São Paulo – São poucos os jogadores bons de bola que recusam propostas milionárias em começo de carreira.
Não é fácil resistir ao caminhão de dinheiro vindo do exterior. É preciso ter personalidade. Lucas, volante do Grêmio e da seleção sub-20 que classificou o Brasil para os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, disse não a um contrato com o Lokomotiv, que queria muito levá-lo agora mesmo para Moscou.
Aos 20 anos, ele preferiu disputar a Libertadores pelo clube gaúcho. Sabe que caminha firme para um contrato melhor e para um clube em país mais quente que a fria Rússia. Seu destino deverá ser Espanha ou Itália, no segundo semestre. Sua confiança tem motivo: ele e Alexandre Pato foram os jogadores mais valorizados no torneio da garotada.
Lucas fez partidas de encher os olhos e ganhou ainda mais notoriedade do que no brasileiro passado, quando foi escolhido pela CBF o melhor marcador no meio-campo.
?Há hora para tudo. Pedi para ficar mais um tempo no Grêmio porque quero disputar a Libertadores, ganhar mais experiência. Não posso ter pressa de ir para a Europa. Tudo tem o seu tempo certo. Quero chegar lá preparado para mostrar o mesmo futebol que mostro aqui?, disse o menino dias depois de voltar ao Brasil com o título do Sul-Amercano Sub-20 do Paraguai na bagagem.
Lucas é sobrinho de Leivinha, meia-direita goleador que fez fama no Palmeiras na década de 70 antes de se transferir para o Atlético de Madrid aos 25 anos. Começou na Portuguesa. Foi o tio quem lhe deu alguns toques. Não poderia ter melhor professor.
?Ele era expulso constantemente quando jogava no Águas de Lindóia. Como volante, tentava parar os rivais de equipes mais habilidosas e sempre levava o vermelho. Pedi a ele para que parasse com isso, que colocasse a bola no chão e tentasse ser um volante moderno?, conta Leivinha, fã e torcedor número 1 do sobrinho.
O menino seguiu o conselho e estourou. Nem bem retornou de um campeonato e Lucas já tem novos projetos. É ambicioso. Quer fazer parte da seleção de Dunga, a principal do país e onde esteve pela única vez ao lado de Ronaldinho. ?O ambiente lá é sensacional?.
Os garotos da sub-20 fizeram um pacto após a conquista da vaga olímpica. Todos vão torcer por todos para que cheguem a Pequim. Sabem o tamanho da dificuldade de obter um lugarzinho em meio a atletas mais experientes e consagrados. ?Formamos uma família nesses 50 dias que passamos juntos. Todos querem ir a Pequim, mas poucos estarão lá. Então, combinamos que se apenas um estiver na China em 2008, todo o time estará representado?.
Lucas e Alexandre Pato são os dois mais próximos dessa condição. Como o Brasil todo, o volante do Grêmio também ficou encantado com o companheiro de ataque do Inter. ?O Pato é diferenciado mesmo. Ele trata a bola como poucos. Trata-se de um jogador completo aos 17 anos. Ele vai longe.?
Lucas também vai longe. Jogador inteligente e versátil, marca e rouba a bola com a mesma eficiência com que chega ao ataque para fazer gols. Joga fácil. Adapta-se em outras posições.
Há quatro meses, poderia ter se transferido para o Atlético de Madrid, seguindo de vez os passos do tio Leivinha, que ganhou a Espanha em 1975. A transação, porém, não deu certo. Descendente de italianos e espanhóis, Lucas já deu entrada nos documentos para obter o passaporte europeu, que lhe abrirá portas no futebol de lá. Por isso, não tem pressa de ir para a Europa. Kaká passou por processo semelhante, embora mais experiente. Preparou-se no São Paulo para descobrir a Itália em grande estilo. Estava tão condicionado e determinado que adaptou-se imediatamente ao futebol italiano.
Lucas pensa parecido. Quando for para a Europa quer arrebentar, como fez em 2006 e neste começo de temporada.
Surpresa
Lucas poderia ter sido revelado pelo São Paulo. Quando tinha 14 anos, seu tio Leivinha arranjou de ele treinar nas categorias de base do Morumbi. Ficaria nas mãos de Cilinho, responsável pelos garotos do clube. O menino ainda morava em Dourados, Mato Grosso do Sul, e no dia do embarque para São Paulo mudou de idéia. ?Deixei tudo certo no São Paulo, mas o Lucas desistiu. Não queria vir para cá?, conta seu tio.
David, do Palmeiras, é contraponto dos jovens ídolos
São Paulo – No desembarque da seleção sub-20 no Brasil, Lucas e Alexandre Pato foram recepcionados como heróis, com direito a seguranças e carro blindado.
Titulares de Grêmio e Internacional, ambos, inclusive, já despertaram interesse de grandes clubes da Europa. A realidade da maioria dos garotos que conquistaram o Sul-Americano no Paraguai e a conseqüente vaga nas Olimpíadas de Pequim em 2008, porém, é bem diferente. Muitos são desconhecidos e ainda não jogaram como profissionais.
O zagueiro David, do Palmeiras, é um bom retrato desta juventude promissora do Brasil. Aos 19 anos, o jogador de bom papo, desinibido, revelou as dificuldades que um jovem enfrenta para trilhar carreira de sucesso e, enfim, conquistar seu sonho. Acorda todos os dias às 5h, sai de casa às 6h e leva duas horas em ônibus lotados, gastando R$ 11,00 por dia para chegar a tempo aos treinos palmeirenses.
Mas não reclama, sabe que nada se conquista sem sacrifício. Lição vinda da determinada, humilde e lutadora família. Oliveira, de pai, mãe e quatro irmãos. ?Tem de ser humilde, sempre?, prega Maria do Carmo, professora que, por causa do filho, virou fanática e conhecedora do até pouco tempo atrás complicado mundo do futebol.
Lições compreendidas pelo bom filho. Enquanto muitos só pensam no carrão de luxo e nas lindas mulheres que a fama trará, David mostra maturidade e pés no chão. Morador do Morro do Piolho, uma favela no Jardim Presidente Dutra, em Guarulhos, gosta de exibir as origens, mas quer retribuir o apoio da família e lhes dar conforto. ?Sempre me ajudaram, agora sonho em lhes dar uma casa melhor, qualidade de vida?, afirma o jovem sonhador.
David não esconde o desejo de estar no grupo que disputará as Olimpíadas de Pequim, no ano que vem. Antes, contudo, se contenta com a estréia no profissional do Palmeiras, no qual está desde 2004, na época dirigido por Estevam Soares.
Já ficou cinco vezes na reserva. ?Num jogo contra o Criciúma, o professor disse no intervalo que, se o time fizesse 2×1 logo (o jogo estava 1×1), eu entraria. Aqueci quase o segundo tempo todo, mas o time demorou a marcar e, pior, ainda sofreu outro gol. O Ricardinho (atacante) acabou entrando e marcando duas vezes. Quase joguei?.
Perseverança
A história de David certamente poderia ser transformada em filme. É uma lição de determinação e perseverança. Diferentemente do irmão caçula Gustavo, que aos 9 anos não se interessa muito por futebol e nem pensa o que será quando crescer, o zagueiro palmeirense desde criança carregou o sonho de ser jogador.
Precisamente após ganhar um kit com 5 times de jogo de botão de presente quando tinha apenas 4 anos. ?Ele misturava os jogadores dos quatro grandes times do Estado, fazia seleções com Silas, Müller, Evair, Raí, os craques da época, e dizia: ?Vou ser jogador??, revela Maria do Carmo. Aos cinco anos, numa compra de gás, um brinde que aguçaria ainda mais as pretensões do garoto. Uma bola plástica. Com ela, Davidzinho, como é carinhosamente chamado pelos vizinhos e amigos (e também para não ser confundido com o pai, motorista com o mesmo nome), começou a dar os primeiros chutes. Ficava o dia inteiro jogando contra a parede.
O tempo passou e o desejo de virar jogador aumentou. A família resolveu, então, levar o garoto para o Palmeirinha de Guarulhos. Comprou, em oito prestações, uma chuteira e um meião para o futuro nos dois campos de terra batida em que David brilhava. Como goleiro. ?Pega muito?, observa o pai. ?Mas também já jogou bem como atacante, ala?.
Polivalente, ganhou a chance de participar da peneira da seleção de Guarulhos. Dessa vez incentivado pelo primeiro técnico, Carlos Eduardo. Ao chegar, viu jovens bem maiores, com camisa de goleiro, luvas, calça de agasalho… ?E eu só de short e camiseta. Resolvi dizer que era zagueiro. Só dei chutão no teste. A noção que tinha era a de que precisava quebrar o atacante rival?, diverte-se. Aprovado, surgiu, ali, o zagueiro David.
Cresceu no Palmeirinha de Guarulhos, mas foi no Benfica da Vila Maria que foi descoberto por um olheiro do Palmeiras, onde está desde 2002.