Aos 20 anos, o velocista Paulo André Camilo Oliveira vive duas realidades diferentes. Nas pistas, ele tenta quebrar um tabu histórico: correr os 100 metros abaixo dos 10 segundos. Com a marca de 10s06, ele é o favorito para superar Robson Caetano, que correu a prova mais nobre do atletismo em 10s em 1988. No restante do dia, Paulo vive os dilemas de quem acabou de sair da adolescência. Só colocou brinco quando fez 18 anos. Antes, o pai não deixou. Até hoje, a mãe liga para saber onde ele anda (ou corre). Sua história não precisa ser tão resumida só porque ele é o mais rápido do Brasil atualmente. Existem detalhes que merecem mais atenção.
Paulo André é a ponta mais afiada de um tridente que vem trazendo esperança ao Brasil nas provas de velocidade para o Mundial e os Jogos de Tóquio. As outras são Jorge Henrique Vides e Derick Souza, que correram os 100 metros em 10s08 e 10s10, respectivamente. Os três competem nesta sexta-feira no Troféu Brasil de Atletismo, em Bragança Paulista (SP). É o principal torneio da modalidade do País.
Paulo André construiu sua carreira em Vila Velha (ES). Embora represente o Esporte Clube Pinheiros nos torneios, ele treina longe dos principais centros de atletismo. É proposital. Ele e seu pai, Carlos Camilo, criaram um projeto social de iniciação esportiva que procura desenvolver o esporte em um Estado sem tradição no atletismo. Hoje, 30 crianças treinam lá. Tudo é improvisado: os cones são emprestados e os dardos para arremesso são feitos de bambu. Paulo começou a correr no projeto e se tornou o exemplo.
O pioneirismo trouxe uma fatura salgada. Até dois anos atrás, Paulo treinava em uma pista de terra. Sofria com lesões. Agora corre em pista de boa qualidade da Universidade Federal do Espírito Santo. A equipe de três profissionais que o acompanha foi formada na base da parceria. Eles não ganham nada. Faltam patrocinadores.
Seu pai também tem história para contar. Velocista na década de 1980, Carlos Camilo é o trampolim para o sucesso do filho. Embora tenha sido cortado dos Jogos de 1984 por lesão, ele correu no Mundial dois anos depois ao lado de lendas como Carl Lewis. Aprendeu os atalhos para um atleta de ponta. Literalmente. “O lado externo tem tanta influência quanto os treinos. É preciso calma para não sentir essa pressão por resultados”, diz.
Os dois tiveram dificuldade para separar os papéis de pai, atleta, filho e treinador. Para transmitir as orientações de técnico, Camilo se valia da autoridade de pai. Isso já melhorou.
A trajetória de Paulo André mostra um equilíbrio entre a herança genética e a influência do meio. Na infância, seu apelido era Foguete. Ganhava todas as corridas e era impossível fugir dele no pega-pega. Ganhou três bicicletas nas corridas nos Jogos Escolares. O talento nato foi lapidado pelo pai. Mas essa equação não veio pronta. Paulo quase foi jogador de futebol. Após ser aprovado em peneira do Bahia, sua mãe o fez pisar no freio. Não queria que o filho de 13 anos saísse de casa tão cedo.
Foguete não se arrepende. Continuou correndo sem a bola. Ele fala rápido, quase atropela as palavras. Agitado. Transmite aquela eletricidade dos jovens, que querem tudo para ontem, e uma centelha de campeão. Seu nome já está na história como recordista sul-americano. Agora, pensa em correr na casa dos 9 segundos. Os planos estão na ponta da língua do pai/treinador: final olímpica em 2020 e briga por medalha em 2024. “Seis centésimos (para baixar) não são nada, mas exigem treino e atenção aos detalhes. Estou tão longe, mas tão perto”, diz o jovem mexendo nos dois brincos brilhantes.