O presidente da Fifa, Joseph Blatter, anunciou ontem na sede da entidade, em Zurique, que será proibida a participação de investidores nos direitos econômicos de jogadores de futebol. O período de transição ocorre até março e o prazo para o mercado se adaptar ao novo sistema vai variar entre três e quatro anos, ou seja, de seis a oito janelas de transferências.
Segundo estudo da KPMG, empresa de consultoria e auditoria, investidores – que não sejam os clubes – detém de 3,7% a 7,8% dos valores de mercado da Europa. O montante pode chegar a R$ 3,3 bilhões, envolvendo 1.100 jogadores.
Esse investimento de terceiros em direitos econômicos de atletas é vetado em alguns países europeus, como França e Inglaterra. Na Alemanha, por exemplo, existe uma limitação na participação nos fundos. Espanha e Portugal, por outro lado, não possuem essa restrição. Os portugueses têm 36% de seu mercado controlado por grupos.
Na América do Sul, essa prática é muito comum também. No Brasil, entretanto, ainda não há algo que detalhe exatamente esse percentual fatiado entre grupos e clubes de futebol, mas especula-se que chegue a 80%. Casos como de Neymar, Paulo Henrique Ganso e Damião demonstram o quanto esses grupos de investidores são essenciais para mantê-los nos times brasileiros.
Empresários paranaenses
Em Curitiba, um caso emblemático pode ser visto no Paraná Clube. A diretoria, desde 2005, trabalha em parceria com empresas para trazer atletas e reforçar seu elenco. Anteriormente, a LA Sports foi essa prestadora, que no período ganhou um título paranaense, em 2006, além de ajudar na vaga para a Libertadores do ano seguinte.
Após alguns problemas internos, clube e empresa acabaram se afastando e voltaram a ter contato em 2011. Neste período, inclusive, o Paraná também iniciava outra parceria, com a Amaral Sports, que atualmente é a principal e ajuda na captação de atletas.
O empresário Marcos Amaral, após receber a notícia da nova determinação da Fifa pela reportagem da Tribuna 98, disse que vê com bons olhos essa ideia e garante que pouca coisa mudará em seu trabalho. No momento, sua empresa possui direitos econômicos de mais de 30 atletas espalhados pelo time paranaense e Brasil.
“É uma determinação válida para favorecer os clubes e isso é sempre bem-vindo. Recebo muito bem essa notícia, porque os clubes perderam força nessa questão. É uma ideia maravilhosa desde que a Fifa consiga implantar um sistema com bons olhos. O empresário tem que ser sempre a última opção, pois vem pra somar e o clube tem que ter sim esse controle. Hoje, infelizmente, muitos empresários acabam mais atrapalhando do que somando. Eu ajudo na captação, na venda e não vai mudar em nada. Se não tiver direitos econômicos, vou ser um prestador e trabalhar na consultoria em cima dos clubes, ajudando no que já ajudo agora” , analisou.
Com aproximadamente 47 atletas nos três times da capital, além de centenas de meninos das escolinhas do Trieste, Rafael Stival também está com nome forte no ramo. Os jogadores Luccas Claro, Léo Pereira, Marcos Guilherme e Marcos Serrato estão entre os mais conhecidos.
“Meu trabalho é mais em formação de jogadores, visando colocá-los dentro do clube. À primeira vista, acaba com esse tipo de negócio e eu não viria mais a investir nisso. Muitos clubes formadores vão desaparecer, com toda certeza. Já aos direitos econômicos, os clubes vão ter muitas dificuldades, pois esses grupos fomentam o mercado, aumentam os valores dos jogadores nas transações e assim não vai ter quem invista em atletas, pois os times não possuem condições financeiras. Os clubes são muito dependentes e ainda temos que analisar os termos propostos concretamente pela Fifa. Mas vejo que o mercado vai perder muito” , analisou.
No interior, a causa também &,eacute; vista com bons olhos. Sérgio Malucelli, presidente da SM Sports, que tem parceria desde 2010 com o Londrina e também já fez a gestão do Iraty até o mesmo ano, pede à Fifa olhar para a questão dos empresários. Malucelli, que também é deste ramo, critica o modo como alguns profissionais agem com os clubes.
“É uma boa medida, mas não é a mais importante. O empresário também precisa ter algo regulamentado, na procuração do atleta. Acredito que isso vai beneficiar os clubes, porque ele precisa ser mais independente e uma grande parcela está nas mãos de empresários. Os problemas financeiros que clubes enfrentam, muitas vezes, são justamente nesta negociação com esses profissionais, que abusam do preço do passe e dos altos salários. Difícil ter meio termo. Essa determinação vai melhorar esse aspecto, mas é preciso fazer mais e focar no trabalho dos empresários e agentes”, finalizou.
Clubes
Através da empresa Atletas Brasileiros S/A, criada na metade de abril de 2013, a diretoria paranista quer se transformar em uma empresa de capital aberto. Assim, o Paraná é o acionista majoritário, com 67% das ações e, em contrapartida, cedeu os direitos econômicos de 59 atletas na época. De acordo com o site da empresa, atualmente 57 jogadores estão vinculados.
Para lucrar, o clube vende esses atletas ou ações dos mesmos. O clube é quem tem os direitos econômicos, o que dá uma segurança jurídica ao investidor. Porém, passado quase um ano e meio, a questão está parada no momento.
Os jogadores mais representativos não atuam no Paraná: o goleiro Luís Carlos, com 50% dos direitos, está no Ceará. O zagueiro Alex Alves, 55%, é reserva do Goiás na Série A. O volante Marcos Serrato e o atacante Carlinhos, com 50% e 55%, respectivamente, estão no atual elenco profissional e são promessas das categorias de base. No balanço financeiro de 2013, o clube recebeu R$ 2,1 milhões.
O Coritiba, através do presidente Vilson Ribeiro de Andrade, garante que o clube alviverde não terá dificuldades com a nova determinação, pois não vê muitos atletas fatiados em seu elenco. Mas acredita que, diferente do visto no Alto da Glória, os demais clubes brasileiros vão encontrar dificuldades pelo caminho para se adaptar.
“Não vejo problema ao Coritiba, porque temos poucos investidores aqui dentro. Mas, no futebol como um todo, eu olho com muita preocupação. Muitos clubes têm fundos de investimentos, como o São Paulo e Santos, além do Cruzeiro e outros. É uma medida que precisa aguardar a regulamentação, mas acho que tem que ser aplicada aos poucos, pois existem contratos longos e precisam ser obedecidos. Os clubes estão fragilizados, dependentes dos empresários futebolísticos. Esses, inclusive, possuem participações nesses direitos econômicos dos atletas e acho que isso não seja muito coerente e até certo. Mas analisando, primeiramente, vejo como algo positivo”, aposta o mandatário coxa-branca.