Imagine a cena: o ano é 1999 e o cenário, o estádio do Kaiserslautern. Durante um jogo qualquer, um torcedor volta-se para outro e diz: “Um dia, este nosso centroavante, este polonês meio estranho, vai ser o maior artilheiro das Copas do Mundo.” Provavelmente, a resposta do colega seria algo do tipo: “Você precisa tomar menos cerveja”.
Ninguém dava absolutamente nada por Miroslav Klose quando ele começou a jogar futebol. Nem o próprio Klose. Tanto que ele fez um curso de carpintaria, porque sentiu que seria difícil ganhar a vida jogando bola. Neste domingo, quando pisar no gramado do Maracanã para disputar a final da Copa na condição de recordista de gols do torneio, o veterano centroavante será protagonista de uma das mais fascinantes histórias de superação que o futebol já viu.
Nascido em Opole, na Polônia, Klose chegou à Alemanha aos oito anos e tudo o que falava em alemão era “sim” e “obrigado”. Seu pai era jogador e chegou a defender o Auxerre, da França, enquanto sua mãe defendeu a seleção polonesa de handebol. O pequeno Miroslav, no entanto, não parecia ter tanto talento esportivo quanto os pais, mas mesmo assim tentou a sorte.
Foi um milagre quando ele, já com 21 anos, conseguiu um lugar na equipe profissional do Kaiserslautern. As coisas iam mal até que na temporada 2000/2001, como que por encanto, os gols começaram a sair. Muitos gols. Naquela época, a Alemanha não andava muito bem servida de atacantes e, por essa razão, Rudi Völler achou que seria uma boa ideia levar aquele polonês naturalizado para a Copa do Mundo de 2002. As críticas ao técnico da seleção foram pesadas. Ninguém entendia por que diabos Völler havia convocado um completo desconhecido para o Mundial.
Na Coreia do Sul e no Japão, Klose viveu o segundo milagre de sua carreira. Völler apostou nele como titular e ele retribuiu marcando três gols na estreia, contra a Arábia Saudita. Klose terminou a Copa com cinco e foi fundamental para levar o time à final, perdida para o Brasil. Foi só assim que os alemães descobriram que haviam produzido um centroavante que era muito bom no jogo aéreo (os cinco gols de Klose no Mundial foram marcados de cabeça).
Mas havia ali mais do que um mero cabeceador. Observadores mais atentos notaram que o goleador sabia o que fazer com a bola no pé. “Há mais futebol nele do que as pessoas pensam”, disse à época César Luis Menotti, o técnico que levou a Argentina ao título mundial em 1978 e que é famoso por seu gosto pelo futebol bem jogado. “Ele sabe se livrar dos adversários, distribui bem a bola e cria oportunidades de gol. Eu gosto dele. Gosto muito, aliás.”
Quatro anos depois, já estabelecido como um dos principais jogadores da Alemanha, Klose se saiu bem em outra Copa. Com cinco gols, foi o artilheiro do torneio que seu país promoveu. O problema é que, mais uma vez, o título não veio. Klose teve de se conformar com o terceiro lugar.
Graças ao sucesso na seleção, o atacante foi subindo degraus no futebol alemão. Primeiro, trocou o Kaiserslautern pelo Werder Bremen e, depois, mudou-se para o poderoso Bayern de Munique. Mas, estranhamente, Klose nunca foi tão brilhante nos clubes quanto no time nacional. Ele marcou muitos gols pelo Bayern, é verdade, mas jamais foi um ídolo da torcida. Parecia que Klose só se sentia realmente feliz e motivado com a camisa da Alemanha.
O Mundial de 2010 foi mais do mesmo para o artilheiro: mais gols (quatro) e mais uma decepção (outro terceiro lugar). Ao menos ele se aproximou do recorde de gols em Copas do Mundo, os 15 de Ronaldo.
Quando terminou o Mundial da África do Sul, ninguém apostaria um euro que Klose, aos 36 anos, estaria no Brasil em 2014 para quebrar a marca do Fenômeno. E eis o terceiro milagre do goleador. Contra todos os prognósticos, ele veio, viu e venceu – ao menos no que se refere ao recorde. Os dois gols que o jogador da Lazio fez por aqui eram exatamente do que ele precisava para ser o maior de todos no quesito gols em Mundiais.
Agora, só falta aquilo que lhe escapou nas últimas três Copas, o título. Se a Alemanha vencer neste domingo a Argentina, Klose vai encerrar sua carreira com a certeza de que conseguiu tudo o que queria. Contra todos os prognósticos. Talvez nessa situação, no auge de sua vida profissional, o mundo veja um Klose diferente do que está acostumado a ver.
Trata-se de um suj,eito tímido e sério, que muito raramente é visto sorrindo em público. Alguém que no rosto duro reflete uma vida difícil e uma carreira improvável, alguém que teve de ser muito teimoso para a esta altura da vida estar disputando o mais importante torneio do futebol, e não esfolando as mãos em uma oficina de carpintaria de alguma cidadezinha alemã. Talvez ele se lembre de tudo isso se tiver a chance de dar a volta olímpica no Maracanã e se permita esquecer a seriedade, ao menos por algumas horas. “Há um animal festeiro dentro de mim e ele pode sair se formos campeões. Vamos ver.”