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Paolo Rossi fuzila Valdir Peres, sem chance. A Itália estava tirando o Brasil da Copa de 1982.

No semblante de um garoto estava a tristeza de uma nação. O choro de um menino era o choro do Brasil, que lamentava a maior frustração esportiva que o País já teve.

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Não estamos falando em tragédias, como a derrota na Copa de 1950 ou da terrível fatalidade que vitimou Ayrton Senna, em 1994. Mas sim de uma dor sentida, que machucou e mudou nossas vidas – e mudou o futebol. Há exatos 25 anos, o Brasil perdia para a Itália por 3×2 no Estádio Sarriá, em Barcelona, dava adeus à copa de 82 e dava adeus ao futebol mais vistoso que uma geração inteira viu.

Quem tem entre 29 e 35 anos (a maior parte da população brasileira) não teve a oportunidade de acompanhar as peripécias de Friedenreich e Leônidas da Silva, ou o brilho do time campeão em 58 e 62, e também do triunfo no México, em 70. Em contrapartida, viveu intensamente a emoção de uma copa do mundo, em 1982, com os olhos vidrados na televisão e vibrando com os gols e grandes lances daquele time comandado por Telê Santana já falecido. E esta geração nunca mais encarou uma copa – e a própria seleção brasileira – do mesmo jeito.

É esse público que revê hoje aquela partida no Sarriá (estádio que nem existe mais). E que ainda se desespera vendo os lances, os gols bobos que o Brasil levou. O primeiro, é verdade, teve competência de Paolo Rossi na cabeçada. Mas e os outros dois? Por que Toninho Cerezo cruzou aquela bola na frente da área? Por que Júnior não saiu de perto da trave direita quando desviaram o escanteio? Por que Zico se submeteu tão facilmente à marcação de Gentile, e por que o ?ignoraram? no segundo tempo, quando o lateral italiano já tinha cartão amarelo?

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Alguns já chegam às raias da loucura, perguntando por que Batista não entrou (ele nem no banco estava), por que Luizinho era titular (porque era melhor que Edinho, e antes daquele jogo ninguém reclamou), por que não jogamos na retranca (na hora do terceiro gol da Itália, estava todo mundo na área, o que inclusive deu condição para Paolo Rossi marcar), por que aquela bola do Oscar não entrou (porque Zoff operou um milagre).

É de se imaginar o que passou na cabeça dos jogadores e de Telê Santana na noite pós-jogo, no fechado Parador Carmona, concentração da seleção. Eles tinham feito tudo certo, não havia contestação mais forte (João Saldanha era cético, é verdade, e Jô Soares perturbava Telê com o ?bota ponta?, do Zé da Galera). Mesmo nas adversidades, eles tinham levado vantagem.

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Ou esqueceram do jogo com a União Soviética? Estávamos mal, leváramos um gol num frango de Valdir Peres. E aí Sócrates e Éder resolveram. E lembram do gol do Éder contra a Escócia, aquele que ele ameaçou mandar a bomba e encobriu o goleiro Rough? E a puxeta de Zico contra a Nova Zelândia? Também dá para lembrar daquele gol do Júnior contra a Argentina, da comemoração que ficou marcada. ?Voa canarinho, voa…?.

?Dá-lhe, dá-lhe bola / meu canarinho vai deixar a gaiola / (…) vai dar olé na espanhola…?. A música tocava em todo canto. E naquela tarde de segunda tão bonita tudo iria terminar bem, não era possível que fosse o contrário. Poderia ter até um pouco de sofrimento, mas não ia ser com aquela Itália que o Brasil iria empacar. Já estávamos pensando na Polônia, adversário da semifinal – e não seria o envelhecido time de Deyna, Szarmach e Lato que nos pararia. Madri já aguardava o ?melhor futebol do mundo?.

Mas o matreiro time de Enzo Bearzot, usando à perfeição o surrado catenaccio que tanto fez pelo futebol italiano, deixou-nos tontos. E olha que fizemos dois golaços, com Sócrates e Falcão, encarnando o ?brasileiro profissão esperança?. Mas não contávamos com as atuações perfeitas de Scirea, Gentile, Cabrini, Antognoni e Tardelli. E Paolo Rossi, algoz maior da infância de milhões de brasileiros. Aquele que virou o ?bicho-papão?, o terror dos meninos, presente em nossos pesadelos.

Aquele dia, vira e mexe, ronda nossas mentes. Como seria o futebol se o 3×2 fosse nosso? Será que venceríamos a Copa? Quais seriam os reflexos no futebol de hoje? Será que Zico seria considerado melhor que Maradona? Como seríamos com aquela vitória? Certo mesmo é que perdemos, e dali em diante nunca mais usamos a primeira pessoa para falar da seleção brasileira. A ?nossa? seleção passou a morar na memória.