O esquema milionário de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo tinha como uma de suas fontes as 48 mil entradas repassadas pela Fifa ao governo federal e destinadas a escolas públicas e beneficiados por programas sociais. O grupo também conseguia as entradas – grande parte de camarote – com a Match (sócia da Fifa), jogadores das seleções (incluindo a brasileira), compras avulsas de torcedores e até de operários que participaram das obras de construção das arenas e ganharam as entradas para o Mundial.
A reportagem teve acesso à denúncia encaminhada esta semana pelo Ministério Público, e aceita pela Justiça, e a detalhes do inquérito da operação Jules Rimet. Em uma das gravações interceptadas pela polícia, um cambista ainda não identificado diz a Sergio Antônio de Lima, integrante da quadrilha que está preso desde 1.º de julho: “As escolas aqui (em Fortaleza) ganharam 7.500 ingressos, que vieram para a ‘rua’. Mas vou fazer o maior esforço para vender no menor preço possível”, disse.
Na denúncia, o promotor Marcos Kac afirma que os acusados da quadrilha conseguiam entradas “com o fundo governamental dos ingressos destinados a ONGs e escolas”. Nas 12 cidades-sede do Mundial, 901 escolas públicas foram escolhidas por meio de sorteio. Dentro das escolas, cada estudante sorteado ganhava um par de ingressos. Para Fortaleza, foram enviados 7.282 ingressos para 146 escolas.
O debate sobre os ingressos sociais gerou uma verdadeira crise entre o governo e a Fifa por meses. Mas a pressão do Palácio do Planalto e principalmente a necessidade de se fazer passar a Lei Geral da Copa fizeram a Fifa ceder e aceitar que parte dos ingressos fosse destinada a projetos sociais. Procurado, o Ministério do Esporte informou que os ingressos não passaram pelo governo: os sorteados pegavam as entradas diretamente nos Centros de Distribuição da Fifa.
Em outra gravação, o franco-argelino Lamine Fofana, um dos líderes da quadrilha, conversa com uma pessoa também ainda não identificada. “Picareta”, disse. “Fala aí”, respondeu Fofana. “Preciso de camarote super VIP, super ultra, o que você melhor tiver para 12 pessoas em Brasília. Não adianta que não interessa o VIP”, pediu, para o jogo entre Brasil e Camarões. “Tem de ser top. Você já sabe por que, né?”.
O franco-argelino pergunta: “Isso é para quem?”. “Você já sabe quem é”, respondeu a outra pessoa. Fofana disse: “Amigo nosso”, e nomes não são ditos. Para a polícia, a gravação mostra o nível de poder e influência de Fofana, que transitava nos mais altos meios do mundo do futebol.
SEGUNDA FASE – Nas gravações e trocas de mensagens entre os membros da quadrilha que vendia ingressos de forma irregular, há mais de 10 em que Fofana, um dos líderes do esquema, afirma estar presente ou chegando ao hotel Copacabana Palace, onde está reunida a cúpula da Fifa. Foi também nesse hotel que foi preso, na última segunda-feira, o diretor da empresa Match, Raymond Whelan, acusado de ser também um dos líderes da quadrilha, além de principal fornecedor.
Na quinta, após ser solto e ter sua prisão novamente decretada, Whelan fugiu do hotel pela porta de serviço, acompanhado de seu advogado. A Match é parceira oficial da Fifa que, em nota divulgada neste sábado, disse estar “certa” de que a “inocência” de todos na empresa será provada.
Em uma das gravações, Fofana diz que tem de “pagar o cara da Fifa”. A gravação é de 13 de junho. No mesmo dia, mais tarde, Fofana conversou com Whelan. Eles combinam a venda de 24 pacotes, a US$ 25 mil cada. Fofana diz a Whelan que vai conversar com seu cliente e “tentar colocar um preço para ele comprar sua (do diretor da Match) final e tento vender o resto”. A Match diz que os ingressos solicitados por Fofana foram oferecidos por Whelan por seu preço de tabela, de US$ 24,7 mil.
O grupo, que atuava há pelo menos quatro Copas, tinha braços em SP, ES, DF, RJ e CE. O delegado Fábio Barucke, responsável pela investigação, tem afirmado que há pelo menos sete integrantes da quadrilha já previamente identificados.