Ninguém ganhou mais títulos na última década no basquete brasileiro do que o técnico José Neto. Mas o ciclo vitorioso no Flamengo terminou ao final da última temporada do NBB com a eliminação na semifinal para Mogi das Cruzes.
A seleção brasileira, uma constante em sua vida neste período, lhe foi ceifada na mudança de gestão da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) em 2017. Sem amarras, o treinador de 47 anos decidiu tornar realidade o desejo de trabalhar no exterior. Na segunda semana de agosto, ele viaja para o Japão, onde vai comandar o Levanga Hokkaido, de Sapporo, cidade que fica a 832 quilômetros de Tóquio.
O que te fez aceitar uma proposta do Japão?
Foram vários fatores. O principal é ter oportunidade de colocar em prática toda uma metodologia de trabalho fora do Brasil. É um desejo que tinha há algum tempo. Tive algumas propostas, da Argentina, México, Venezuela, Uruguai, Romênia, mas essa do Japão foi bem interessante. A liga é nova, foi fundada em 2016 depois de uma intervenção da Fiba por causa de divergências, mas é uma liga forte, bem estruturada, já conta com diversos técnicos europeus, como sérvios, croatas, espanhóis… O time é médio, mas quer investir para se tornar de primeiro nível. Outro fator é que estou indo para o país dos próximos Jogos Olímpicos, então há um investimento alto no esporte. Além disso, tive um contato com o Julio Lamas, argentino que é o técnico da seleção japonesa, e ele me motivou muito para aceitar o desafio. Falou da liga, do investimento em diversas modalidades.
O aspecto financeiro pesou?
É um bom contrato. Claro que isso contribuiu para eu aceitar o convite, mas o fato de eu conseguir levar o Diego Falcão, que é um preparador físico que trabalha comigo há 11 anos, para implementar essa metodologia, mostra que eles entenderam o que queremos colocar em prática lá.
É um mercado que você pode abrir para os brasileiros…
Isso eu espero que possa acontecer. Se eu fizer um bom trabalho vou dar credibilidade para outros técnicos brasileiros, que sei que têm capacidade, serem contratados. Até então, o Brasil apenas importava treinadores. Agora podemos exportar técnicos. Abrir o mercado para outros dirigirem fora do país. Não apenas serem oferecidos, mas procurados por equipes. Espero desbravar o mercado asiático, que está querendo se desenvolver e está apostando em um técnico brasileiro para isso.
Você acompanhava os jogos da liga japonesa?
Não, mas, em dezembro, antes do Ano Novo, eu encontrei com o Julio Lamas no Rio de Janeiro e conversamos sobre basquete. Ele falou do Japão, já que tinha ido para lá, e eu fiquei bastante interessado. Busquei informações sobre a seleção, da liga… Mas só depois que tive essa proposta que fui ver um pouquinho mais, vi alguns jogos pelo Synergy, que é um plataforma que todos os técnicos da Liga Nacional tem acesso, eles também me mandaram alguns jogos. É uma liga bem interessante. Tem jogadores estrangeiros de qualidade, europeus, americanos e isso deixa os jogos com mais qualidade. Meu time tem um canadense muito bom, que atuou pela seleção há pouco tempo. Acho que está dando certo porque recentemente, pelas Eliminatórias, o Japão ganhou pela primeira vez da Austrália em uma competição oficial.
Quando o Elano foi jogar na Índia, pude entrevistá-lo e ele disse que estava saindo do Brasil porque estava chateado com algumas coisas por aqui. Você saiu do Flamengo depois de muito tempo, não ficou na seleção depois da mudança de gestão da CBB, você também precisava respirar novos ares fora do Brasil?
O Elano, coincidentemente, é meu amigo. Falamos bastante. Mas não tem relação. Desde 2007, quando fui técnico no Mundial Sub-19 na Sérvia e ficamos em quarto lugar, se abriram algumas portas fora do Brasil. Mas eu estava começando, era apenas um técnico promissor, não tinha experiência para comandar uma equipe no exterior. Depois fui me envolvendo com outras equipes, Paulistano, Joinville, depois o Flamengo. A seleção brasileira também me consumia bastante. Queria muito estar na seleção, me dedicava muito, como auxiliar do Moncho (Monsalve) e do Rubén (Magnano). As oportunidades foram aparecendo. Todos os anos eu era procurado. Tive, por exemplo, convite da seleção de Porto Rico. Mas como eu estava preso, no bom sentido, envolvido e queria continuar assim, deixei o trabalho no exterior sem ser minha prioridade. Agora, sem ter o compromisso na seleção e pelo acordo que fiz para deixar o Flamengo para que o clube pudesse seguir o projeto na busca por títulos, coloquei como prioridade trabalhar fora do Brasil. Tive convites para continuar por aqui, fiquei muito próximo de fechar com Brasília, gostei muito da conversa que tive, era um projeto de reconstrução do basquete lá. Mas decidi que era o momento de sair, ter uma carreira internacional. Aprendi que não posso gastar muita energia com as coisas que não dependem de mim. Nunca trabalhei para ser o técnico da seleção brasileira, mas claro que sempre estava feliz em estar na seleção. Não foi o que aconteceu, mas não gasto muito energia com isso. O que faço é estar cada vez mais preparado para aproveitar quando uma oportunidade aparecer.
Mas alguém te procurou da nova gestão para falar de seleção? Ficou magoado pela maneira como que tudo foi conduzido?
Até hoje ninguém me falou nada. Conversei com o (Aleksandar) Petrovic (técnico da seleção), que foi ver alguns jogos do Flamengo. Da gestão, apenas cumprimentei o Guy (Peixoto, presidente da CBB), quando fui assistir ao jogo da seleção brasileira na Arena Carioca, diante da Venezuela, conversamos, mas não sou um cara que fico guardando mágoa. Passei por muitas coisas na vida que poderia me deixar magoado, mas, pelo contrário, isso tudo me fez ficar mais preparado para novos desafios. Não estar na seleção não é uma coisa que depende de mim. Agora, o que posso fazer é torcer. Quem sabe eu possa voltar um dia.