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França usa R$ 44 mi de prêmio da Copa em formação de talentos no interior do país

Na pequena cidade de Sciez, nem o frio de 6 graus Celsius parece reduzir a euforia de cerca de 40 garotos reunidos para um treinamento semanal. Com uniformes e um gramado decente, todos escutam com atenção as recomendações do treinador.

“Estamos treinando técnica”, comenta um dos garotos, mostrando como chuta com a parte interior do pé. São meninos de cinco a sete anos de idade. E são clubes como o de Sciez que começarão a receber os dividendo da conquista da seleção francesa na Copa do Mundo.

Meio ano depois de levantar a taça mais cobiçada do mundo, a Federação Francesa de Futebol (FFF) começa a distribuir parte do prêmio de 32 milhões de euros (cerca de R$ 141 milhões) na Rússia para seu futebol amador e juvenil, considerado como o celeiro de um país que passou a se acostumar a estar na elite do futebol mundial.

Os franceses foram campeões do mundo em 1998, campeões europeus em 2000, finalistas na Copa do Mundo 2006, finalistas na Eurocopa de 2016 e, neste ano, bicampeões mundiais. À reportagem do Estado, a FFF ressaltou que esses resultados são frutos de um trabalho de base “constante e em dimensões nacionais”.

Para 2019, a estratégia não muda e os dirigentes decidiram dividir em partes iguais o prêmio aos jogadores que conquistaram a Copa e os investimentos destinados a fortalecer os pequenos clubes amadores espalhados pelo interior do país.

Cerca de 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 44 milhões) serão usados para adquirir material e uniformes a todos os clubes com mais de cem garotos licenciados. Alguns critérios, porém, precisam ser cumpridos: o clube precisa ter uma escola de futebol ou um time feminino.

Os 10 milhões de euros se somam ao orçamento que já estava previsto de 86 milhões de euros (algo em torno de R$ 380 milhões) para o desenvolvimento do futebol amador e juvenil pelo país. Um compromisso, porém, une todos os clubes: revelar novos craques e manter a federação informada sobre o surgimento de novos talentos, em todos os cantos do país.

A expectativa da FFF é de que a nova conquista tenha levado a uma alta no número de inscrições nas escolinhas. Em 1998, depois da conquista do primeiro Mundial, foram 240 mil novos registros de garotos que queriam jogar em clubes amadores. A Eurocopa de 2016, realizada na França, ainda gerou um novo fluxo de garotos, com um aumento de 15% em comparação ao ano anterior.

Antes do Mundial de 2018, já eram mais de 2,1 milhões de pessoas inscritas oficialmente e centenas de clubes de regiões afastadas da França que não tinham mais condições de atender ao volume de garotos e seus sonhos de serem os novos “Mbappés” ou “Griezmanns”.

Os novos recursos, portanto, chegam em um momento ideal, inclusive para poder atender à nova demanda. Agora, alguns dos centros de treinamentos já começam a ter seus primeiros dados completos para 2019. Na região de Isere, o aumento de registros foi de 10%. Nas proximidades de Marselha, a alta chega a 41%.

“Vimos um aumento claro no número de garotos querendo jogar e iniciando treinamentos”, diz Jason da Costa, um dos treinadores do Sciez, equipe que entra em campo toda de preto. A cada sábado, ele leva garotos de cinco a sete anos a jogar por toda a região, em uma espécie de torneio com pelo menos mais oito clubes locais. “O impacto é claro da Copa é claro”, comemora. Hoje, são 220 filiados ao pequeno clube à beira do Lago Leman.

A FFF, além dos novos recursos, decidiu certificar mais 802 clubes de futebol para a temporada. Destes, 304 são dedicados exclusivamente aos mais jovens, enquanto outros 498 receberam o certificado de “Escola Feminina de Futebol”.

Outra iniciativa dos franceses para não perder o momento de euforia é o de usar outros 30 milhões de euros dados pela Uefa ainda pela Eurocopa de 2016 para incrementar a infraestrutura desses pequenos clubes, considerados como peças centrais de uma verdadeira rede de olheiros cujo objetivo é de preparar a nova geração de craques.

Não falta tampouco dinheiro para a formação fora de campo. Três milhões de euros (cerca de R$ 13 milhões) foram reservados para treinar dirigentes locais sobre como administrar seus pequenos clubes no interior. Para completar, 50 mil bolsas foram criadas para treinar educadores esportivos em todo o país.

Entre os dirigentes da FFF, o orgulho de ser um dos novos celeiros da Europa não consegue ser disfarçado. Em Paris, todos têm os números de memória: depois de brasileiros e argentinos, a França é quem mais fornece hoje jogadores à elite do futebol mundial. Em 2018, 732 deles estavam atuando pelo mundo, dos quais 92 no competitivo futebol inglês.

Para 2019, já há quem estime que os franceses irão superar a Argentina, com 760 jogadores espalhados pelo mundo. O Brasil, porém, ainda lidera com 1,2 mil atletas no exterior.

Na Copa do Mundo na Rússia, um total de 50 jogadores nascidos e crescidos na França atuaram por diferentes seleções, incluindo Portugal, Senegal, Marrocos ou Tunísia. O número, dizem os orgulhosos franceses, é superior ao total de brasileiros na Copa de 2018.

Num sábado de fim de outono na Europa, o grupo de garotos de Sciez se despede de mais um dia de torneio. São filhos de franceses, árabes, espanhóis, portugueses e latino-americanos. Mas basta um deles puxar a Marselhesa para que todos os demais sigam o coro, como se estivessem entrando em campo vestidos de azul e, agora, com duas estrelas no peito.

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