Medalhista de prata nos 50 metros livre e também no revezamento 4x100m livre no Mundial de Budapeste, no mês passado, Bruno Fratus confirmou a condição de quem vem se firmando como principal destaque da natação do Brasil hoje e também provou ser um dos maiores velocistas do planeta.

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Na esteira do legado de glória de Cesar Cielo, campeão olímpico de Pequim-2008 e dono de vários títulos mundiais, o carioca de 28 anos ainda celebra seus últimos feitos e exalta o País pelo desempenho na Hungria, mas segue faminto por medalhas neste ciclo olímpico que visa principalmente os Jogos de Tóquio-2020.

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Em longa entrevista exclusiva ao Estado, concedida por telefone direto de Auburn, nos Estados Unidos, onde mora e treina desde 2013, Fratus revelou que no Mundial da Hungria pela primeira vez viu a seleção brasileira de natação verdadeiramente unida como um time, fato que ajudou a fazer o time nacional a ter uma “redenção” após não subir ao pódio por nenhuma vez na Olimpíada do Rio na modalidade.

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Entre outras coisas, o velocista negou também projetar a meta de ocupar o lugar de Cielo como novo astro maior do País na natação, mas ao mesmo tempo disse que “aceitaria esse papel com a maior honra”. Para completar, exibiu confiança ao afirmar que tem “absoluta certeza” de que pode quebrar o recorde mundial dos 50m livre, que Cielo estabeleceu em 2009 ainda nos tempos em que era permitido o uso dos trajes tecnológicos, proibidos a partir de 2010. “Trajes não existem mais, mas recordes estão aí para serem batidos”.

Irreverente, Fratus ainda garantiu que continuará exibindo a personalidade forte que em algumas ocasiões lhe trouxe aborrecimentos e críticas, que não o farão deixar de seguir falando o que pensa ou agindo de forma autêntica. “Não tem coisa que me irrita mais do que o politicamente correto. Não esperem de mim que eu seja um personagem… Eu continuarei sendo como eu sou”, disse. Confira a entrevista:

Quais motivos você aponta como os principais para a sua volta por cima após a decepção de não ter conseguido subir ao pódio na Olimpíada no Rio? Você qualificou a prata obtida nos 50m do Mundial como uma “redenção” depois de o Brasil também não ter alcançado nenhum pódio nos Jogos…

Antes de tudo, acho legal deixar claro uma coisa: foi uma decepção pessoal minha. Em termos de organização, foram os Jogos Olímpicos mais lindos que eu participei e já vi. Aquela final, com eu entrando no estádio olímpico (da natação) e todo mundo gritando meu nome, foi uma das coisas mais emocionantes que eu vivi até hoje. Nosso time de natação, apesar da falta de medalhas, teve um número muito maior, um recorde de finais e de semifinais em uma Olimpíada, foi uma evolução como um todo da natação brasileira… Com isso sendo dito, meu resultado, individualmente, baseado no que eu esperava, foi muito abaixo, isso me causou uma decepção muito grande. Apesar de ter sido algo que aconteceu porque eu não consegui me preparar como gostaria.

E como isso aconteceu?

Machuquei em fevereiro (de 2016) e fui me arrastando com uma lesão enquanto estava me preparando para os Jogos Olímpicos no Rio, que por ser no Brasil já tinha um peso emocional e psicológico muito grande, e eu ainda estava treinando para superar essa lesão a cada dia. Mas essa condição estava bastante adversa. Eu tenho pra mim, pelo próprio perfeccionismo que sempre tento buscar, que foi algo que pesou bastante e demorou bastante para ser superado. Para superar tudo isso, se eu fosse falar uma palavra só para isso eu diria ‘vontade’. Uma coisa que o meu pai sempre me ensinou é que ‘quem quer vai lá e faz’.

E quais foram os maiores obstáculos pra superar essas dificuldades e conquistar duas pratas no Mundial?

Não tendo o meu contrato renovado no início deste ano com o meu clube (na época o Pinheiros), que eu já defendia há dez anos (antes de passar a ser federado pelo Internacional de Regatas, de Santos), tudo empurrava para que eu desistisse. Hoje estou com 28 anos, já fui para duas Olimpíadas e antes destas pratas (nos 50 metros livre e no revezamento 4x100m do Mundial) eu já havia levado um bronze em um Mundial, mas eu ainda não me contentava e ainda hoje não me contento com o que alcancei. Tenho potencial para ganhar muito mais do que isso e minha vontade é de continuar me superando. Para isso vou para piscina para me matar nos treinos, na musculação, e saber usar bem o tempo de descanso para chegar bem nas competições.

E como foi subir ao pódio duas vezes no Mundial após a decepção no Rio, onde você chegou como um dos favoritos a conquistar medalha?

O real motivo para não ter conseguido o resultado que gostaria na Olimpíada foi uma lesão que eu tive nas costas e impediu que eu me preparasse da melhor forma. Em dezembro de 2015, fiz um tempo com o qual eu teria vencido a final dos 50m livre no Rio. Esse ano eu consegui de novo um tempo com o qual eu conseguiria ter ganhado o ouro nos Jogos Olímpicos. Meu corpo é que não estava colaborando.

A própria direção de natação da CBDA admite que houve uma cobrança muito grande sobre os nadadores por medalhas na última Olimpíada. Você se sentiu atrapalhado por esta pressão? E que peso teve para o seu sucesso e do próprio Brasil no Mundial a mudança da gestão da CBDA?

Eu gosto de pressão, da dificuldade da coisa, de ter gente forte nadando do meu lado. A gente sabe que tem bastante responsabilidade pelo apoio que recebemos da CBDA e dos patrocinadores. E o sucesso de nossa equipe é fruto de uma constância pelos últimos campeonatos. Você não pode julgar o sucesso por uma só competição, e essa geração tem feito muitas finais nestas últimas competições. É uma equipe que chegou a ganhar inúmeras medalhas e que no Mundial de Kazan chegou a liderar o quadro de medalhas. No Pan então o que acontece é uma chuva de medalhas do Brasil. É uma evolução sólida, e a gente tem tudo para ir cada vez melhor em Mundiais, Jogos Olímpicos, Pan-Pacíficos, Pan-Americanos e por aí vai.

E como foi ver o Brasil voltar a brilhar na natação após o escândalo de corrupção que provocou até a prisão de Coaracy Nunes, ex-presidente da CBDA, e de outros dirigentes?

A gente nadou um pouco com o coração na mão e precisava fazer algo para reanimar a natação brasileira. Tivemos de conviver com algumas incertezas. Em uma hora tínhamos o apoio dos Correios (patrocinador forte da CBDA), em outra não sabíamos se teríamos o apoio dos Correios, se iria ter seletiva ou não iria ter seletiva para o Mundial… E também é importante destacar que o COB deu um apoio incondicional para a gente e garantiu que poderíamos contar com o seu apoio quando a gente precisasse.

Renato Cordani, diretor de natação da CBDA, disse ao Estado que sentiu um clima de união nunca visto antes em uma seleção brasileira como o do último Mundial. Você acha que isso pesou para os bons resultados?

Todo mundo da administração da nova CBDA, o próprio Cordani, o senhor (Miguel) Cagnoni (presidente eleito neste ano), viu que toda essa situação recente gerou a necessidade de a seleção se unir como um time de verdade. E isso repercutiu muito bem. A nossa equipe do revezamento do 4x100m foi medalha de prata batendo o recorde sul-americano e com o Cesar Cielo quase batendo o recorde mundial dos 100m na parte que nadou para a nossa equipe. Foi a primeira vez que eu senti que a nossa seleção era de fato um time. Já participei de seleções em que cada um pensava em si, já participei de seleções com vários grupinhos, panelinhas, mas esse time de Budapeste era unificado, com um dando força para o outro. Posso estar enganado, mas esse time tem todos os melhores nadadores do Brasil em suas provas em todos os tempos. E seria um desperdício se a gente não conseguisse se ajudar e dar um pouco de força para o companheiro. Chegar ser até piegas falar isso (risos), mas é aquela coisa que justifica aquela velha frase que diz que a união faz a força.

Com essa união o Brasil chegou a duelar diretamente pelo ouro no revezamento 4x100m do Mundial com os EUA, grandes favoritos, e encerraram um jejum de pódios na prova que durava desde 1994 e veio como uma equipe que contava com nomes como Gustavo Borges e Fernando Scherer…

Não só encerramos o jejum como melhoramos o resultado, pois daquela vez o Brasil foi bronze e agora fomos prata. E nadamos lado a lado com o revezamento do Mundial com a equipe dos Estados Unidos, que são a maior potência da natação, e a atitude deles como um time, de união, é muito clara. Eles conseguem exalar isso, o sentimento de time, de unidade, de um nadando pelo outro. Seria um desperdício muito grande se não aprendêssemos com isso.

Você se considera pronto para assumir o lugar de Cesar Cielo como principal nadador do Brasil? Isso aumenta a pressão por resultados expressivos?

Eu não tenho pretensão nenhuma de ser o astro, de ser o cara que é ‘o cara da natação’. Isso nunca foi meu objetivo. Mas, se é para ser esse cara, para ser o principal nome da natação, eu aceitaria esse papel como muita felicidade e bastante honra, mas nunca tive a pretensão de ser estrela. Antes de eu ser a estrela, penso primeiro em ajudar o Brasil a se tornar grande. Quem tem que ser visto como protagonista é o esporte, a natação, mas agora, se isso vai ser com Bruno Fratus, Leonardo de Deus, Joana Maranhão não importa. Isso é totalmente secundário.

Qual é o apoio que você passou a ter após o fim da gestão do Coaracy (na CBDA) e a entrada do novo presidente? Antes do último Mundial, a direção de natação da CBDA disse que os nadadores passaram a se sentir mais respaldados e a competirem sem uma cobrança exagerada que se viu, por exemplo, nos Jogos do Rio?

Eu não consigo falar da CBDA, pois não estou dentro da CBDA, mas eu e os outros atletas da seleção sentimos que há uma vontade muito grande da CBDA de trabalhar e evoluir. A gente sente deles a vontade de fazer bem para a natação e também de ajudar a base da natação, de fomentar a natação, de aumentar o número de praticantes no Brasil. O nosso potencial para poder criar grandes nadadores em águas abertas (para provas de maratona aquática) é uma coisa absurda, ao mesmo tempo em que a gente vê bastante criança talentosa nadando.

E como você vê este processo estando há alguns anos treinando e morando nos Estados Unidos?

A gente tem muito talento individual nos atletas, tem muitos técnicos, tem cientistas do esporte que trabalham no nosso País. A diferença entre Brasil e Estados Unidos é, em primeiro lugar, o número de praticantes, pois eles têm muito mais gente nadando hoje do que nós temos. E em segundo lugar a outra diferença é o número de piscinas, de centros de treinamento. Você cuidando bem da estrutura e ajudando a fomentar o esporte entre as crianças que estão em processo de formação, é meio caminho andado, pois o resto a gente já tem.

Você vem em uma grande temporada, com bons resultados desde antes do Mundial de Budapeste, onde confirmou a condição de um dos principais velocistas da natação hoje. Após este feito, até onde você acredita que pode chegar? É possível bater os recordes mundiais do Cielo, como por exemplo o dos 50m livre, então obtido em 2009 no fim da era dos trajes tecnológicos?

Com toda certeza, com certeza absoluta, é possível. Os tempos que foram feitos com os trajes de borracha são referências que a gente pode bater hoje em dia, mas não dá para ficando falando destes tempos porque a natação com trajes não existe mais. Hoje eu acredito que só existem os tempos (obtidos) sem trajes, o que me coloca como dono da terceira melhor marca da história nos 50m livre. Trajes não existem mais, mas recordes estão aí para serem batidos.

O sucesso no Mundial já lhe rendeu mais patrocinadores? O que mudou na sua vida desde então?

A única coisa que mudou na minha vida é que tenho duas medalhas na cabeceira da minha cama e tenho um monte de memórias incríveis daquele Mundial. Infelizmente a iniciativa privada no Brasil só começa a olhar para o esporte quando estão faltando seis meses para começar uma Olimpíada. Eu também não esperava que da noite para o dia eu fosse ‘virar o Conor McGregor’ (astro do MMA que já faturou milhões). Isso é uma coisa para você ter noção de não vai virar milionário com a natação. As melhores coisas que você pode tirar de uma situação dessa são as lembranças, como por exemplo quando consegui ver a minha esposa enquanto estava em cima do pódio. Tenho duas medalhas no criado mudo da minha cama e um dia vou poder virar para os atletas mais jovens e contar uma história sobre como foi conquistar isso.

Você acredita que o sucesso no Mundial significou uma recuperação do status do Brasil na natação, que ficou abalado com os fracassos na Olimpíada? Em que patamar você vê o Brasil hoje em relação às principais forças da natação?

Não tenho certeza total sobre isso, mas acho que o Brasil é hoje um dos países Top 10 do mundo. Não gosto desta palavra status, que é uma coisa que a mídia gosta de dizer, mas o reconhecimento vem com os resultados. Se você quer reconhecimento, você tem que ter resultado. E a Olimpíada no Rio não foi nenhuma mancha na história da natação brasileira, uma vez que também alcançamos várias finais e semifinais naquela competição no ano passado.

Já dá pra projetar como o Brasil poderá chegar a Tóquio-2020 na luta por medalhas? O que você já mira como principais objetivos pessoais para a próxima Olimpíada? É possível pensar em resultados expressivos também nos 100m livre?

Estou bastante confiante para os próximos anos, não posso dizer se vou ter ou não medalha, mas eu vejo que este último Mundial foi um sinal extremamente positivo não só para mim, mas para a natação do Brasil. Eu com certeza estarei sempre lutando para estar no revezamento 4x100m livre, que é um prova em que o Brasil tem bastante potencial, em que a gente pode ter bastante sucesso. Com certeza os 50m livre é a minha prova principal. E também tenho que estar nadando os 100m livre até para poder fazer parte do revezamento, mas para pensar em medalhas individualmente será preciso analisar ano a ano e ver como é que as coisas vão indo.

Após a medalha de prata no Mundial, em uma final que teve a presença do Cielo, você o exaltou como o maior velocista de todos os tempos e ressaltou que ele deixou um inabalável legado, mas Cielo ainda está na luta para poder reeditar os seus melhores momentos após a decepção de ficar fora da Olimpíada e encarar uma fase ruim de sua carreira. Você acha que ele ainda é capaz de lutar de igual para igual com os principais nomes da atualidade ou até almejar uma medalha olímpica nos 50m ou nos 100m em Tóquio?

Eu não gosto muito de falar em fases, eu acho que essa volta dele no Mundial já foi extremamente positiva. Todo mundo é humano e passa por altos e baixos. O próprio Usain Bolt deu uma demonstração disso (agora no último Mundial de Atletismo). O que diferencia os atletas é a capacidade de voltar de baixo, como o Cielo fez. Ele se mostrou forte. O fato de ter voltado de uma fase difícil desse jeito, voltando a fazer uma final, ajudando o Brasil a conquistar uma prata em um revezamento já pode ser considerado um grande sucesso. E eu reitero o que disse antes: o esporte tem o reconhecimento que o resultado traz, e o Cesar fez a natação a crescer como um todo.

Falando sobre os seus últimos períodos de preparação e nos próximos que virão, no que você conseguiu melhorar técnica e fisicamente e no que acha que precisa evoluir para conseguir feitos ainda mais expressivos neste ciclo olímpico?

Não tem nada pontual que eu precise melhorar. Vou continuar analisando as provas, e continuar essa evolução constante nesta base diária de treinamentos. Tudo deve ser gradual.

Você terá 31 anos quando competir em Tóquio-2020. Isso é um obstáculo a mais a superar diante da nova e forte geração de velocistas?

Acho que a idade não traz esse obstáculo hoje em dia. Na evolução dos treinamentos que temos hoje, você consegue ter picos no momento certo. Não adiantar ser um homem de 30 anos e querer treinar como um garoto de 17, assim como não adianta ter 17, se matar de treinar e depois não conseguir atingir o melhor desempenho nas competições.

Quem você aponta como os principais nadadores ou os mais promissores do Brasil atualmente?

O Vinicius Lanza é um nome e fiquei muito feliz com os resultados dele. Também fiquei animado com o Pedro Cardona na prova dos 100m peito (que ele venceu na semana passada no Troféu José Finkel). Ele tem tudo que precisa para estar presente nos Jogos de Tóquio. Vejo também a evolução do Brandonn (de Almeida, que aos 18 anos levou um ouro e um bronze no Pan de 2015). E um moleque que treina pesado e é muito legal ver ele treinando…

Muitas vezes você foi alvo de críticas por causa da sua personalidade forte, que colaborou para declarações polêmicas como por exemplo quando se irritou com uma repórter que lhe perguntou se ele estava triste após a final olímpica dos 50m dos Jogos do Rio. Você tem tentado controlar esses impulsos ou tem sido orientado na parte psicológica para não deixar que a mesma possa atrapalhar o seu desempenho nas competições?

Eu recebi bastante crítica, e bastante crítica em rede social. Tem dia que eu falava para minha esposa, Michele (Lenhardt, ex-nadadora), que se eu saísse na rua iria apanhar (risos). Mas não tem coisa que me irrita mais do que o politicamente correto. Com certeza eu não poderia ter respondido para ela (repórter do SporTV, Karen Duarte) daquele jeito (ao ironizar dizendo que estava ‘felizão’ com o sexto lugar na final dos 50m), mas sou humano, estava de cabeça de quente e dei uma resposta mal criada. Com certeza tento tomar o maior cuidado do mundo para não tratar as pessoas de forma rude, mas aquele foi um episódio isolado, não tenho vergonha nenhuma do jeito que eu sou. Não esperem de mim que eu seja um personagem, não vou ficar pagando de ‘garoto Capricho’ para servir como modelo de comportamento para os outros. Eu continuarei sendo como eu sou.