá foi uma maravilha, um país fantástico.
Xavier ? Você e a Elaine são casados desde quando?
Maurílio – Desde 99. Nós fomos para Guimarães e eu vivia para a minha esposa e ela para mim. Mas o Paulo Autuori saiu, acabou o contrato dele e eu era artilheiro do time. Mas chegou um técnico português e não foi muito com a minha cara. Eu já tinha ligado aqui para o Brasil para falar com o Ocimar Bolicenho sobre o meu irmão, que jogava no júnior. Ela perguntou como eu estava. Eu perguntei como estava o Paraná e ele falou que estava procurando jogador, se eu não tinha nenhum para indicar para ele. Eu falei assim: “não serve um atacante de estatura média, artilheiro”? Ele falou que interessava e que era para agüentar um pouco. Eu cheguei para o Pimenta Machado e falei que queria voltar para o Brasil. Ele disse que não, que eu era um dos jogadores de confiança dele. Joguei e depois nem banco peguei mais. Conversei novamente com o Ocimar e pedi para ele entrar num acordo com os caras lá em Portugal. Eu tinha mais quatro meses de contrato, mas a vantagem que o passe ia ser meu depois. Aí eu vim embora. Graças a Deus vim para um lugar que vivi intensamente. E eu acho que a minha contribuição foi maior agora do que naquela época.
Irapitan Costa – O que mudou na tua carreira. Antes você era um jogador veloz e hoje é o jogador cerebral, o tiozão da galera, o cobrador de falta.
Maurílio – Na época do Lúcio Flávio eu tive algumas participações. O Ageu pedia para eu bater falta, ele dizia que eu batia de frente. O Bonamigo ouviu os caras pedirem e me colocou para bater essas bolas. E esse ano foi fantástico, a maioria das faltas de bola parada eu fui o que mais fez.
Xavier – Você lembra o primeiro gol de bola parada?
Maurílio – Os dois primeiros gols de bola parada foram contra o São Caetano. Santos de falta, Bahia de falta. Inter dois: um de falta e outro de bola parada, Gama dois, Juventude dois de pênalti, Figueirense um de bola normal e um de pênalti. São Paulo de pênalti e Fluminense de cabeça. Foram nove de bola parada e cinco de pênalti.
Xavier – Um aproveitamento fantástico?
Maurílio – No final eu brincava com o pessoal na concentração. Vai que nós estamos aos 45 minutos do segundo tempo, um pênalti, e o Paraná precisando ganhar para não cair para a segunda divisão. Naquele momento difícil do jogo não deu outra, pênalti. Eu olhei para o goleiro e bati forte. A minha sorte é que ele pulou e caiu por cima e na hora que ele desceu a bola já tinha passado. Depois o segundo gol foi o lance do Marcelo, que não havia participado de nenhum jogo. Na hora que eu chutei eu observei o movimento do goleiro. Ele caiu para um canto achando que eu ia bater rasteiro cruzado. “Eu vou mirar o meio do gol e vou chutar” – e foi o que aconteceu. Foi o gol de empate do Paraná.
Cristian – Você observou muito as reações dos jogadores. Na hora complicada você tinha que agir para que o elenco não desanimasse?
Maurílio – Nós tivemos muitos jogos sem concentração, concentrar em casa. A concentração era rígida, até com psicólogo. Tinha também o lance das cores.
Gisele – Qual a tua cor?
Maurílio – A minha cor é verde. Era um grupo que passava coisas positivas, lá de dentro de você. Quando chegava no jogo dava resultado. Foi um trabalho que muita gente no começo achou chato porque a gente não tinha mais tempo de jogar baralho, e fazer outras coisas. A gente não tinha mais nem televisão dentro do quarto. Um dia a minha esposa ligou e perguntou onde você tá? Eu estou aqui conversando com o cara sobre zodíaco, mapa astral. Na prática talvez não tenha ajudado em nada, mas teoricamente valeu. Transmitiu fluídos. Quando nós ganhávamos o jogo eles iam no vestiário chorando. A gente viu a amizade deles com a gente. Quando a gente não ganhava eles falavam que a gente perdeu por isso e aquilo e animavam o time. Quando eu for treinador eu vou querer concentrar. Você vive do lado do companheiro, mesmo jogando baralho você conversa sobre o jogo. Quando nós voltamos a concentrar todos aqueles que não estavam rendendo voltaram a render um pouco mais.
Andréa – No Palmeiras você jogou com Edmundo, Evair, estrelas do futebol. Como foi pra você sair do Paraná e ir para o Palmeiras?
Maurílio – O time era Veloso, Mazinho, Antônio Carlos, Cléber e Roberto Carlos, César Sampaio, Rivaldo, Edílson, Rincón, Edmundo e Evair. O time inteiro naquela época era uma seleção vestida de verde.
Andréa – E como era jogar, em um time cheio de estrelas? Sair do Paraná e ir para uma “seleção”?
Maurílio – Vou ser sincero. Particularmente, quando saí daqui e fui jogar num time cheio de estrelas, vi muita diferença, porque a vaidade é muito grande quando você está num time cheio de jogadores de seleção. Existe aquela vaidade de um querer ser melhor do que o outro e isso atrapalha. Pra mim atrapalhou muito, porque eu nunca tive espaço. Cheguei numa constelação onde a minha estrela não brilhava tanto e eu tinha que fazer ela crescer e brilhar. E isso foi difícil. Consegui fazer ela brilhar por algumas vezes, mas por circunstâncias não deu certo. Então volto a falar que jogo no Paraná com prazer, sempre tive mais alegria de jogar no Paraná não pelo fato de eu ter um certo nome maior do que os outros, mas sim pelo respeito e pela amizade que existe. O futebol não é só você ser profissional e fazer a sua parte. Você tem que ter amizade, ter companheiros. A amizade vem em primeiro, é um ajudando o outro. E aqui é assim, é dessa forma.
Irapitan – Existe muita vaidade no futebol. O que leva os jogadores a esse lado ?
Maurílio – Olha, a mídia, o próprio clube se deixa levar por isso. Quanto mais nome o jogador vai pegando, mais sobe o salário. Quanto mais aumenta o salário, mais interesse existe e os jogadores chegam num certo estágio que se ele alcança um certo nome e vê que está regredindo, começa a usar o lado da vaidade. Em vez de fazer as coisas darem certo para os outros, ele vai fazer as coisas darem certo só para ele.
Gisele – Você acha que falta orientação para os jogadores desde as categorias de base, para não deixar que eles se deslumbrem com o reconhecimento que ele vai ter?
Maurílio – O treinador, além de ser um treinador, deve ser um amigo, um pai para o jogador. Porque a primeira pessoa que vai fazer com que um jogador tenha atitudes e que faça as coisas acontecerem é o próprio treinador, então primeiro ele tem que conquistar o respeito de todos os jogadores e os jogadores confiarem no treinador. Porque não adianta nada os jogadores não confiarem num treinador. Porque existe o seguinte pra jogar: só jogam onze. Ficam dezoito, dezenove esperando a oportunidade de entrar. Então esses jogadores têm que ter muita confiança no treinador pra não bater na cabeça o desespero e virem cobrar. O grupo, quando é formado, tem que esperar tudo. Em um campeonato, são 25, 26 jogos, alguns se machucam, outros tomam cartão e chance de jogar aparece. Mas aqueles que não acreditaram no treinador, que não confiaram no técnico não vão ter a chance, não vão ter aproveitamento. O treinador tem que chamar o grupo, unir a equipe, ter uma conversa, para orientar os jogadores. A presença de um supervisor e do próprio presidente do clube estar sempre junto é importante. Acaba existindo uma certa amizade, e não existe tanta desconfiança. O jogador gosta muito da presença das pessoas para quem ele trabalha.
Cristian – O mais interessante desse apoio da diretoria pode ser visto no futebol gaúcho. Por que lá o vice presidente de futebol está presente no dia a dia. Esse exemplo do futebol gaúcho poderia ser usado aqui no Paraná ou o que acontece no Paraná Clube, com o Ocimar Bolicenho por exemplo, já é um trabalho perto do ideal?
Maurílio – O Ocimar, não é de agora que ele faz isso. Ele é um cara que é presente. Mesmo quando ele foi presidente, ele participava de “rachão”. Então, todas as vezes que ele trabalhou, participou, isso teve uma resposta. E agora, nessa reta final do Brasileiro, o presidente se concentrava com a gente. O Ocimar estava sempre presente no jantar, todo mundo estava presente. O Altair Barranco (vice de futebol) chegou num momento de até ter ataque cardíaco de tanto sofrer com a gente. Mas enquanto todo mundo viveu aquilo junto, aquela amizade, foi uma coisa que ajudou bastante.
Xavier – No começo da entrevista, você falou sobre a seleção brasileira. Em que um momento você esperava ir para a seleção?
Maurílio – O momento é mais recente. E não só eu como o Márcio. Sinto um pouco de frustração. E eu terminei o campeonato com 14 gols, fui um jogador que tive participação em praticamente todas elas se você for fazer uma média. O Márcio é um jogador que sempre vem fazendo muitos gols, o próprio Kléber do Atlético. E nessa última convocação foi chamado o centrovante da Portuguesa. Não querendo dizer que ele não merece, mas se o técnico iria convocar jogadores dos times que já estavam rebaixados ou que não classificaram, ele deveria convocar os que estavam melhores no momento. Tem que ter uma coerência por parte do treinador, ele não pode ser político. Eu sempre vou torcer por qualquer seleção que for convocada. Tivemos grandes seleções. Mas muitas vezes ela é política, esquecendo o critério de convocação. Eu acho que o Márcio merecia, mais que eu, mais do que qualquer jogador. Até mesmo quando o Hílton jogava aqui, ele foi cogitado várias vezes para ser convocado, mas não era chamado pelo fato de o Paraná não ter uma força política dentro de uma CBF. Não tem uma força para poder convocar um jogador.
Irapitan – E dentro dessa situação, você já passou pelo Palmeiras, pelo Grêmio, já foi campeão da Copa do Brasil com o Juventude, como que foi administrar a volta para o Paraná Clube para que isso não fosse um retrocesso na sua carreira?
Maurílio – Pelo contrário. Seria um recomeço. Não desmerecendo a grandeza do clube. Mas seria mais fácil num clube de primeira linha. Mas não, voltei porque é um clube onde me sinto bem, gosto da cidade, a minha casa é aqui. Tudo o que eu criei no futebol, foi porque eu me criei aqui. E aqui no Paraná eu sabia que não seria um retrocesso, seria um recomeço. O que fiz na minha carreira, com 32 anos, o campeonato brasileiro que fiz com 32 anos, não consegui fazer com 20, com 21 anos. Eu só fiquei triste por uma coisa. Foi uma luta por uma conquista não tão simbólica como é chegar numa classificação ou num título. Mas para nós foi uma conquista, porque lutar da forma que nós lutamos sem praticamente ajuda alguma, sem recursos, um clube atravessa um momento difícil, a diretoria sempre trabalhando para poder trazer um respaldo para o tranqüilizar o time, e muitas vezes não conseguindo. E nós nunca levamos isso para campo. Nós trabalhamos, fomos muitas vezes prejudicados por algumas arbitragens, e mesmo assim não desistimos e trabalhamos sempre querendo chegar em um objetivo. Nós tivemos momentos ruins, chegando ser o último colocado e nesses momentos você escutar pessoas dizerem que o Paraná já estava rebaixado. Como em uma entrevista, onde o Carneiro Neto falou na frente do Caio Júnior, que o Paraná seria rebaixado. E eu vi nos olhos do Caio, que nós não seríamos rebaixados. E o Caio Júnior nunca chegou pra gente e falou que estava difícil. Ele sempre falou para a gente que iria dar. Então, nós tivemos um momento difícil, mas a nossa conquista foi muito grande porque o grupo se você for analisar, eram jogadores desconhecidos, jogadores renegados em alguns clubes, jogadores que vieram para cá em busca de algum espaço. Então como podia ser um recomeço para todos, porque não pra mim?
Xavier – E vocês acreditam na possibilidade de não cair? Porque entre os quatro sempre colocavam o Paraná. Vocês achavam que podiam escapar?
Maurílio – Nós em campo nunca tivemos dúvida de que nós não iríamos cair. Isso eu falo e pode perguntar pra qualquer jogador e não pelo fato de que nós tínhamos um grande time, tínhamos maneiras, saídas de vencer o adversário. Nós não iríamos cair porque nós não merecíamos. Porque o sofrimento ali era tão grande que você via na cara de cada jogador que nosso time quando entrava em campo nós entrávamos como se fosse uma partida onde estava em jogo a vida de um parente seu e até mesmo a sua própria vida. E quando o jogo acabava, você via o sofrimento, você via no olhar de cada um que cada um te abraçava cansado, chorando. E é difícil você jogar, não conseguindo vencer e ter que brigar para sair daquela situação. E todo mundo chegava para gente. No próprio jogo contra o Gama, a gente vencendo o jogo por 2 a 1, precisando da vitória, eu vi o Marcos chorando e fui até ele, abracei o Marcos, e falei que ele iria pegar o pênalti. E o Marcos defendeu. E no jogo contra o Juventude, ele chegou pra mim, e indiferente se eu iria acertar a cobrança de pênalti ou não, e falou que confiava em mim. Existia e existe no grupo, uma corrente, uma amizade muito grande que eu creio que se fosse uma situação pra nós chegarmos numa classificação, nós teríamos alcançado também, porque era uma coisa que nós merecíamos. Só que o momento não foi dos melhores.
Rubens Chueire Jr – Só em dois momentos – contra o Goiás e contra o Atlético-MG, houve derrotas com um placar mais elástico. As derrotas que vocês tiveram contra a Portuguesa, contra o São Paulo, vocês sempre lutaram e perdiam por um diferença pequena. Que detalhe faltava para o time conseguir um empate ou até mesmo uma vitória?
Maurílio – Os jogos que nós perdemos fora de casa muitas vezes foram jogos que nós realmente mesmo merecíamos a vitória. Foram detalhes que ficaram nítidos no início do campeonato em que tínhamos uma certa fraqueza que nós queríamos sempre atacar e esquecíamos de defender. E nós tínhamos a idéia de entrar em campo pensando primeiro em não levar gol. Porque se você for analisar todos os nossos jogos praticamente nós fizemos gols em quase todos. Nós ficamos três ou quatro jogos sem fazer gols. E se você entra num jogo pensando em se defender, e aí eu cito o Roberto, e assumo que eu ajudei a trazer ele para o Paraná, que é um cara que dá equilíbrio na defesa. Com a defesa equilibrada, você se arrisca mais no ataque. Mesmo não marcando no jogo inteiro, você vê que no final da partida o placar pode ser aberto. E foi dessa forma. E mesmo saindo perdendo em alguns jogos, existia sempre a conversa de não relaxar, que nós vamos mudar o jogo. E nós tivemos dois jogos, contra o Goiás e contra o Atlético-MG. No jogo contra o Atlético Mineiro eu tive um erro nesse campeonato, que foi o de querer voltar, que eu estava com uma contusão, e queria voltar para ajudar o time, e não conseguia melhorar. E nós fomos para Belo Horizonte, e eu jogando a meio pau e não conseguia jogar. E sofremos os gols onde eu via jogadas que eu podia fazer, mas que não conseguia porque a minha perna não respondia. Acabou o jogo e eu não sentia nada. Quando precisava do meu arranque, da minha explosão, a minha perna não deixava eu fazer as coisas. Aí o Otacílio me tirou do jogo e falou para eu cuidar da minha perna. E naquele jogo, tudo o que o Atlético fez deu certo. É difícil analisar porque a derrota. O time reconheceu que foi mal, que jogou mal, faltou qualidade, faltou força de marcação. E contra o Goiás nós saímos com a idéia de jogar fechado, porque quem precisava do resultado era o Goiás, que jogava em casa. E nós estávamos num momento do jogo nós só ficávamos no ataque. O Goiás não conseguia criar algo ofensivo. E aí teve a expulsão do Weligton, aos 20 minutos, que desfalcou o nosso time, que não suportou a pressão de jogar com um jogador a menos. O nosso time não conseguiu ficar fechado. Faltava aquela tranqüilidade. A partir do momento que a gente se sentiu tranqüilo, com o Caio passando segurança pra gente e todo mundo viu aquilo que nós tínhamos que fazer aí o time conseguiu os resultados que precisava.
Cristian – Você falou muito da união. De quem partiu aquela idéia da corrente antes dos jogos?
Maurílio – Eu vou ser sincero com você. Aquilo ali partiu do pessoal das cores. O pessoal das cores conversou comigo e depois em separado. Primeiro com a defesa, depois o meio-campo e por último o ataque. Eles sempre me chamavam porque eu era o capitão e eles queriam saber o que eu achava do nosso grupo. Eles me falaram que quando eu entrasse em campo, eu chamasse o grupo, explicasse a responsabilidade que eram os jogos, para se concentrar e se fechar, mostrando existe união, para quem está de fora perceba que era um time unido. E isso contagiou todo mundo. Nos jogos do Pinheirão, nós fizemos a nossa corrente, e mesmo saindo perdendo, a torcida não vaiava, sempre vibrava e apoiava a equipe para virar os jogos.
Irapitan – E a função de capitão?
Maurílio – Eu nunca tinha sido capitão antes. Tive a chance de atuar como capitão no Santa Cruz e no Juventude, mas só em algumas partidas. Eu tive essa experiência aqui no Paraná e particularmente gostei muito. Acho que qualquer jogador gostaria de ser capitão. E eu gostei não pela vaidade de comandar um time, para ser o “bom”. Eu gostei porque pude passar e assumir uma responsabilidade ali dentro, que se fosse dado para um menino mais novo, nada ia dar certo. Iria ser mais na emoção, na explosão. E por muitas vezes existe confusão em um grupo. E em muitas dessas vezes, ela surgia de coisas banais. E eu como capitão podia intervir dentro de campo, sempre passando incentivo, amizade e fazendo com que o grupo ficasse unido. Um capitão tem que chegar ali dentro e trazer um do lado do outro. E, nessas horas eu falava pra todos: “Você vai receber o seu pagamento amanhã, se esse aqui te ajudar. Você vai poder comprar um carro amanhã, se aquele te ajudar”. E outro exemplo era quando eu pegava a bola e colocava ela no centro do gramado e falava: “Tá vendo isso aqui? Isso aqui é o que me faz viver até hoje. A bola é até hoje a minha inspiração. Se eu não acreditar nisso, não aproveitar isso, se eu não chegar ali dentro e não fizer com que tudo o que eu criei no meu passado venha pra hoje, em torno disso aqui, não vai adiantar nada. A minha família vive por causa disso”. E qual era a nossa função? Vencer os jogos. Então eu tentei passar esse espírito pra todo mundo.
Gisele – Como é a permanência na primeira divisão? Ele tem a mesma emoção de um título ou é até mais valorosa por causa do sofrimento que vocês passaram?
Maurílio – Pra mim ela foi uma conquista que não chegou ao ponto de ser tão valorosa, como foi a minha conquista da Copa do Brasil, com o Juventude, porque ninguém acreditava na gente. E foi uma conquista na qual tive uma participação direta. Eu fui muito feliz nos jogos e pude ajudar a todos. E a emoção de ver um Maracanã lotado, vibrando, batendo palmas para o seu time, é uma conquista que não tem preço. Já a permanência na primeira divisão tem um sabor diferente. Porque se você for analisar aqueles que estavam brigando pela classificação, ficaram com um sentimento de derrota por não conseguirem a vaga. E pra nós, foi uma vitória. Quando acabou o jogo em Florianópolis, eu olhava na cara de cada um e todo mundo chorava. Eu me ajoelhei e agradeci a Deus. E você não ser rebaixado, brigando direto contra Portuguesa, Palmeiras, Botafogo, Flamengo, Internacional, entre outros, não é fácil.
Cristian – Você falou em ser técnico. Você já olha as partidas de uma forma mais tática ou não?
Maurílio – Eu já olho sim. Já penso muito no próprio posicionamento. Em jogos de outras equipes eu sou muito crítico. Vendo pela televisão eu analiso se aquele esquema é 3-5-2 ou se é 4-4-2. E eu já me vejo até mesmo no Paraná, atuando um pouco como técnico. Eu chegava para o Otacílio e pro Caio e dizia que a equipe estava tendo deficiência em algum setor. Trocava opinião com eles. E a opinião de um jogador até é estudada, mas a última palavra é sempre do treinador. Já me vi várias vezes como treinador e treinador retranqueiro. A minha primeira preocupação vai ser entrar em campo para não perder. E primeiro que eu vou ter dois atacantes matadores, que nem o Maurílio e o Márcio.
Gisele – É mais interessante trabalhar com um treinador jovem ou com um treinador experiente?
Maurílio – O Otacílio, quando estava presente, me ajudou muito na projeção. Ele foi um treinador que me deu a oportunidade aqui mesmo no Paraná e me deu oportunidade de sair daqui para um grande centro. E logo na saída dele a gente ficou triste porque nós achávamos que não era o momento, porque existia uma união muito grande entre o Caio e o Otacílio. E o Caio hoje, ele mesmo pode responder, aprendeu muito com o Otacílio. Eles conversavam muito. E no momento em que o Otacílio saiu, foram procurados vários treinadores, mas ninguém quis assumir o time. O Caio chegou e disse que o grupo iria trabalhar para que o Paraná saísse dessa situação. Ele acreditava no grupo do Paraná. E o Caio trabalhando é muito tático. Ele pensa muito nas coisas que podem dar errado, ele pensa em algumas saídas em algumas possíveis situações.
Xavier – E uma coisa que nós estranhamos, foi que nós convivemos com vocês na Ucrânia e o técnico era o Caio. A comissão técnica que está hoje era a mesma, tirando o Solivan, que saiu. Quando nós voltamos ao Brasil, teve a mudança. Você sentiu essa mudança? Você sentiu que o técnico poderia ser o Caio, apesar de todo o apreço que o Otacílio tem?
Maurílio – O Caio no próprio Estadual e na Ucrânia fez um trabalho que mostrou que ele estava pronto. Mostrou que já tinha muita coisa para colocar para os jogadores. E naquela época trouxeram o Otacílio como a última prova do Caio. Para ele olhar tudo o que um grande treinador tem como o Otacílio. E o Caio foi aprendendo. Por infelicidade nós perdermos o Otacílio de uma maneira que ninguém queria. E todo mundo achou que não era o momento para o Otacílio permanecer. Aí que o Caio assumiu e ele já tinha todo esse momento que ele aprendeu com o Otacílio. Acho que praticamente foi uma seqüência de um trabalho, só que com uma pessoa diferente. Com uma pessoa que aprendeu e que foi humilde. O Caio foi muito humilde. Porque ele poderia não aceitar que entrasse outro técnico em seu lugar. Mas ele esperou e acabou chegando a hora dele. E o Caio conseguiu uma coisa que muitos treinadores de times consagrados não conseguiram fazer pelos seus times.
Xavier – Como é para vocês jogadores, passarem pela Ucrânia, um país bem diferente do Brasil? Como era para o grupo?
Maurílio – Quando a gente faz essas excursões, a gente já fica com um pé atrás, sabendo que pode ser uma coisa muito boa ou muito ruim. E eu gosto muito por poder conhecer culturas diferentes. A Ucrânia estava saindo de um regime comunista. A gente olhava as pessoas nas ruas, todas fechadas, com medo. E nós chegávamos lá dando risada, não tínhamos conhecimento da situação do país. Nós não tivemos divulgação da nossa visita lá. Tanto que só na última partida é que o estádio encheu. E com relação à comida, foi engraçado. Quando nós fomos até Varsóvia, na Polônia, e daí seguimos de ônibus para a Ucrânia, paramos num restaurante na estrada e acabamos só comendo uma asinha, uma coxinha de frango, porque o restaurante não tinha comida pra tantos. E o outro prato era buchada com feijão. Eu comi só o frango. Além disso, o refrigerante era sem gelo, porque naquela região faz muito frio, e eles não costumam fazer gelo. No hotel da Ucrânia, finalmente comemos melhor. Tinha salada, e depois arroz com bife, que parecia comida industrial. Mas, todo dia, a mesma comida, enjoava. A gente comia por que senão passava fome. E o pessoal do hotel tentava variar o cardápio, algo parecido com o Brasil. Mas acabaram fazendo macarrão sem molho, só cozido e lavado, com batata frita. Mas mesmo assim eu adorei a viagem e se puder fazer de novo, irei.
Xavier – Mas vocês escaparam para algumas pizzarias…
Maurílio – O Hélcio teve um problema na pizzaria. Ele estava comprando uma pizza e chegou um cara da polícia, pedindo um passaporte da imigração ou então queria dinheiro. E o Hélcio tremia de medo. Ele era o único polaco do time e chamou a atenção. Mas o problema terminou quando um outro policial chamou a atenção do guarda que pressionava o Hélcio e ficou tudo resolvido.
Cristian – Qual problema vocês tiveram com a língua na Ucrânia para pedir alguma coisa, ou comprar algo?
Maurílio – A gente fazia gestos, mostrava com os dedos, falava alguma coisa em inglês. A gente chegava na padaria, mostrava um biscoito, uma coca-cola, e comprava. Mas na hora da pechincha pra comprar algum presente, a gente aprendia rápido.
Xavier – Na época da Ucrânia, o Brasil estava jogando na Copa do Mundo. Nós acompanhamos a primeira fase e as oitavas-de-final lá. Como era pra você assistir à uma transmissão ucraniana?
Maurílio – Era divertido porque eles quase não falavam. Eles falavam pouco e a gente ficava mais interessado nas imagens, no gol. Ficávamos vendo os jogadores brasileiros. Todos os jogos a gente fazia barulho e o pessoal do hotel pedia para fazer silêncio, mas era impossível vendo os jogos da seleção.
Cristian – Quais são os seus ídolos?
Maurílio – Eu tenho o maior deles que é o meu pai (Cimoir Teófilo Silva). Ele foi uma pessoa sempre presente na minha vida, foi um jogador e eu me espelhei muito nele porque ele também era um centroavante e muito brigador. Quando ele era vivo, ele me falava que iria me levar para fazer um teste no Vasco. E como ele era vascaíno, ele tinha o sonho de me ver jogar no seu clube. Mas com a morte dele, e por conta do meu tio, eu vim pra cá, joguei no Pinheiros. E no futebol, uma pessoa que eu sempre me espelhei, principalmente por bater falta, era o Roberto Dinamite.
Gisele – E você ainda tem vontade de atuar no Vasco?
Maurílio – Eu tinha muita vontade. Quando você não vive o futebol, você não está dentro do futebol, você sonha com muitas coisas, e acha que é uma coisa bem diferente. Já quando você está no meio, você fica triste, desapontado. Eu disse que queria ter um dirigente como o Eurico Miranda, porque o que ele fala, ele faz. Para os outros clubes ele é o pior dos dirigentes. Ele não pensa em prol do futebol, ele tem o pensamento de que o Vasco deve ter a sua parcela de ganho, e depois os outros clubes. Mas eu gostaria de ter um dirigente como ele. Mas eu não tive a felicidade de jogar no Vasco. E o meu time de infância era o Vasco, mas depois de tudo o que aconteceu, de você virar um profissional, o time que eu sempre tive vontade de jogar era no Paraná Clube.
Gisele – Mas e quando você jogou contra o Vasco?
Maurílio – A primeira vez que eu joguei contra o Vasco eu tive um frio na barriga. Eu olhei pra cima e pedi pro meu pai me perdoar, por eu jogar contra o clube dele. E ainda mais, porque aconteceu de eu marcar um gol na partida. Quando acabou o jogo eu chorava porque não sabia se estava feliz ou estava triste. Porque eu não sabia o que meu pai estava sentindo. Mas depois essa sensação foi passando e agora quando eu jogo contra o Vasco não existe mais isso. Não é mais o meu time do coração. Quando eu era pequeno, no Mato Grosso do Sul, eu imitava o Roberto Dinamite, cobrando falta no portão da minha casa, e torcendo pelo Vasco, mas agora não é mais o meu time do coração.
Irapitan ? Antes da proposta da Arábia, o que você imaginava do futuro? Ir para os grande centros? São Paulo e Rio de Janeiro, ou o Rio não é mais um grande centro?
Maurílio – O Rio de Janeiro é um grande centro, mas ele está sendo muito mal administrado. O Estado do Paraná é um grande centro para o futebol. Entre São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, sempre estão surgindo novos talentos. E o Rio ainda vive no passado. Agora é que os times estão colocando os pés no chão, diminuindo os salários dos jogadores. E se tivessem times com jogadores que ganhassem menos, mas que vão dar a alma pelo clube, acho que o Rio estaria na frente de qualquer um.
Xavier – Alguns jogadores deixaram o Paraná Clube nessa metade de ano, imaginando que encontrariam um eldorado, mas eles estavam num nível inferior. O Ageu, por exemplo, foi rebaixado com a Portuguesa, agora está voltando para cá. O Marquinhos e o André saíram para o Flamengo, que sofreu tanto quanto o Paraná para não ser rebaixado. Como você viu essa situação?
Maurílio – Se eu tivesse vinte anos, eu faria a mesma coisa, porque é aquela magia. O que eu sentia antigamente, o que eu via, é o que eles estão hoje. É aquela emoção de estar saindo do Paraná Clube para o Flamengo. O Ageu chegou pra mim e disse que não queria sair do clube. Mas que havia chegado um momento que ele tinha que buscar algo melhor. Só que ele foi infeliz. Eu torci para que ele não caísse. Mas é claro que antes de eu cair, que caia ele. Eu creio também que o Marquinhos deva voltar para cá. Já que é um clube que precisa de jogadores na função dele. E lá no Flamengo, ele não teve muita chance. Jogou poucas partidas e na maioria ficou de fora.
Xavier – Você não tem empresário?
Maurílio – Não. Graças a Deus em sempre negociei em todos os clubes. O ruim de um procurador ou do empresário é que quando se vê muito dinheiro numa negociação, o olho cresce. E, muitas vezes uma coisa que é para o jogador, acaba sendo desviado. E já quando é direto com o jogador, não tem esse problema.
Irapitan – Talvez o Paraná seja um caso à parte, mas comentam que um time está em crise, porque um jogador não tem amor à camisa. Como você vê isso?
Maurílio – Se fosse para aparecer dinheiro porque o Paraná jogou com o coração, acho que o grupo estaria rico agora. Porque ali foi uma coisa de coração mesmo. Mas existe muito isso. Um jogador que não está recebendo não se dedica nos jogos, existe muito isso. Mas no Paraná esse ano, eu vi uma coisa completamente diferente, eu vi carinho e principalmente respeito.
Xavier ? Para fechar, quem é Maurílio?
Maurílio – Uma pessoa muito extrovertida, simples e muito bondosa, eu sou muito família. A minha casa, a minha mulher, a minha família são o maior tesouro que eu tenho.
Transcrição: Andréa Pereira e Rubens Chueire Jr.