Quando Alan Kardec jogou pela última vez o São Paulo ainda disputava a fase de grupos da Copa Libertadores, sonhava com o título do Campeonato Paulista e tinha como técnico Muricy Ramalho. De longe, a atacante acompanhou todas essas mudanças no clube enquanto se recupera de uma cirurgia após romper os ligamentos cruzados do joelho direito no dia 1º de abril. Nesta semana ele avançou na recuperação e voltou a correr no gramado.
Em entrevista exclusiva à reportagem, o jogador conta ter buscado consolo no nascimento da primeira filha para não se abater com a lesão sofrida no jogo em Buenos Aires, contra o San Lorenzo, analisou o primeiro ano como jogador do São Paulo e ainda relembrou a saída tumultuada do Palmeiras para o rival, ainda no ano passado.
Como você tem feito para evitar a ansiedade de voltar a jogar?
O prazo que me deram para voltar atuar é seis meses, o que coincide com a primeira quinzena de outubro. Até procuro não fica me metendo muito nisso, pergunto mais sobre o que estou fazendo e saber o grau de progressão.
Como foi aquela semana da sua lesão?
Foi uma ironia do destino. A véspera do jogo coincidiu com a notícia mais feliz da minha vida e 24 horas depois, recebi a pior notícia profissionalmente. Já tinha sofrido lesões bobas, problemas musculares, mas nada que me deixasse tanto tempo afastado. Eu sempre digo que nada por é acaso. Aconteceu no momento que tinha que acontecer. Eu não fico lamentando. É claro que por determinados momentos você fica triste. A primeira reação que tive foi chorar até no vestiário mesmo. Eu conheço o meu corpo, sei das reações e quando pisei e senti que foi uma dor diferente das que já tinha sentido, notei que não podia ser algo simples. Até tentei voltar à partida, mas não consegui permanecer, não pude superar a dor. Já sabia que poderia vir algo que me afastaria do futebol por um tempo. Tinha a possibilidade talvez de tentar fazer um tratamento, porque como foi um rompimento parcial do ligamento cruzado anterior, podia fazer uma recuperação mais intensiva na academia, de até três meses. Poderia tirar essa dor e voltar a atuar, mas como o ligamento não se autoregenera, ficaria parcialmente lesado e poderia acarretar em outra lesão no futuro, com o rompimento total. Depois conversei com a minha família, minha esposa, com os médicos e fisioterapeutas, acabei optando pela cirurgia. Sabia que depois de seis meses poderia estar atuando neste ano ainda.
E você por pouco não viajou para esse jogo justamente para acompanhar o nascimento da sua filha.
A viagem do grupo seria na terça-feira pela manhã, ela nasceu antes do meio-dia, mas nós chegamos à maternidade umas cinco ou seis horas da manhã. Nós tínhamos o acompanhamento de um obstetra e eles me deixavam tranquilo ao me dizer que levaria ainda algumas semanas para nascer. E eu fui na quinta-feira anterior ao consultório, o médico me deixou tranquilo e pediu para voltar na segunda. Teoricamente levaria ainda mais duas semanas. Aí fomos na segunda-feira, ele fez os exames necessários e ele falou que estava da mesma maneira que na segunda. Então fiquei tranquilo para poder viajar. Continuei a minha rotina e à noite, eu e minha mulher fomos deitar. Quando deu quatro horas da manhã, ela acordou e disse que a bolsa estava estourada. Depois já fui para a maternidade com a mala pronta para a viagem com o time. Ficamos até o nascimento, que foi por volta do meio-dia, eu fiquei conversando com as pessoas do clube para poder avisar. É um momento único na vida do ser humano, ainda mais a primeira filha, momento especial que queria compartilhar com a minha família. Depois que vi que tudo estava tranquilo, conseguimos com muita dificuldade uma passagem porque naquele momento estava um crise de voos na Argentina, com a greve de transportes. Daí consegue uma passagem de tarde, viajei, cheguei e fui para a concentração.
Você ainda foi titular contra o San Lorenzo. Tinha planejado faz gol para ela?
Sim. Mas acabou vindo a lesão. Por todos esses motivos, pela correria que foi, que eu não fico lamentando. Deus fez as coisas nas horas certas, no momento certo, nosso obstetra até brincou: “Não era para vir agora, mas criança não escolhe a hora e vem quando quer”. A Maria nasceu em um momento importante, talvez se não estivesse naquele momento ao meu lado, passando carinho e tranquilidade, poderia ser muito mais difícil. É uma grande vitória que tivemos nesse período de lesão é o nascimento da minha filha. Isso me dá força para a gente, principalmente para mim, que tento se recuperar o mais rápido possível.
Como avalia o seu primeiro ano no São Paulo?
Faço uma avaliação boa. Se pegar e colocar na balança, foram muitos melhores momentos do que piores. Então eu acho que a avaliação é positiva. Quando cheguei, não lembro qual era a situação do time no Campeonato Brasileiro, mas terminamos o ano de 2014 em segundo lugar. Pegamos um início de ano em que não estava atuando com tanta regularidade, com alternância entre os atacantes, nesse período encerrei o Campeonato Paulista com sete gols e senti que poderia chegar à artilharia. Mas infelizmente acabou não acontecendo. Lógico que muitos dão ênfase à parte final e dizem que o estadual não tem tanta validade quando se está na fase de grupos. O que fica mais parte é essa fase final, quando não pude atuar. Até a última partida em que consegui jogar foram bons momentos, coisas positivas.
Acha que a sua saída do Palmeiras teve repercussão exagerada?
Acho que o tamanho foi proporcional ao que passei lá dentro. Acho que eu era uma grande referência para os palmeirenses, para as pessoas tanto dentro como fora do clube, e a minha saída tenha pego muitas pessoas de surpresa. É a grandeza que a torcida do Palmeiras tem, pela camisa do clube e pelo o que eles me ajudaram a transformar o atacante que foi o Alan Kardec no Palmeiras. Cheguei em um momento difícil, cresci em um momento difícil com a equipe e talvez por isso, pela referência que fosse dentro de campo, tudo o que nós conquistamos nesse período, como recolocar o Palmeiras na Série A, toda repercussão se deve a isso. Por tudo o que foi criado, pela camisa, pela força da torcida e pelo atacante que eles criaram e engrandeceram.
Você ficou chateado com a torcida?
Não fico chateado. Quando se tem grandes referências dentro da sua equipe e acaba tendo uma troca por um rival, não é uma situação fácil. Entendo completamente o lado deles, são torcedores, são emotivos e nem muitos são racionais, porque muitas coisas que acontecem nos bastidores não são expostas para fora. Existe um jogo de interesses. As pessoas só vão falar aquilo que interessa a elas. Cada um faz a sua defesa e em uma história com duas pessoas você vai ter três verdades. Então, não fico chateado porque eu sempre fui bem claro no que eu falei, eles também tiveram clareza em alguns momentos, mas cada lado queria se defender. E no meio de tudo isso temos os torcedores, que vivem de emoção, são apaixonados, são milhares. Entendo o lado deles, o da emoção, mas tem também o racional, que talvez nem todas as pessoas venham a entender. Sempre quando falo do Palmeiras ou de qualquer outra equipe onde passei, sempre falo com muito carinho, principalmente de lá, onde vivi alguns dos melhores momentos da minha carreira.
O Wesley também fez o mesmo caminho. Vocês conversaram sobre essas negociações?
A situação dele foi diferente, mesmo que as pessoas tentem comparar de alguma maneira, porque viemos do mesmo clube. Mas tem uma diferença muito grande. Eu não era jogador do Palmeiras. Ele já era e estava lá durante um tempo. Eu estive no Palmeiras durante um ano. Ele passou uma turbulência muito maior que a minha porque teve muito tempo até se encerrar o contrato, já o meu foi instantâneo, porque além de ter o São Paulo e o Palmeiras no negócio, tínhamos o Benfica. E as pessoas do Benfica não são fáceis de lidar, trabalhei lá e sei como é. Então eu tinha que tomar uma decisão na minha vida e sabia que a qualquer momento o Benfica poderia não me liberar para ficar no Palmeiras e exigir o meu retorno. Enfim, acabou acontecendo todo o negócio. Estou completamente feliz aqui, estou tranquilo e são situações diferentes. O que eu passei, talvez, no momento final, tenha sido bem rápido, que foi quando o Benfica mandou uma carta para o Palmeiras e exigiu que eles tomassem uma posição. Aí nós acertamos com o São Paulo, foi uma decisão pessoal. No final das contas não adiantar culpar ninguém, porque a decisão final acaba sendo do atleta.