Um sobrado simples de 120 metros quadrados na Rua Sargento Osvaldo Bond, Uberaba, acomoda o sonho de 18 garotos, oriundos em sua maioria de estados do Nordeste. Para eles, a camisa do time júnior do Vila Hauer é o trampolim para a fama no futebol.
Por trás dos garotos, o empresário Edson Olizzi alimenta o sonho do profissionalismo tentando driblar os escassos recursos, a própria inexperiência no mercado e a vigilância do Conselho Tutelar e da Procuradoria Regional do Trabalho.
O próprio Olizzi procurou ao Paraná-Online para exibir as melhorias no que chama de alojamento. A casa continua superlotada, mas, de fato, as condições de vida ficaram mais adequadas desde a última visita do Paraná-Online ao sobrado, no início de abril. As paredes emboloradas estão cobertas por uma mão de tinta, móveis foram trocados e no lugar dos colchões amontoados no chão beliches foram colocados. Os garotos vivem em dois quartos e em uma sala improvisada.
Allan Costa Pinto |
Edival, técnico da piazada. |
Olizzi apareceu minutos depois que ao Paraná-Online chegou à casa e monitorou toda a visita. Mas alguns garotos, ouvidos nas rápidas ausências do empresário, evitaram críticas e confirmaram que a situação melhorou. Agora, dizem eles, uma cozinheira prepara as refeições e ajuda na limpeza.
O Conselho Tutelar do Cajuru já havia detectado condições ruins de higiene e alimentação na moradia, visitada pela Polícia Militar após denúncia de maus-tratos. Mas Olizzi atribui a bagunça ao desleixo dos próprios rapazes. ?Tenho que ensinar noções de higiene pra alguns deles?, afirma.
Allan Costa Pinto |
O empresário Edson Olizzi banca o projeto dos garotos. |
Os meninos treinam duas vezes por semana no campo do Vila Hauer. Em outros dois dias, trabalham em canchas públicas próximas ao sobrado. O transporte é feito no carro particular do empresário, em duas ou três viagens. Aos sábados, o time entre em campo pelo campeonato de juniores da Divisão Especial da Suburbana, na esperança de que algum olheiro de time profissional mude o rumo de suas vidas.
Olizzi garante que o trabalho que faz é ?social?. ?Não cobro nada deles. Tem até alguns ex-viciados, que aqui se distanciam da droga. Só dou chance para esses meninos lutarem por seu sonho.? Dono de uma indústria de panificação, ele diz gastar R$ 5 mil mensais para manter os garotos. O lucro espera vir de uma negociação para o exterior, por intermédio de uma parceria com o ex-presidente do Atlético José Carlos Farinhaqui, que tem ligações com clubes profissionais de Santa Catarina. Até agora, o dinheiro não apareceu. ?Não vou mentir. Espero um retorno. Até agora não foi como a gente quer. Posso ficar 10 anos e quebrar, ou dar sorte e encontrar um grande jogador. Há algumas pedras preciosas, que precisam ser lapidadas?, sonha.
Procuradoria continua de olho
A situação do alojamento dos garotos do Vila Hauer chegou à Procuradoria do Trabalho. A maior atenção é sobre os atletas menores de idade – vários já passaram pelo local, mas apenas um, de 16 anos, continua no alojamento.
O jovem, natural de Aracaju (SE), disse que tem autorização dos pais e quer ficar no abrigo. Mas o documento assinado não tem validade jurídica, segundo a procuradora do trabalho Cristiane Sbalqueiro Lopes. ?A guarda dos adolescentes pertence aos pais e exige uma série de obrigações. Só em casos extremos pode ser concedida a outra pessoa. Como agente, Olizzi não pode ficar com o jovem?, disse Cristiane. A Procuradoria deu prazo de 30 dias para que um parente do garoto venha acompanhá-lo em Curitiba, ou então o menino será devolvido à família em Sergipe.
Quanto aos demais jovens, a procuradora propôs que o empresário assine um termo de compromisso em que se responsabiliza a cuidar deles de maneira adequada. ?A Lei Pelé determina que o agente tem as mesmas obrigações de um clube em relação aos atletas em formação. Ele deve zelar pela educação, alimentação, alojamento, atendimento médico e odontológico e firmar seguro de vida e de acidente de trabalho?, disse Cristiane. Se não cumprir as exigências, o empresário fica sujeito a pesadas multas.
Perseguindo o desejo de virar craque
Allan Costa Pinto |
Mateus, 19 anos, passou pelo Marcílio Dias e Tiradentes (SC). |
O sotaque curitibano soa estranho no alojamento dos juniores do Vila Hauer. Ali misturam-se histórias parecidas de uma infância tão recente quanto difícil no Nordeste brasileiro. Os ídolos, distantes milhares de quilômetros e milhões de dólares, são o incentivo para seguirem desafiando o destino.
Josemar, 18 anos, lavava carros e catava recicláveis para ajudar a mãe, empregada doméstica, no orçamento da casa em Feira de Santana (BA). Foi descoberto num time amador da cidade pelo técnico dos juniores do Vila Hauer, o também baiano Edival Rodrigues. A chance de aparecer num time do Sul, acredita, compensa a ausência da família e o aperto com outros tantos meninos. Mostrou timidez para conversar, mas sorriu orgulhoso quando posou para o fotógrafo do Paraná-Online. ?Quero ser profissional, mas o que Deus determinar pra mim está bom.?
Allan Costa Pinto |
Sobrado em boas condições. |
Ele divide o quarto com o sergipano Diego, 19 anos, e o também baiano Washington, 19, o mais falante do grupo. Washington lembra fisicamente Ronaldinho Gaúcho e tem pinta de boleiro. Mas ainda lhe falta maturidade, reconhece o empresário. ?Quando começa bem a partida, arrebenta. Mas se erra o primeiro lance, se esconde?, conta Edson Orizzi.
Há três anos, quando partiu de Campina Grande (PB) só com uma mochila e a coragem, Mateus, 19, persegue o sonho de virar craque. Andou nos juniores do Marcílio Dias (SC) e jogou o Catarinense da 2.ª Divisão pelo Tiradentes de Tijucas. Há um ano tenta a sorte em Curitiba, mas já desistiu dos grandes. ?Sem empresário não dá pra entrar no Atlético, Coritiba ou Paraná?, diz o meia-atacante.
Questionado se o júnior do Vila Hauer seria boa vitrine para o sonho do estrelato, Mateus sorriu otimista: ?A Suburbana tem boa estrutura. Muitos saem direto para a Europa?, acredita. O ídolo é Kaká, evangélico como ele, mas já se daria por satisfeito em trilhar o caminho do conterrâneo Marcelinho Paraíba, que há anos faz sucesso no futebol europeu. ?Sei que era melhor estar estudando. Mas todo sonho tem um preço?, diz.
A glória internacional pareceu menos irreal aos garotos depois de Moisés. O volante de 19 anos, definido como excelente jogador pelos companheiros, saiu do alojamento um dia antes da visita da reportagem. Ele fará um período de testes na Itália, mas o destino exato nem mesmo o empresário Olizzi soube dizer. Ele falou apenas que é um time chamado Varese, coordenado pelo ex-craque italiano Franco Baresi. Varese, na verdade, é a cidade italiana onde fica o CT de Milanello, casa do Milan, onde Baresi trabalha como técnico das categorias de base.