Na sigla CBF, a letra C significa Confederação, mas entre alguns investidores do mundo do futebol a ironia é que ela bem poderia ser trocada pela palavra Catar. Contratos e e-mails obtidos pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo na Suíça, em Londres e em Doha revelam que a relação entre a cúpula da entidade brasileira e os comandantes do país árabe, suspeito de ter comprado a Copa do Mundo de 2022, é profunda.
Entre os investigados está Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e a própria entidade brasileira. Teixeira votou no Catar e chegou a declarar isso publicamente. O jornal apurou que as relações entre o ex-cartola, que por muito tempo foi um dos homens mais poderosos do Brasil, por causa da Copa do Mundo, e as autoridades do Catar eram mais do que estreitas.
Os indícios contra Teixeira são vários. Eis um deles: duas semanas antes de o Catar ganhar o direito de sediar a Copa do Mundo, o ex-presidente da CBF voou em um jato privado de Mohamed Bin Hammam, um dos suspeitos de operar as propinas para garantir que o Mundial fosse dado ao país árabe. Teixeira estava no avião com sua mulher e sua filha.
A viagem ocorreu entre Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e Doha, às vésperas do jogo amistoso promovido pelo Catar na capital do país entre Argentina e Brasil, em novembro de 2010. Naquela partida, o Catar distribuiu um cachê de US$ 14 milhões (R$ 31,5 milhões, em valores atuais) para as seleções, que normalmente recebem cerca de US$ 1,2 milhão (R$ 2,7 milhões) por amistoso.
Até a publicação dessa reportagem, os organizadores da Copa de 2022 não responderam às perguntas feitas pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre o voo de Teixeira. Um ano depois do amistoso, Teixeira apoiou Bin Hammam em sua campanha para a presidência da Fifa. A tentativa do ex-presidente da Confederação Asiática de Futebol, entretanto, foi frustrada por um escândalo de pagamento de propinas.
Acordo
Outro indício contra Teixeira é o acordo fechado em 2012 entre a CBF e a empresa árabe ISE, que passou a ter os direitos sobre os amistosos da seleção até 2022, justamente o ano da Copa do Catar.
O que mais chamou a atenção dos investigadores da Fifa foi o fato de a empresa ser a mesma que, de maneira inexplicada, fez depósitos milionários na conta de Bin Hammam enquanto ele era o presidente da Confederação Asiática.
A auditoria, preparada pela empresa PriceWaterhouse Coopers (PwC), constatou que US$ 2 milhões (R$ 4,5 milhões) foram pagos pela ISE para uso pessoal de Bin Hammam. Além disso, a Al Baraka Investment – empresa ligada à ISE – pagou mais US$ 12 milhões (R$ 27 milhões) ao catariano.
Os responsáveis pelo trabalho de investigação ficaram alarmados ao descobrir que o dinheiro dado por essas empresas a Bin Hammam passou pelas contas da Confederação Asiática. “É altamente incomum que recursos (especialmente no montante detalhado aqui) que aparentemente eram de benefício pessoal do Sr. Bin Hammam fossem depositados em uma conta bancária de uma organização”, diz um trecho da auditoria, obtida pela reportagem.
“Diante das recentes alegações que cercam Sr. Bin Hammam, é nossa avaliação que há uma significativa suspeita de que a AFC (sigla em inglês para a Confederação Asiática) tenha sido usada como um veículo para lavar recursos e que esses recursos foram creditados ao ex-presidente para um uso indevido (risco de lavagem de dinheiro)”, indicou a auditoria. “A AFC pode ter sido usada como veículo para lavar dinheiro e para o pagamento de propinas.”
As investigações se debruçaram também sobre a relação entre a CBF e a empresa que de fato opera os jogos da seleção até 2022, a Pitch. Nos primeiros meses da gestão de José Maria Marin, colocado na entidade por Teixeira, ele assinou um acordo com a empresa para operar os jogos até 2022.
Em seu site, a empresa explica que foi criada em 2004 por Paul McGrath, Hans Duikersloot e Jon Owen. Jonathan Rogers e Jon Varney entraram na empresa em 2012. O que mais chamou a atenção dos investigadores foi o fato de que, em reuniões da Associação Inglesa de Futebol, Sir Dave Richards, presidente da Premier League (a liga da Inglaterra), disse: “Pitch é Catar”. A empresa nega.
Outras conexões
O Catar não tem uma relação especial apenas com o Brasil. Os árabes transferiram para países em desenvolvimento importantes recursos para o que seria um projeto para encontrar novos craques. Mas os locais onde esse programa atuou são justamente países onde existem cartolas que, na Fifa, votam em decisões importantes sobre o futebol mundial.
A reportagem obteve o contrato firmado entre a academia montada pelo país árabe, a Aspire, e uma empresa de propriedade de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona. Rosell recebeu mais de 2,3 milhões (cerca de R$ 7 milhões) para organizar as “peneiras” e buscar craques.
Entre os países escolhidos, estão o Paraguai, a Costa do Marfim e Camarões. Na Fifa, os cartolas dessas três nações tinham poder de voto na escolha da sede da Copa do Mundo de 2022.