Madri – Um dia depois de surpreender a crítica espanhola ao derrotar o Real Sociedad em apenas seis minutos de partida, o técnico do Real Madrid, Vanderlei Luxemburgo, admite que terá de se adaptar ao clube e ao fato de não ter o controle total sobre seus jogadores. Luxa, como está sendo chamado dentro do próprio Real Madrid, ainda deixa claro que exigirá que mesmo as estrelas do time participem da marcação e garante que, nesse momento, não pensa em seleção brasileira, mas em abrir as portas do mercado europeu aos técnicos nacionais.
Aos poucos, Luxemburgo também vai descobrindo a capital espanhola. Nesta quinta-feira, teve um raro momento livre e almoçou com amigos e com o lateral Roberto Carlos em um tradicional restaurante espanhol. Hospedado em um dos melhores hotéis da cidade, o brasileiro conta que sua rotina tem se limitado aos treinamentos, às reuniões e à procura de uma casa em Madri. Eis os principais trechos da entrevista:
Agência Estado – A pressão imposta pelos jogadores do Real Madrid no jogo de quarta-feira foi comentada por toda a imprensa. Qual foi sua estratégia para motivar os jogadores?
Vanderlei Luxemburgo -Eu trabalhei, antes do jogo, cerca de uma hora, a parte tática. Mas a única coisa que eu disse era que eu não aceitava perder. O jogo, de apenas seis minutos, poderia até terminar sem gols, mas todos teriam de correr o máximo. Não tinha descanso. Com a qualidade dos jogadores, pensei que poderíamos ganhar a partida e assim ocorreu.
AE – Nos treinos, além da parte física, tem sido concentrado o trabalho nas orientações táticas. Por que essa insistência?
Luxemburgo – Eu continuo sendo o mesmo técnico do Brasil. Eu não vim aqui para passar tempo. Quero ganhar. Eu trabalho muito a parte tática para dar um desenho à equipe e para que o jogador saiba o que fazer em campo. Aqui eles não estão acostumados muito com isso. Eles ficaram um pouco assustados quando repeti o treino tático por mais de um dia. Quero que a equipe tenha uma formação tática, com obrigações.
AE – Mas não existiam essas obrigações e tática antes?
Luxemburgo – Não quero entrar no mérito.
AE – Esse novo desenho tático do Real necessitará de reforços? Robinho tem lugar em sua equipe?
Luxemburgo – O tema das contratações é um tema interno. O que posso dizer é que Robinho certamente virá para a Europa neste ano depois do que fez em 2004. O Brasil dificilmente vai conseguir segurar o jogador.
AE – A parte defensiva é reconhecida como uma das deficiências do Real. Como pensa em trabalhar para superar esse problema?
Luxemburgo – Quando dirigi o Palmeiras, tínhamos um time muito ofensivo e alguns diziam que isso poderia ser uma vulnerabilidade. Isso não necessariamente é verdade. As pessoas pensam que a marcação começa na defesa. A marcação começa no ataque e apenas termina na defesa. O Real não tem um volante para marcar, mas se todos colaborarem, vai ficar mais fácil. Independente de ser estrela, todos vão ter de marcar.
AE – Como é dirigir uma equipe com tantos craques? Poderia ser comparado ao cargo de treinar a seleção brasileira?
Luxemburgo – Eu sempre dirigi grandes equipes. O Palmeiras tinha os grandes jogadores do futebol brasileiro. Eu sempre tratei todos os atletas da mesma forma. As grandes brigas que eu tive no Brasil foram com os grandes jogadores por entender que os privilégios que devem ter devem ser ao receberem salários. Mas no relacionamento, todos devem ser iguais. Mas a realidade é que a diferença do Real para outras equipes é a grandeza do clube. O Corinthians pode ser grande, mas no Brasil. O Real é grande na Europa e tem uma estabilidade financeira muito grande. Acho também que deverá haver um ajuste de cabeças, tanto da parte do Real como de minha parte. No Brasil, eu era responsável por tudo que se referia aos jogadores. Aqui, há um responsável por área. Vou ter de me ajustar. Na parte de marketing, por exemplo, a questão da liberação de um jogador passa mais pela diretoria que por mim.
AE – Como será seu trabalho com Ronaldo?
Luxemburgo – Ronaldo vai ter um tratamento como todos os demais. Falei com os jogadores que sou brasileiro, mas não vou dar regalias ao Ronaldo ou ao Roberto Carlos. Ronaldo vai ter um crescimento muito importante. Ele me conhece e sabe o quanto sou chato e que cobro. Ele tem muito a dar.
AE – Um eventual sucesso no Real Madrid pode lhe fazer voltar a pensar em dirigir a seleção?
Luxemburgo – Não. Já estive na seleção e levei muita pancada. A seleção está bem servida. Se um dia eu voltar à seleção, estarei preparado. Mas não é algo que tracei como objetivo como tinha feito no passado. Meu objetivo recente era vir para cá e alcancei. Quero ganhar e abrir espaço para o técnico brasileiro na Europa.
AE – Agora que está do lado de um clube europeu, qual será sua atitude quando a CBF pedir que um jogador seja liberado para a seleção brasileira?
Luxemburgo – Existem regras. A Fifa estabelece datas internacionais para a disputa de amistosos, preparação e jogos. Vou seguir isso. Meu time é uma ONU e tenho de liberar jogadores não apenas para o Brasil, mas para várias equipes do mundo, inclusive para os espanhóis.
AE – Após uma semana em Madri, qual tem sido sua rotina?
Luxemburgo – Minha rotina tem sido treinar e participar de reuniões. Passei o réveillon no hotel e estou também procurando uma casa, mas não sou exigente. Para o próximo jogo, no domingo contra o Atlético de Madri, minha família virá. Trarei minha neta, filhas e minha mulher. O brasileiro é um povo muito bem preparado para enfrentar o mundo. Essa história de que eu vou estranhar a vida aqui não existe. Já viajei o mundo. Adoro a comida espanhola. Tive os primeiros contatos com os torcedores locais e acho que foram positivos.