Fotos/ João de Noronha |
Ilustração de Marco Jacobsen. |
Luiz Augusto Xavier – Quando você entrou no futebol, imaginou que iria encontrar tudo isso que encontrou ou que seria uma “pancada” mais leve?
Giovani Gionédis – Esperava uma “pancada” mais leve. Na realidade, fiquei uns cinco meses antes no conselho, atendendo a um convite de todos os conselheiros, numa vaga deixada pelo Zanetti. Eu tinha saído do governo do Estado, já tinha um projeto político, e ponderei que não poderia entrar no Coritiba. Mas me convidaram, principalmente pela minha característica profissional de saneamento de empresas. Então assumi uma vaga no conselho (o presidente era Francisco Araújo), onde a gente tinha uma noção das coisas do Coritiba. Mas, na realidade, a situação era muito mais grave. Eu nem era candidato a presidente, achava que não tinha condições de ser presidente porque tinha um projeto político pela frente. Sempre procurei não misturar as coisas, para não dizer que estava me aproveitando de uma situação do Coritiba. Sempre digo que o tempo é o melhor indicador das coisas. Quando eu dizia que não iria me aproveitar, muitos me criticaram, e hoje, tudo mostrou que essa não era a realidade. Venci a eleição, até por falta de alternativas daquele conselho, concorri com o Evangelino, que era um homem o qual aprendi a admirar desde o tempo de juventude. Hoje a gente vê que o Evangelino ficou trinta anos como presidente do Coritiba, e talvez eu, como presidente do Coritiba, daqui a trinta anos tenha dezesseis, dezessete títulos. Hoje a realidade é outra. Acho que tem que ter renovação, cabeças novas, porque a coisa é muito mutante hoje, a diversidade das informações é muito grande. Mas encontramos uma coisa muito pior do que esperávamos no Coritiba.
Cristian Toledo – E isso chegou a deixá-lo arrependido?
Gionédis – Muito pelo contrário. Acho que isso me motivou mais ainda a corrigir essa situação. Ninguém é obrigado a aceitar um desafio na vida. Quando aceita, tem que fazer o melhor de si, se dedicar o melhor possível para corrigir os erros. E isso não me assusta não. Agora, corrigir uma situação que levou anos para se formar, não se corrige de um dia para o outro. Levamos aí dez meses de administração para conhecer os problemas do Coritiba. Hoje, temos o quadro, a fotografia real do Coritiba. E por isso que estamos buscando um projeto, que é um projeto de salvação do Coritiba. Primeiro: não se faz futebol sem dinheiro. Segundo: não se faz futebol com empresa endividada. E estamos buscando um projeto, que é o resgate do Coritiba. Não só financeiramente, mas o financeiro vai ajudar a resgatar o orgulho do torcedor coxa-branca, que quase conseguimos só com um time de futebol. Mas tenho certeza que vamos resgatar o orgulho nesse projeto do Coritiba – SA.
Xavier – E como é que ao mesmo tempo se arrecada e se consegue recuperar o que veio de trás?
Gionédis – Por isso estamos lançando o projeto. Porque embora tenhamos equilibrado receita e despesas, os problemas do passado têm atrapalhado esse equilíbrio. Esse equilíbrio financeiro alcançado é prejudicado pelos problemas do passado. As penhoras de renda, os bloqueios de conta corrente, que só esse ano tivemos três bloqueios de conta corrente. Isso tumultua o andamento de uma empresa e é por isso que eu tenho sofrido esses constrangimentos. Estamos com os salários atrasados sim, motivados por esse descompasso do fluxo do caixa. E a única possibilidade de corrigir o Coritiba é com a torcida. Só a torcida coxa-branca, o apaixonado pelo Coritiba, vai investir nesse Coritiba SA, que vai ser uma nova realidade no futebol brasileiro, uma nova realidade no futebol do Coritiba e que vai fazer com que a gente possa resgatar esse endividamento do passado. E, resgatando o endividamento, o Coritiba tem fôlego para montar um bom time. Nós vamos ter um clube campeão outra vez, vamos ter um clube saneado e, se Deus quiser, vamos ter um clube para o torcedor coxa-branca, não só para o futebol, mas um clube anexo à área de estacionamento, que vai também suprir as necessidades do torcedor.
Andréa Pereira – Qual é o principal problema do Coritiba?
Gionédis – O principal problema do Coritiba é a distorção da dívida. Tinha coisas no Coritiba que não eram insuperáveis, como, por exemplo, nós darmos um aproveitamento nas categorias de base. Nós estamos investindo nas categorias de base, embora não ainda o suficiente. Eu ainda defendo uma escola de formação de atletas, que foi o meu projeto inicial, que, por falta de dinheiro, foi descartado. Ou seja, dar ao atleta que se dirige ao Coritiba um ensino básico; dar um curso de línguas obrigatório e dar futebol. A peneirada tem que ser feita nessa grande escola de futebol. Nós estamos investindo muito na formação de base, tanto que no nosso time que disputou o Brasileiro, dos 33 jogadores, 15 eram das categorias de base. O que não acontecia no Coritiba há muito tempo. E todos adorando, veja o time de juniores que está jogando. Em São Paulo ganhou uma final de campeonato. Quer dizer, estamos investindo, toda a comissão técnica está assistindo os jogos de base. Eu acho que isso é que importante. O jogador saber que está sendo observado pela comissão técnica. É isso que motiva e interessa um jogador. Então nós temos esse princípio, falta muita coisa ainda, mas o tempo está aí para corrigirmos essas distorções.
Vinícius Coelho – Quantos funcionários tinha o Coritiba e quanto você conseguiu, através da demissão deles, sanear o clube na sua administração?
Gionédis – O Coritiba tinha um problema de gastar mais do que recebia. E esse furo do caixa, do fluxo, era suprido por empréstimos bancários ou de conselheiros, que se ferraram pagando juros, junto com o Coritiba. E isso é o alongamento de uma dívida futura. Um dia vai explodir. Vocês vai esticando o pavio dessa bomba. E a cada empréstimo, aumenta alguns metros de pavio. O primeiro passo foi corrigir esta distorção, ou seja, o clube tem que gastar o que arrecada, e aí nós tivemos que fazer alguns sacrifícios. Primeiro foi a reestruturação do Coritiba, com a demissão de pessoas que eram julgadas não essenciais. E nós enxugamos, na época, mais ou menos 75 funcionários, de um quadro aproximado de 125 administrativos. E o Coritiba detém uma estrutura grande. Mas muito menor do que tinha e isso fez com que se equilibrasse o problema orçamentário. Colocamos um patamar pro departamento de futebol, eles têm um limite de gastos com folhas de pagamentos, porque é assim que se faz. Quando você não tem recursos sobrando, você disciplina regras a serem cumpridas.
Vinícius – A estrutura não sofreu problemas na parte executiva?
Gionédis – O Coritiba está funcionando normalmente. O dia-a-dia está sendo tocado, é lógico que se hoje uma telefonista não agrada, a gente tem que mudar. Mas no Coritiba, todos os seus setores estão sendo administrados. Quando se precisa de alguma coisa a mais, uma exceção, em um dia de jogo, nós contratamos um serviço temporário. Porque daí é um dia especial.
Cristian – Você falou em empréstimos de conselheiros. E ninguém empresta só por amor. Empresta porque quer alguma coisa em troca e muitos, eu imagino, que quisessem algumas revelações do clube. Até que ponto a diretoria sempre conseguir empréstimo de conselheiros atrapalhou no ajuste que o Coritiba tem que fazer?
Gionédis – Tem duas coisas aí. Uma é o empréstimo do conselheiro, do dinheiro que está suprido no caixa. Por exemplo, a folha não foi paga, então os conselheiros se reúnem, emprestam e fazem um contrato de multa com o Coritiba. Isso era um absurdo, porque você estava ficticiamente mantendo um clube sem condições de se manter. A outra é a tal informação privilegiada, ou seja, quando surgia um jogador, o Coritiba não tinha clube, não tinha condições de comprar, mas conseguia concretizar o contrato. Isso é que é legal, até poderia ser moral, mas acho que não tem nada a ver. É por isso que, na nossa gestão, proibimos conselheiros de administração de terem jogadores. Porque pode até ser legal, mas não cheira bem. E, justamente por não cheirar bem, que eu acho que uma pessoa que tem uma vida pública não pode ter o rabo preso com um ou dois jogadores.
Irapitan Costa – Na questão Coritiba S/A, como fazer para separar, tornar um clube uma empresa, na frieza dos números, sendo que o clube é movido pela paixão?
Gionédis – O clube é movido pela paixão, mas as decisões devem ser tomadas pela razão. A SA traz alguns benefícios, que alguns dirigentes do futebol brasileiro combatem, que é a responsabilidade. Acho que um dirigente deve ser responsável pelos seus atos. Um dirigente que assinou o aval enquanto era presidente, assumiu o risco daquilo dar errado. Não adianta agora dizer que fez por amor. Ele tem que assumir o risco. Se errar o que ele assumiu, não assinasse o aval. Corrigisse o problema na sua origem, mas, se não o fez, ele assumiu o risco. Então, eu diria que ele foi responsável pelo seus atos. E é isso que vai ocorrer, é isso que não ocorre e é isso que está causando o caos do futebol brasileiro. Os dirigentes mandam e desmandam. Tem que ter a responsabilização do dirigente. Toda essa responsabilização veio através da nova legislação e da construção de uma empresa para comandar o clube. A S/A do Coritiba não foi criada pra isso. Ela foi criada para ser um projeto de reestruturação do futebol do Coritiba, de um clube que tem que dar lucro. Porque se sabe que na S/A, se não der lucro em três anos, o acionista têm direito de destituir a diretoria. Então eu acho que é aí que está se tratando o futebol com seriedade. A S/A vem corrigir uma distorção financeira, para se ter a casa em ordem e aí se poder ter lucro. Por isso não vai ser pego o dinheiro do torcedor ou o dinheiro do acionista e ser jogado só para pagar dívida. Mas sim para investimentos que dão retorno. É impossível um clube ter uma área no centro da cidade, uma área privilegiada, e ela ficar ociosa, sete dias, esperando um jogo do final de semana, para ter renda. O Coritiba, em torno do Coritiba, vai ter que ser uma coisa que dê renda à essa empresa, para que essa empresa possa dar lucro aos seus acionistas, é isso no que nós vamos transformar o Coritiba.
Cristian – Na conta do estatuto do Coritiba S/A, o projeto vale R$ 100 milhões, R$51 milhões de ações ficam para o Coritiba e R$ 49 milhões seriam colocados à venda. Como atrair não só o torcedor, mas também o acionista, o investidor a colocar o seu dinheiro no Coritiba?
Gionédis – Primeiro que o Coritiba S/A foi constituído com um capital de R$ 51 milhões, porque é a marca do Coritiba. É o direito de exploração do estádio por 30 anos, é o direito de exploração do CT por 30 anos, e o Coritiba gasta R$ 35 mil por mês em hotel de concentração para os jogadores. Estes R$ 35 mil podem ser pagos a uma S/A, sendo construído um hotel no CT. É uma questão de investir e buscar investimento. Não tem empresário que constrói hotel para alugar. Nós podemos construir um hotel de R$ 35 mil e dar lucro aos seus acionistas. Nós vamos tratar o Coritiba S/A como uma empresa verdadeira de investimento. Esses R$ 51 milhões já formados pela marca do Coritiba. Nós vamos emitir até R$ 49 milhões de ações preferenciais. E este dinheiro vai ser garantido um investimento. Investimento como fazer hotel no CT, como a remodelação total do estádio, como a utilização do estacionamento, tudo sendo em torno do Coritiba. Eu acho que temos um torno muito grande, que pode ser aproveitado, e por isso estamos buscando os profissionais competentes para cada coisa. Não adianta nós querermos ter uma bola de cristal. E as pesquisas é que vão indicar o que tem que ser feito no Coritiba.
Vinícius – E já foi feito uma pesquisa junto a torcida coritibana, para saber a aceitação do Coritiba S/A, sobre as ações do Coritiba?
Gionédis – Já foi feito. E eu acho que acima da aceitação pra um investimento, o torcedor vai investir por paixão. O principal é a paixão do torcedor de querer corrigir o clube. O torcedor tem orgulho do seu time, do seu clube, o torcedor vai colaborar não visando o lucro, mas usando o resgate e aí vai ter lucro. E isso é que vai motivar o torcedor a comprar. E nós temos ainda nesse nosso projeto ainda um doce, um atrativo para que o torcedor compre esta ação, que não vai ser divulgado por mim agora. Tenho certeza que vai ser um atrativo para que o torcedor tenha um incentivo a mais para comprar ações do Coritiba S/A.
Xavier – O torcedor saberia entender essa divisão entre o passional do final de semana e o racional do dia-a-dia?
Gionédis – O torcedor quer transparência. A transparência, a coerência, a credibilidade, fazem com que o torcedor aposte no Coritiba. Você vê ele agora no nacional. Quando nós assumimos, em janeiro, que nós queríamos transparência, todo mundo ficou meio assim. E essa transparência foi se mostrando ao longo do tempo. Todas as críticas foram se dissolvendo e o torcedor terminou o último jogo do Coritiba com 40 mil pessoas. Porque o torcedor viu que a diretoria está imbuída na transparência. Não tenho medo de dizer que estamos com a folha atrasada, que os bancos estão penhorando nossas contas, que o Coritiba tem uma dívida monstruosa. Eu tenho dito isso com freqüência e às vezes me criticam. Estou mostrando a teoria da salvação. Não se faz um time sem dinheiro, não se tem dinheiro com as dívidas que o Coritiba tem. Ou nós corrigimos a dívida que o Coritiba tem ou não vamos ter time ao longo dos dez, quinze anos. Com pouco trabalho, com revelação de atletas, nós quase montamos um time que se classificou. E hoje o Coritiba tem uma base, com atletas já seguros. Não há um desespero para se montar um time para o Paranaense. Nós já temos uma base formada. Quando que existiu isso? Com Adriano, com Juninho, com Fávaro, com o Lima. Quer dizer, isso não existia no Coritiba.
Vinícius – Você não acha que o investidor normal, de fora do futebol, pode ser atraído pelas ações do Coritiba?
Gionédis – Num primeiro momento, não. Num segundo momento, tenho certeza. Por isso o lançamento das ações está sendo preparado, bem montado, para ser apresentado na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em janeiro. Hoje eu tenho certeza que essa credibilidade é importante para o sucesso desse projeto. Primeiro vai ser a paixão e segundo vai ser o tal do investimento. O resultado vai mostrar que o Coritiba é viável para investir também.
Xavier – A CVM exige algumas coisas que um clube de futebol ainda não estaria pronto para atender, ou o Coritiba já está adequado?
Gionédis – Exige muitas coisas que o Coritiba ainda não está adequado. Nós estamos nos adequando às exigências. É muito sério. Uma colocação de ação em companhia aberta, que é o caso do Coritiba S/A, demanda uma responsabilidade jurídica, que pode dar até em prisão. Isso não é brincadeira. Você não pode brincar com o dinheiro de terceiros, você está sendo responsabilizado por isso. É o que hoje não ocorre com o dinheiro dos sócios, já que é uma sociedade civil sem fins lucrativos. Onde foi o dinheiro dos sócios que se filiaram quando anunciaram a construção de piscinas? Onde é a churrascaria do Coritiba, há vinte, trinta anos atrás? Onde está o dinheiro? Qual a responsabilização dos sócios, dos dirigentes que não fizeram essas piscinas? A S/A não. A S/A tem uma responsabilização legal, do Ministério Público, do Banco Central, que dá até o crime do colarinho branco.
Cristian – Como era o torcedor Gionédis Gionédis?
Gionédis – Eu sou torcedor do Coritiba, meu avô era. Meu padrinho me levava no antigo Belfort Duarte, quando estava se iniciando a construção do novo estádio. Fui filho de sócios do Coritiba, hoje sou sócio do Coritiba, tenho cadeira. Meu irmão é mais apaixonado pelo futebol. Ele é mais brigão. Ele cobra, meu pai cobra muito de mim. Agora, inclusive, enquanto eu estava assistindo televisão, passando Fluminense e Corinthians, meu pai disse: “Como é que o seu time não classificou?”. Toda a minha família é coxa-branca. Eu sou mais cobrado pela família do que pelo próprio torcedor. A família é mais passional. Mas, torcedor é torcedor, é só paixão. Presidente, além da paixão, tem que ter a razão. Quando a gente termina a partida, às vezes tem que fugir da imprensa, porque a gente acaba falando como torcedor e não como presidente. Mas o futebol é empolgante por causa disso. O que leva a gente a adorar o futebol é essa não previsibilidade. Um jogo que se acha mais fácil, se torna difícil. E um grande time é como aquele que foi campeão brasileiro.
Xavier – Era mais time que aquele hexacampeão?
Gionédis – Acho que não. É que o futebol mudou muito. E eu me lembro muito do Coritiba do Zé Roberto, do Tião Abatiá, do Paquito, do Kruger. E esses times mudaram tanto. O Coritiba teve momento de vários grandes times, mas eu acho que o momento que deixou a torcida mais empolgada foi o campeonato brasileiro, em 85.
Cristian – Você foi ao Rio de Janeiro?
Gionédis – Não fui. Acompanhei pelo rádio, por incrível que pareça. Mas acompanhei e foi muito emocionante. Foi inesquecível para o Coritiba. Acho que é o título que tem que voltar, já que a torcida estava com confiança. E agora, com os campeonatos cada vez mais difíceis, os títulos vão ser mais raros, não vai ser campeão brasileiro a cada ano. Mas nós vamos ser ainda campeões de novo.
Irapitan – Nessa questão de legislação, falou-se em lei e depois passa-se para uma MP e a MP tem validade de três meses e depois não se sabe o que acontece. Mesmo assim, o Coritiba manteve a linha de trabalho em relação ao S/A. Essa é a certeza de que algo está sendo feito?
Gionédis – É porque o Coritiba, independentemente da lei, acredita na responsabilização do dirigente, na reestruturação do futebol brasileiro e tem que transmitir essa credibilidade também ao torcedor. É por isso que tenho dito em todas as reuniões, e às vezes a gente é mal compreendido, que não sou contra a CBF. Acho que a CBF é o órgão do futebol no Brasil, por lei, por reconhecimento da Fifa, não adianta querermos acabar com isso. O que temos de fazer é mudar a sistemática de escolha do seu presidente. Mas a CBF é o órgão que manda no futebol brasileiro. Não podemos ir contra ela. O que precisa no futebol brasileiro é ter um calendário. Um calendário que seja fixo, que o clube possa vender o calendário. Não só ao torcedor, mas ao seu investidor. Como você vai prometer hoje, a uma empresa, que vai colocar o seu nome na camisa do Coritiba, se eu não sei se o campeonato nacional começa em tal data, se o Coritiba vai participar da Copa do Brasil, se o campeonato vai ser de turno e returno, se vai ter virada de mesa ou não? É uma coisa que tem de ter regras claras. Quando eu assumi, existia um calendário quadrienal, assinado. E agora já mudou. Então nos preparamos para um campeonato que era a Sul-Minas, onde teve seletivas. Como fica um time que investiu para participar de uma seletiva? Como é que brincam assim com o futebol? Então, para o futebol ser sério, o dirigente tem que ser sério. Eu não sou contra a CBF, muito pelo contrário. Eu acho que tem que ter um órgão disciplinador do futebol. Tem que ter seriedade. É ida e volta, tudo bem. Mas vai ser assim pelo menos nos próximos quatro anos. Vai ter Campeonato Paranaense? Eu sou contra, por princípio, acho que é deficitário. Acho que um regional era muito melhor e o Paranaense poderia ser a seletiva para o regional. Mas vai ter. Vamos respeitar, mas tem ser por mais alguns anos. Não pode acontecer de mudar de novo ano que vem e os regionais voltarem. Isso é que desmoraliza o futebol.
Xavier – Qual deveria ser o critério para escolha da presidência da CBF?
Gionédis – Quando se chega em CBF, tem que se pegar a origem de todas as coisas. Existem os governos federal, municipal, estadual, as organizações sociais, tem que começar das origens. Começa com as federações. Porque as federações se perpetuam no poder, porque os pesos de votação criam diversas ligas e tem pesos de votação que sempre elegem. É aquele colonialismo. Não pode o Coritiba, que é um clube de tradição, ter o mesmo peso do que o Marília. Começa pela base até chegar na cúpula. Não sou contra o processo democrático, acho que isso deve realmente existir, mas a regra desse processo tem que mudar. É como o Campeonato Brasileiro. Agora a gente vai ter o arbitral, no dia 17 de janeiro. Então o Coritiba vai ter um peso maior, porque foi o décimo primeiro colocado. Isso é um critério justo. O São Paulo terá um maior peso e o último colocado terá peso um.
Vinícius – E a federação paranaense?
Gionédis – Eu não tenho nada contra o Onaireves. Me dou muito bem com ele, acho uma pessoa que tem feito o melhor possível pelo futebol, só que não se pode perpetuar no poder. O poder tem que ser mutável. O continuísmo gera um desgaste muito grande, então tudo o que é coisa pública tem que ter opiniões divergentes. Até para que se possa ter um parâmetro do que é bom e o que é ruim. Agora temos que mudar os conceitos das coisas, lá da base. Mudando a base, você automaticamente muda a cultura.
Rubens Chueire Jr. – Você falou que não é a favor do Estadual e também falou da paixão do torcedor. Não é contraditório afirmar isso, porque a rivalidade que existe em um campeonato estadual entre por exemplo Atlético e Coritiba é muito grande? Isso não iria atrapalhar a paixão desses torcedores?
Gionédis – Não é o fim do Estadual. É o Estadual racional, ou seja, você tem o Supercampeonato que na realidade é o Estadual. Não vou questionar que quatro ou cinco datas é pouco. Mas é não submeter um clube que tem um investimento alto, participar três meses, viajando para o interior do Estado, com déficit. Então você faz uma seletiva antes, que essa seletiva vai apontar quem vai subir para o regional. E os clubes que estão no regional podem cair. Cai na Sul-Minas, vai disputar a seletiva, e por aí você vai disputar o Supercampeonato que é o campeonato Paranaense. Vou te dar dois exemplos. Vou citar Prudentópolis e Maringá. Em Prudentópolis nós tivemos que tirar R$ 350 reais para pagar a taxa de arbitragem, antidoping, sem contar com hotel, alimentação, e para Maringá também tive prejuízo. Como é que você mantém um time, com um campeonato deficitário.
Irapitan – Seria viável uma Sul-Minas em apenas dois meses e o que você acha do Brasileiro ser disputado em oito meses e meio?
Gionédis – É um critério de ida e volta, mas agora tem que se analisar com muita coerência o que se propõe. Todos dizem que desestimula depois que um time dispara e ganha. Mas veja que você não está só se disputando o primeiro lugar. Você está disputando o primeiro, para ser campeão, o segundo e o terceiro para ir para a Libertadores, o quarto e o quinto, para outro campeonato, e assim você cria um incentivo. Então não vai desestimular enquanto o Coritiba estiver lutando por vaga em outra competição. O que tem que ter é lógica. Não se pode mudar toda hora, que se perde a credibilidade. Eu te pergunto o seguinte: o Coritiba, tivemos um primeiro semestre sofrido, na Sul-Minas, apostamos na força jovem, e no segundo semestre diziam que o Coritiba iria cair. Até a própria imprensa considerava o Coritiba uma das quatro equipes que iriam cair. Então nós reforçamos um pouco o Coritiba, pra montar um time para não cair. Quase estivemos lá. Porque um dirigente vai se preocupar em montar um time para não cair se Botafogo e Palmeiras voltarem?
Irapitan – Você acredita na virada de mesa?
Gionédis – Eu acredito que não tenha virada de mesa. Por isso que não pode ter virada de mesa. Para moralizar o futebol. Senão ninguém vai investir no futebol.
Cristian – Você falou que se surpreendeu negativamente quando viu como o Coritiba estava. Você também se surpreendeu quando viu o futebol brasileiro por dentro, a sua estrutura como ela é?
Gionédis – A estrutura do futebol brasileiro não fui eu que vi, foi uma CPI que viu, o Brasil inteiro viu. Então não tenho um rascunho falso disso. Assumi justamente numa fase pós-CPI, em janeiro de 2002. Onde já se mostrou todas as mazelas do futebol brasileiro. Por isso que eu insisto muito na profissionalização de uma empresa. Quer dizer, só com a responsabilização do dirigente, vai se moralizar o futebol brasileiro.
Xavier – Você achava ou temia que o Coritiba poderia ter problemas no Campeonato Brasileiro. Mas no momento que o time se aproximou das partidas finais e quase se classificou entre os oito primeiros, faltando aqueles três pontos para entrar, onde que o Coritiba errou que não chegou no lugar, que foi ocupado pelo Santos?
Gionédis – Não sei se é erro ou é falta de sorte ou excesso de confiança dos jogadores, porque o Coritiba ficou entre os primeiros colocados, acho que não tinha estrutura emocional para ser o primeiro colocado, teve um período de decadência, com cinco partidas sem ganhar, e nos preocupamos. Estávamos com 27 pontos e teve uma reunião, onde eu colocava que faltavam seis partidas e discutimos que a equipe deveria ficar concentrada. Ficamos vinte e sete dias em concentração direta no hotel. Prendemos o time porque tínhamos o objetivo da classificação. E o Coritiba tinha potencial para a classificação, tanto que o Santos que foi o oitavo colocado, perdeu para o Coritiba. Eu acho que qualquer clube que ficou nessa faixa de décimo segundo, tinha condições de classificar. E no Coritiba, nós fizemos esse projeto de classificação. Eu acreditava que o time iria se classificar, pela qualidade técnica do Coritiba. E nós chegamos aos 36 pontos. Faltaram três pontos em duas partidas, as mais fáceis, jogando contra os times que estavam lá em baixo. E não deu, coisas do futebol. E para mim isso é difícil de entender. Perdemos para o Figueirense em uma partida desastrosa, fomos para Brasília jogar contra o Gama, com a esperança de classificar e veio um desastre maior ainda.
Xavier – E o que você sentiu naquela hora. Depois da derrota você ficou circulando pelo campo. No que estava pensando?
Gionédis – Eu me isolei no campo, até porque não acreditei no que estava vendo. O Coritiba, que tinha todas as chances de classificar, joga com o último colocado desfalcado, e perde de 4 a 0. O time se entregou no segundo tempo. E tinha todo um apoio da diretoria, os jogadores também perderam. O Coritiba perdeu muito em termos financeiros, no mínimo R$1 milhão e duzentos mil reais com a desclassificação. Fora a desclassificação para o Pan-americano, ano que vem, que o Coritiba iria disputar partidas internacionais. Então não dá para mensurar. Mas passa na cabeça também a paixão de torcedor, a revolta de torcedor que viu um time que se entregou em campo, que se desfigurou, com falta total de estrutura psicológica. Paciência. A gente tem que esfriar a cabeça, voltar para a racionalidade e corrigir as distorções. E é isso que nós estamos fazendo.
Cristian – Foi nesse ponto, talvez, que o presidente do Coritiba teve administrar com mais calma todas as situações? Não foi um caso de dinheiro, foi tentar segurar o momento que o torcedor não invadisse o presidente?
Gionédis – Isso de dinheiro é muito relativo. Todos as partidas que nós oferecemos, nós acertamos um “bicho – tipo de premiação”, com os jogadores do Coritiba. E toda vez que nós acertávamos o bicho, pra que fosse um incentivo para eles ganharem o jogo, eles perdiam. Então eu vou inovar um pouco nesse 2003. Quando falo eu, falo do conselho, que é formado por nove pessoas. E nós queremos inovar um pouco. E isso foi uma sugestão minha. Primeiro nós vamos acabar com o “bicho”. Vai haver uma premiação certa, objetiva. Se o time for campeão é tanto, se for vice-campeão, é outro tanto. Quem trabalhar no Coritiba, vai trabalhar nessa nova regra. Nós vamos ter um código de disciplina. O jogador que for expulso, que tomar cartão amarelo que prejudique o Coritiba, vai ser punido.
Xavier – E quem vai avaliar isso?
Gionédis – Uma comissão envolvendo pessoas ligadas ao Coritiba e outras de fora, justamente para dizer se foi uma atitude responsável ou não. Eu acho que o Coritiba criou alguns vícios. Se o juiz apitou, porque chutar a bola para o gol? Não tem que chutar. Quando você está dirigindo seu carro à noite e a lei diz que se atravessar no sinal vermelho dá multa, sem fiscalização, você atravessa. Agora no dia que se coloca uma câmera lá, na primeira vez que você for multado, você não atravessa mais. A regra vem disciplinar aquilo que ele já sabe. Então tem que haver punição. Vai haver injustiças, mas as justiças são maiores que as injustiças.
Vinícius – Voltando a parte final do Campeonato Brasileiro e da decepção do torcedor. Será que este excesso de concentração não prejudicou o rendimento final do time?
Gionédis – Não. Pelo contrário. A concentração dá mais força ao atleta. A família participava. Depois dos jogos, iam jantar com seus filhos, namoradas…
Xavier – Essa concentração se deve à divulgação de algumas festas, bebidas?
Gionédis – O ser humano tem tendência a festa. Mas eu acho que serve o exemplo do Felipão, na Copa do Mundo. Ele chegou com uma cartilha, e quem seguir a cartilha vai para a Copa, e deu certo. Então eu acho que o jogador tem que estar imbuído daquele espírito. Para chegar no objetivo, vale. Se eu não tivesse feito isso, o Coritiba correria o risco de ser rebaixado. E veja a agonia dos clubes que passaram o campeonato inteiro lutando para não cair. Como foi o caso do Paraná. Imagina a agonia do torcedor.
Irapitan – Em algum momento dentro desse campeonato você imaginou partir para uma função mais prática no futebol, mudando o comando técnico?
Gionédis – Não, nunca passou isso pela minha cabeça, nós temos que ter um trabalho. A nossa proposta aqui no Coritiba é um trabalho da valorização da base. Então para você valorizar a base, tem que ter alguma aposta, algum risco e esse risco eu assumi. Não se pode demitir um técnico por resultados negativos em quatro, cinco minutos de trabalho. Nosso objetivo com o Bonamigo, quando ele veio ao Coritiba, é um trabalho a longo prazo. E ele continua no Coritiba. Depois de ser desclassificado, o primeiro ato foi conversar com o Bonamigo e já definir. Então não tem especulação. Mas tem uma coisa que é a credibilidade, a palavra. E o Bonamigo é uma pessoa de caráter. E nós continuamos com ele até 2003. Se vai dar certo, só o tempo vai dizer.
Cristian – A contratação do Bonamigo pelo Coritiba teve muitas especulações. Como é que foi a contratação dele em maio? O Atlético tentou atravessar?
Gionédis – O Mário Celso (Petraglia) tentou atravessar e levar o Bonamigo, quando ele já estava contratado pelo Coritiba. Não adiantou o Mário Celso rodar a baiana, com aquele jeito explosivo dele, pois o Bonamigo tinha dado a palavra. Eu acho ele um grande técnico, apesar de um time não ser só formado pelo técnico. Ele tem uma proposta de trabalho que coincide com a proposta que nós queremos, que é a valorização da busca de novos valores. O Bonamigo tem total credibilidade com a torcida coxa-branca.
Xavier – Como é o teu relacionamento hoje com os conselheiros? Existe algumas restrições com o Moro, ou com outro conselheiro do Coritiba?
Gionédis – Primeiro eu queria dizer que eu não trouxe ninguém. O Moro é um conselheiro eleito, como eu sou. O conselho deliberativo é formado por nove membros. Desses nove, um é eleito presidente e os outros membros atuam em posições estratégicas. Então o conselho atua hoje. Não é um conselho que vai para uma reunião sem argumentos, eles trabalham para o Coritiba. O Moro é um membro do conselho. É o Moro do conselho de futebol. Não é o Moro que manda no futebol hoje. Ele é um membro do conselho de futebol. É lógico que ele estando lá todo dia, aparece mais. Mas nenhuma decisão é do Moro, a decisão é do conselho. Nenhuma contratação, nenhuma decisão é tomada sozinha. O relacionamento com o conselho é o melhor possível. Até pela transparência que temos dado ao Coritiba. O nosso trabalho é um trabalho de seriedade, então o relacionamento tem que ser o melhor possível.
Vinícius – E quanto à divisão de base? Como o Coritiba conseguiu chegar nas finais de vários torneios? Como surgiu isso?
Gionédis – Foi uma mudança radical. Nós mudamos a comissão técnica, trouxemos alguns elementos imbuídos nas categorias de base, sempre preocupado com as divisões inferiores. Na verdade, num curto espaço de tempo, nós temos o mirim, pré-mirim, juvenil, infanto-juvenil, disputando títulos. É todo um trabalho de preocupação com a formação do atleta. Não é só a profissionalização. Acima de tudo está a paixão e eu acho que isso é o pensamento do Coritiba.
Cristian – Como foi a negociação com o Prudentópolis, com relação ao Liédson?
Gionédis – Quando nós assumimos o Coritiba, o time tinha uma situação muito delicada com o Prudentópolis, que era o problema do Liédson, do Cris e do Messias, por alguns erros jurídicos. Não se tinha feito o contrato de Liédson. E o Cris e do Messias, de compra, acabou se tornando uma inadimplência do Coritiba e em aluguel. E todo esse dinheiro dado na compra do passe, tornou-se aluguel. No caso do Liédson, nós procuramos o empresário, para resgatar os 30% que o Coritiba tinha por direito, por ter colocado o Liédson na janela do futebol nacional. E o Liédson é um jogador que hoje o Coritiba tem os 30% dos seus direitos federativos e isso no próprio contrato da CBF consta. Agora, os dirigentes do Prudentópolis, que me pareciam ser racionais, disseram que o Coritiba era um time pequeno, e que preferiam ver o Liédson jogando no Flamengo. Eu acho que o Liédson estaria melhor no Coritiba do que no Flamengo.
Cristian – E o João Ituarte?
Gionédis – Esse empresário é irracional. Só sabe denegrir o Coritiba. Ele chegou até a dizer que jogador dele não jogava em time pequeno. Ele que coloque o Liédson onde quiser, desde que respeite o percentual que o Coritiba tem. O Coritiba já notificou o Cruzeiro, que tem 30% de direitos federativos. O próprio jogador quer voltar ao Coritiba, mas vou deixar o João Ituarte com a consciência dele. Quem é pequeno nunca se torna grande e ele vai continuar na pequenez que é.
Xavier – Sua campanha para governador acabou sendo prejudicada pelo fato de você dedicar parte do tempo ao Coritiba. Que separação você conseguiu fazer, ou foi uma coincidência?
Gionédis – Tinha um projeto político muito antes do Coritiba. Fui secretário de Município e do Estado por 12 anos, mais 4 anos com o Jaime Lerner na Prefeitura, 2 anos com o Rafael Greca, depois fui ser secretário do Jaime por 5 anos e 11 meses. Saí do governo não contra a figura do Jaime Lerner como pessoa, que eu sempre admirei, mas contra um posicionamento do que fazer do governo. Eu achava que o governo do Estado tinha que passar por uma transformação administrativa. E os problemas estão aí: policiais sem aumento, os professores também. A folha no limite de gastos. Eu tinha uma proposta específica como secretário da fazenda. Como candidato, tinha a finalidade de apresentar à população um projeto. Não só apresentar, como mostrar um ideal limpo na vida pública. Eu fiz questão de sair. Acho que esse ideal limpo ficou limpo. Nesse entremeio surgiu a proposta do Coritiba. Aí a paixão ou até a não razão fez com que eu aceitasse. Não misturei as coisas, tanto que não distribuí um santinho em meu estádio. Fora isso, acho que dei o meu recado a população. Participei de todos os debates, mostrei as mazelas de alguns candidatos. A minha missão agora é resgatar o Coritiba. E se Deus quiser nós vamos resgatar.
Xavier – Na área política você tem planos ainda ou acabou nisso?
Gionédis – Me licenciei presidente do partido, eu acho que já dei a minha contribuição pública, tive doze anos de secretário. Pelo menos acho que nos próximos vinte anos não quero saber.
Cristian – O senhor foi secretário da fazenda com um propósito de arrumação da casa, ajuste de contas. Agora no Coritiba chega com a mesma proposta de saneamento e ajuste. Até que ponto a política ajudou a mexer com as medidas impopulares do futebol?
Gionédis – Acho que não foi a política, o que ajudou foi a especialização. A vida é uma somatória de experiências. Fazer saneamento, corrigir, demitir, enxugar, não é fácil para qualquer cidadão. É bom contratar, demitir ninguém gosta. No Coritiba mesmo, na hora de contratar um técnico, todos foram almoçar no restaurante com ele. Na hora de demitir, foram só o presidente e mais um conselheiro. Na realidade eu sou o homem da função. Eu me especializei em saneamento, aprendi muito no governo, tive que estudar muito. Acho que o lado público é diferente do privado. No Coritiba é igual, você também lida com uma coisa pública. A intenção é mostrar a total transparência ao torcedor. E colocar o torcedor como parceiro, por isso o projeto S/A. O torcedor tem que ser parceiro da diretoria, dos dirigentes, para que o Coritiba seja um sucesso. Se não tiver essa liga, não vai dar certo.
Xavier – Qual vai ser o caminho do novo governo e o que ele vai encontrar pela frente?
Gionédis – Os governos hoje pagam dívida, folha e custeio, falta dinheiro para o investimento porque não fizeram lição de casa. O governo do Paraná gastava 72% dos seus recursos públicos em folha, acima do permitido. O que tem é que fazer a lição de casa, ou seja, demitir. Há um inchaço na máquina pública, qualquer um sabe disso.
Xavier – Caso tivesse sido eleito governador, você iria ter neurônio para sustentar o Coritiba e o Estado do Paraná?
Gionédis – É uma questão de ganhar a eleição. Como a gente não ganhou, concentramos todas as forças no Coritiba. Se Deus quiser, em um ano o Coritiba vai ter a maior fotografia em cenário nacional.
Cristian – Por que os dirigentes de clube não fazem a lição de casa e por que os dirigentes do Coritiba nunca fizeram a lição de casa?
Gionédis – É a economia do lar. Quando você gasta mais do que ganha, você entra no vermelho, depois você vende o carro, depois uma propriedade e depois a casa. Os dirigentes entravam sabendo que iam ficar dois anos. Queriam fazer tudo nesses dois anos. É muito fácil passar um ano de gestão. Já passou um ano da minha gestão e dois anos são mais fáceis. Ponho os juvenis para jogar, economizo, não gasto nada e aí entrego para outro. Acho que não é essa a visão. A minha visão é nesse ano reestruturar o Coritiba financeiramente para que tenha solidez para sempre e não só para dois anos. Quero dizer para vocês o seguinte: na próxima eleição de Conselho eu garanto que vai ter muito candidato. O Coritiba vai estar bem estruturado financeiramente e vai ter muita gente querendo tirar proveito disso.
Irapitan – O clube suportaria hoje um equilíbrio financeiro sem conquista de título durante dez anos?
Gionédis ? Neste Brasileiro, eu acho que a torcida do Coritiba ficou satisfeita, independente da classificação. Ela viu o fruto de um trabalho, de transparência e de falar a verdade (nós não temos time para chegar). O título é uma conseqüência de um momento. Nós vamos trabalhar sério a partir de agora e vamos buscar reforçar o time para ser campeão paranaense. Se vai ser campeão, é detalhe de um jogo.
Xavier – E a Copa Sul-Minas?
Gionédis – O Coritiba entrou na Sul-Minas e assinou um contrato com a Rede Globo, que diz em uma cláusula que se o Coritiba disputar o Campeonato Paranaense, à exceção do supercampeonato, tem uma multa de 5 milhões. E esse contrato está em vigor. A posição do Coritiba é a seguinte: ou rescinde-se esse contrato ou se joga a Sul Minas. A Globo, a CBF, o Clube dos 13 e a Liga Sul-Minas têm que sentar e rescindir esse contrato.
Xavier – A Liga Sul-Minas está querendo cobrar?
Gionédis – Não é só a rescisão, tem que sentar. A Liga do Nordeste conseguiu uma liminar para que a CBF não puna. Eu acho que isso é uma evolução natural das coisas. Tudo se acerta com o tempo.
Cristian – Você falou em transparência. Aquele momento de chegar no campo e abrir o jogo, foi uma iniciativa unilateral tua? Alguém chegou a tentar demovê-lo da idéia?
Gionédis – Foi iniciativa minha. Eu tinha sido recém-empossado, e alguns membros foram contra, acharam que a torcida não ia entender bem. Mas temos uma norma e as decisões são sempre por unanimidade. Somos em nove e quando dá cinco a quatro é unânime. Eu mesmo fiquei em dúvida, mas achava que tinha que mostrar para a torcida o que estava acontecendo no clube. Acho que essa transparência foi importante até para que a torcida entendesse a desclassificação para o Brasileiro.
Xavier – A renda do clube vem da televisão, patrocínio camisa, venda de jogadores, propaganda, receita de jogos. Há alguma forma de incrementar, vender carnês seria uma saída?
Gionédis – O nosso patrimônio dá uma renda para o Coritiba. Vocês imaginem aquela área de estacionamento devolvendo ao Coritiba, lojas, um museu devolvendo ao Coritiba, escritórios. Isso vai pagar uma parte de folha, de custeio. A nossa loja dava prejuízo e hoje nós temos faturamento garantido. É como vivem os donos de shopping, eles alugam em troca de um percentual. E é isso que nós queremos fazer do Coritiba. Daí nós temos patrocínio de televisão, a camisa – que depende do desempenho do time. O Coritiba está sem patrocinador de camisa porque foi mal e houve uma decisão da TIM de sair de clube de futebol. Está difícil o mercado, mas nós estamos tentando um patrocínio. Agora para o Campeonato Paranaense vamos lançar uma venda antecipada de ingressos, que tem um preço acessível. E a idéia do sócio-torcedor, que foi muita boa. Nós tivemos 7 mil sócios-torcedores.
Cristian – Não dá para falar em 2003 sem uma perspectiva política e econômica com os novos governos federal e estadual. Qual é a perspectiva do senhor, que é um conhecedor do governo, em relação ao ano que vem?
Gionédis – Nós temos o Paraná oficial, que é o governo, e o Paraná do cidadão que sobrevive por si só. Eu não considero o governo um fator preponderante para a decadência, nós vamos sobreviver a qualquer governo.
Vinicius – Você acha que seria útil para o Coritiba um bom relacionamento com o governo?
Gionédis – O Coritiba não levou nenhum centavo de verba estadual. Um astral positivo sempre é bom, mas o que vale é no campo.
Irapitan – Qual é o relacionamento hoje entre Coritiba e Atlético?
Gionédis ? Entre Coritiba e Atlético não existe relacionamento até porque são casais separados. Agora, há um bom relacionamento entre Gionédis e Mário Celso Petraglia pela amizade de longos anos, embora termos divergências. Eu liguei ao Mário e pedi para ele uns lugares a mais na Baixada e recebi como resposta um “não”, porque o estádio não está terminado. Eu disse para ele não esperar um tratamento cordial quando tiver Atletiba no Couto Pereira. A rivalidade do futebol fica só no campo. Na parte administrativa nós temos que somar, para que o futebol respeite o estado do Paraná.
Cristian – Aí chega a Sul-Minas e o Atlético e o Coritiba estão em lados diferentes.
Gionédis – Não tem lados diferentes. O Mário teve uma recaída (risos). Ele esteve num programa de televisão e disse que o Atlético não ia participar do Estadual e agora ele teve uma recaída na decisão da Sul-Minas. O Coritiba não é contra o Estadual. O Coritiba é a favor da CBF e a favor de um calendário fixo. O Coritiba tem um contrato assinado onde não pode disputar o Estadual por causa de uma multa. Mas resolvido isso, o clube vai jogar o Estadual e se Deus quiser também a Libertadores.
Irapitan – E o conselho arbitral que vai acontecer nos próximos dias?
Gionédis – Acho que o torneio ida e volta é uma questão pacífica. Hoje o que está em discussão é se haveria play-off ou não. Eu não sou contra nenhuma das formas. Sou a favor do que seja melhor para o futebol brasileiro.
Xavier – Há uma tentativa de dar uma freada agora na queda dos clubes. Você é favorável a 20 ou 24 na primeira divisão?
Gionédis – Sou favorável a 24. Essa posição o Coritiba já sustentou no arbitral passado. Um país com a dimensão que tem não pode ter um campeonato com 20 clubes. O futebol deveria ser assim: 1ª divisão, 2ª, 3ª, uma coisa lógica, uma torre se encaixando na outra. Com calendários próprios, os internacionais intercalados.
Xavier – Você não acha que se baixasse para 20 valorizaria mais a segunda divisão?
Gionédis – Nós temos muitos estados e sempre vamos ter dois clubes fortes na segunda divisão.
Xavier – Você acha que um dirigente como o Eurico Miranda atrapalha o futebol?
Gionédis – Eu acho que sim. A CPI mostrou e as diretrizes estão mostrando. Está em démodé o que não apresenta contas, não é transparente, tem conta lá fora. Isso acabou, o futebol tem que ser levado com seriedade.
Cristian – O Coritiba tem culpados?
Gionédis – Eu não considero que o Coritiba tenha culpados. Eu acho que tinha torcedores apaixonados com a intenção de ser campeão. Na visão de ser campeão, esqueceram um pouco do ataque do seu time.
Xavier – Vocês se sentiram obrigados a enganar o adversário tirando o Cléber da concentração do Atlético?
Gionédis – Acho uma bobagem isso. O custo benefício não valeu.
Cristian – Esse foi o erro capital?
Gionédis – Foi a agulha no palheiro. Todo mundo disse que a compra do Cléber afundou o Coritiba. Não foi, a dívida é uma entre muitas dívidas que são muito maiores. É uma visão distorcida do que tinha de ser feito como empresa. Não como clube passional e sim como empresa.
Xavier – Esse lado passional acabou a partir de agora?
Gionédis – Acabou, o futebol passou o lado romântico. Se você fizer uma análise dos clubes paranaenses, os que ficaram no lado romântico estão em situação difícil. Os que tiveram uma visão mais profissional, mudaram. O Atlético é um exemplo disso, eu não tenho vergonha de dizer. Foi numa derrota de 5 a 1 para o Coritiba, eu cruzei com o Mário Celso Petraglia e ele disse que ia mudar tudo. Derrubou o estádio, o time e hoje tem um estádio, tem um CT e foi campeão brasileiro. Foi um trabalho de reestruturação administrativa e financeira. E os outros clubes parece que pararam no tempo. Agora nós temos que fazer tudo isso num curto espaço de tempo para recuperar o tempo perdido.
Cristian – A diretoria falou no começo do ano que ia ser pragmática, não ia investir mais no que não tem, não ia mais investir em contratações malucas. É o que vai acontecer no elenco para 2003?
Gionédis – Já temos o orçamento para 2003 e vai ser aquilo lá.
Irapitan – O mercado brasileiro continua inflacionado?
Gionédis – Muito inflacionado. Eu acho que o mercado vai ter que disciplinar o salário de cada jogador. O futebol é talento e o talento não se disciplina por lei.
Irapitan – Você imagina o salário fixo para o jogador?
Gionédis – Não, não imagino. É como o advogado, tem uma diferença intelectual. Não dá para comparar.
Xavier – Mas você vai ser radical quanto ao salário?
Gionédis – Existe um orçamento. De acordo com a comissão técnica do Coritiba, hoje tem entre 30 e 35 jogadores. O Coritiba chegou a ter 60 jogadores durante o ano.
Cristian – É duro ser transparente na política do futebol?
Gionédis – Não, é fácil. O duro é quando se quer fazer maracutaias. Hoje qualquer conselheiro tem acesso aos documentos do Coritiba. Não existe segredo, a contabilidade é aberta. Nós fizemos uma reunião confidencial com o conselho e apresentamos o salário de cada jogador.
Irapitan – Hoje os clubes brasileiros da primeira divisão estão acostumados a um campeonato com 30 jogos. No ano que vem serão 46. Vai se mudar muito a quantidade de jogadores, a formação de elenco?
Gionédis – Vai. Vocês têm acompanhado o que tem de cartão amarelo, de jogadores suspensos e de julgamentos e isso atrapalha muito.
Xavier – Você tem tempo para a família?
Gionédis – Tenho. Agora tenho um pouco mais. Eu me sacrifiquei durante a minha vida pública. Levantava-me todos os dias às 6h da manhã para levar os meus filhos ao colégio. Era a oportunidade de tomar café junto com eles e conversar. Eles acostumaram com essa vida agitada do pai. A mãe também trabalha, ela é advogada também e trabalha até mais do que eu. Eles se acostumaram e nós temos um ótimo relacionamento. Todos torcem para o Coritiba e de vez em quando vamos todos para o jogo.
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