No ano de 1978, a seleção argentina de futebol derrotou o Peru por 6 a 0, eliminando o Brasil da Copa do Mundo, em um jogo que passou para história como um dos mais polêmicos em mundiais da Fifa. Agora, três décadas depois, o jornalista argentino Ricardo Gotta publica "Fuimos Campeones", livro no qual oferece mais indícios de que o jogo tenha sido comprado pela ditadura de Buenos Aires.
Após empatar com o Brasil, a seleção Argentina precisava ganhar do Peru com mais de 4 gols de diferença, e acabou marcando 6. Segundo o livro de Gotta, que chega às livrarias portenhas nesta semana, a façanha não se deve ao talento dos jogadores argentinos, mas às combinações de uma ditadura interessada no resultado.
Para reforçar essa hipótese, três fatos sugerem que a seleção peruana de futebol tenha sido subornada: pressões ao técnico Marcos Calderón para mudar a escalação peruana; a fúria de alguns jogadores no dia do jogo; e um sugestivo telefonema do então presidente do Peru, general Francisco Morales Bermúdez, ao capitão da equipe peruana, Héctor Chumpitaz.
"Reuni uma dezena de evidências contundentes que apontam para uma operação que instalou dois cenários", conta Gotta. "Um cenário de medo e outro de corrupção, de suborno, pelo menos sobre alguns dos membros da seleção do Peru".
O livro conta que, logo depois do fim da partida (realizada em 21 de junho de 1978, na cidade de Rosário), um dos jogadores peruanos, cujo nome não é citado, entrou furioso no vestiário e disse aos companheiros: "Bando de merdas! Espero que pelo menos vocês repartam bem o dinheiro".
O livro também lembra uma conversa que o ditador argentino de então, general Jorge Rafael Videla, teve com seu colega peruano, general Morales Bermúdez, através de uma rádio argentina, minutos depois da estréia vitoriosa do Peru no mundial (3 a 1 contra a Escócia).
"General, quero dar meus sinceros parabéns pelo triunfo obtido pela seleção que representa o seu país, o que considero um triunfo latino-americano", disse o ditador Videla ao colega peruano.
"Agradeço a generosidade e todas as manifestações de afeto que meus compatriotas peruanos recebem nesta estadia em terras argentinas. Estamos em dívida com vocês", respondeu cordialmente Morales Bermúdez.
Vale lembrar que a equipe peruana fez uma grande primeira fase e acabou no primeiro lugar de seu grupo, superando até a Holanda, vice-campeã em 1974, mesma posição que ocuparia no Mundial de 78, quando a Argentina acabou se consagrando campeã.
Segundo Gotta sugere em seu livro, o general peruano ordenou o cumprimento dessa dívida com uma ligação telefônica a Héctor Chumpitaz, capitão do Peru, poucos dias antes do jogo que a Argentina deveria vencer para superar o Brasil no saldo de gols e ir à final. A seleção peruana já estava eliminada e já não jogava tão bem.
Chumpitaz teria convocado imediatamente o elenco em seu quarto para avisar: "O presidente Bermúdez me ligou. Recebi uma nova ligação do presidente, sim… Me pediu novamente para dar os parabéns a todos pelo esforço feito até aqui (…). E ele disse desejar que nós tratemos de vencer a Argentina, mas sabe muito bem como a missão é difícil. E nos manda um abraço fraterno, independente do resultado que obtenhamos. Ele me disse isso duas vezes", contou Chumpitaz aos companheiros de equipe.
Segundo Gotta, outro jogador peruano perguntou então a um membro da delegação, "aquele que melhor conhecia o presidente Morales Bermúdez", como é que a mensagem deveria ser decifrada. E obteve a resposta: "você sabe".
O autor não diz quem foi esse personagem, mas uma leitura atenta do livro sugere que poderia ter sido Francisco Morales Bermúdez, conhecido como "Paquito", filho do presidente e cabeça da delegação peruana que foi ao Mundial de 78.
"Eu estudei o jogo segundo a segundo", conta Gotta. "Houve movimentos insólitos de alguns jogadores peruanos. Movimentos ilógicos e suspeitosos, que excedem a uma simples noite de futebol ruim". Paradoxalmente, logo no início do jogo, o Peru acertou uma bola na trave, através do atacante Juan José Muñante, o único do elenco que não atuava em clubes de seu país.
O livro também lembra outros fatos: a sugestiva venda do zagueiro peruano Rodulfo Manzo ao clube argentino Vélez Sarsfield; a insólita visita do general Videla (junto com o ex-secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger) ao vestiário do Peru antes da partida contra a Argentina; a ordem para que a seleção peruana atuasse com a camisa reserva; e uma doação de trigo argentino ao Peru, ordenada anos antes e concretizada duas semanas depois do jogo que eliminou o Brasil.