O ano de 1958 é emblemático para o futebol brasileiro. Afinal, foi quando a seleção conquistou a sua primeira Copa do Mundo. Naquela edição, o Brasil bateu a Suécia, donas da casa, por 5×2 na final, repleta de histórias, dentro e fora de campo.
Naquele jogo, a seleção vestiu pela primeira vez a camisa azul – uma vez que o uniforme titular era o tradicional amarelo, assim como o dos suecos. Com isso, de última hora foram atrás de tecidos para confeccionar as camisetas e pegaram o azul, com a justificativa de que era a mesma cor do manto sagrado de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, o que deu confiança aos jogadores.
Com a bola rolando, todos já sabem a história. Apesar de um susto inicial, com a Suécia abrindo o placar logo aos quatro minutos, a equipe manteve a calma, empatou pouco tempo depois e em seguida embalou para golear. Mas relembrar aquele confronto mostra o quanto o futebol evoluiu.
A começar pelos bastidores. Esqueça a Copa no “padrão Fifa”, como estamos tão acostumados. Pouca organização no campo, nada de cerimônia com as entradas dos times e até as transmissões mais simples, dentro do que se tinha de condições na época. Mas também não faltava a politicagem, com a rádio brasileira enaltecendo o então presidente da república, Juscelino Kubitschek.
Além disso, em campo parecia, em alguns momentos, que era outro esporte. Quando se fala do futebol de antigamente, e até vendo os melhores momentos, a percepção era de um jogo mais lento, parado. O que, para mim, virou uma mentira.
Pela primeira vez vi os 90 minutos daquela final, que foi pegada, lá e cá, com os dois times buscando o gol. Muito melhor que o futebol atual, com as equipes se contentando com um 1×0, ou se fechando na defesa em busca de contra-ataques, embora faltasse algo mais tático. Era bola no pé e direção para o ataque.
Mas tinha, sim, suas peculiaridades. A marcação era mais “frouxa”. Os jogadores não eram pressionados na hora que recebiam um passe e tinham até liberdade para conduzir a bola. E conforme iam se aproximando da área é que viam o adversário apertar, mas apenas cercando, sem dar um bote, e até recuando próximos da área, como no futebol moderno.
Outro ponto que chama a atenção é que até então era permitido se recuar a bola para o goleiro pegar com as mãos – algo que só mudou no futebol após a Copa do Mundo de 1990. Era até uma alternativa dos times para sair jogando e ganhar um respiro. Porém, desde aquela época já era visto os laterais cobrados com força para a área. Ou seja, apesar das diferenças, muitas daquelas alternativas das antigas foram voltando com o tempo.
O jogo
Analisando a partida, fica nítido como os países tinham suas próprias características. Enquanto a Suécia abusava das ligações diretas entre defesa e ataque, o Brasil jogava muito pelos lados, principalmente pela direita, com Garrincha sendo o escape, e Didi comandando a transição no meio-campo.
É bem verdade que a bola pouco parava no meio, muito por conta dos esquemas táticos da época (um 4-2-4 ou 3-2-5 até), que priorizavam o setor ofensivo, com quatro jogadores, e poucos articuladores. Isso também explica as jogadas de chutões dos suecos.
O principal armador dos donos da casa era Gunnar Gren, no auge dos seus 38 anos. No primeiro tempo, comandou as jogadas, mas com a idade já avançada – ainda mais para a época, que também não permitia substituições -, foi cansando e perdendo ritmo, o que foi sentido por sua seleção.
Tanto que o começo foi lá e cá e a Suécia rapidamente abriu o placar, aos quatro minutos. Em cima da liberdade da marcação já citada, Liedholm fintou três marcadores, de forma até tranquila, um de cada vez, sem eles fecharem os espaços, e chutou para as redes.
Mas logo na saída de bola a seleção brasileira já foi para cima e quase empatou com Garrincha. O mesmo Garrincha que se tornou decisivo para a virada, que saiu em jogadas bem parecidas. Aos 8 e aos 31, o atacante fez jogada individual pela direita e cruzou rasteiro para Vavá, nas duas vezes, aparecer entre os zagueiros na área e só empurrar para o gol.
Aliás, o domínio brasileiro ia aumentando e mostrando a sua superioridade, nem tanto na questão tática, mas no talento individual. Só de ver a partida impressionava como aquele time era muito forte e tinha qualidade, com trocas de passe entre quase todos os jogadores.
Os laterais subiam para apoiar, dando uma opção a mais, embora não chegassem tanto à linha de fundo, até para não deixar os zagueiros la átras sobrecarregados.
No segundo tempo, com dez minutos, veio o terceiro, no gol da Copa, marcado por um garoto de apenas 17 anos, que esbanjava talento em campo. Na jogada, Pelé recebeu cruzamento da esquerda de Nilton Santos, dominou, chapelou o marcador e chutou para o gol. O lance é visto e revisto até hoje, mas não foi um improviso da hora, mas sim uma alternativa do atacante.
No primeiro tempo, ele quase fez um gol em uma jogada muito semelhante, aos 43 minutos, mas o goleiro fez a defesa. Sinais de que Pelé seria realmente decisivo. Em alguns momentos o atacante, que por desses acasos do destino vestiu a 10 da seleção (a numeração foi definida por sorteio), ficava sumido em campo, mas bastava ter uma oportunidade para brilhar e criar boas jogadas, sem se intimidar.
O quarto gol contou com uma rara dividida em jogo. Diante da marcação cercando o adversário, sem ir para cima, a bola tinha espaço para ser rolada. Só que Zagallo não se contentou com isso, e em uma sobra na área dividiu com o zagueiro no chamado “pé de ferro”, ficou com a bola e chutou.
Com o 4×1 no placar, o Brasil ia se aproximando do titulo, muito também diante da postura do adversário. A Suécia não parecia demonstrar uma ansiedade para buscar ao menos o empate. Seguia o seu formato de jogo normal, a ponto de a bola sair pela linha de fundo e nenhum jogador correr para buscá-la e colocá-la em jogo rapidamente. Mas indo buscar lentamente, repassando para o goleiro, como se estivesse tudo bem.
No final, ainda saíram dois gols. Aos 35, os suecos descontaram com Simonsson, completamente livre na área, e, aos 46, veio mais um de Pelé, que tocou de calcanhar para Zagallo e depois recebeu o cruzamento para cabecear e definir com goleada a primeira conquista mundial do Brasil.
Confira o jogo na íntegra
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