Jogador dormindo no chão do ônibus, time fixando o escudo na camisa com grampeador, uma delegação inteira “presa” num hotel para evitar calote no pagamento das despesas, jogador reclamando de ter atuado com fome por falta de alimentação, greve… A vida é dura nos clubes pequenos do futebol brasileiro, e muitos dos quais não terão o que fazer com o fim dos campeonatos estaduais.

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Dinheiro curto, estrutura precária e em muitos casos administrações danosas expõem quem habita esse lado B da bola a risco constante de passar por situações desagradáveis e constrangedoras.

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Há casos pitorescos como o do Andirá, do distante Acre. Num jogo com o Alto Acre, a equipe estreou novo uniforme (comprado em loja), que teve os escudos colados nas camisas em uma malharia de Rio Branco. Porém, o serviço foi malfeito e os distintivos começaram a descolar durante o aquecimento, com o suor dos atletas.

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Como o time não poderia jogar com uniforme incompleto, o jeito foi recorrer a um grampeador, clipes e esparadrapo para fixar os escudos nas camisas. “A gente estava no campo quando o juiz avisou que teríamos de resolver o problema. Do contrário, o time iria perder por W.O. Aí, demos um jeito’’, disse o vice-presidente do “Morcego’’, João Renato, à reportagem do Estado. Menos mal que o Andirá venceu o jogo, de virada, por 3 a 2, e se livrou do rebaixamento no Acreano.

O União Barbarense não teve a mesma sorte e já está rebaixado para a Série A3 do Paulista – encerra neste domingo sua participação na A2, contra o Capivariano. A queda é o capítulo final de meses da penúria financeira que levou a situações inusitadas. Como a que ocorreu antes de confronto com o Batatais. Para economizar na hospedagem, o elenco viajou no dia da partida e, para descansar, os jogadores dormiram no chão do ônibus.

O fato incomum incomodou o meia Melinho, ídolo da torcida – essa é sua sétima passagem pelo clube -, que aos 37 anos já havia pendurado as chuteiras, mas decidiu voltar aos campos para tentar ajudar o time. “É olha que aquele ônibus ainda era bom. Tinha Wi-Fi e ar-condicionado. Depois daquele jogo, viajamos em ônibus bem piores. (A situação) é das piores que já passei’’, disse o jogador, que registrou em foto o descanso de seus companheiros durante o trajeto de 238 quilômetros entre Santa Bárbara D’Oeste e Batatais.

FOME – Há, porém, situações que de engraçadas não têm nada. Como a vivida por jogadores do Central de Caruaru num confronto com o Náutico pelo Campeonato Pernambucano (derrota por 5 a 0). Após a partida, o zagueiro Sanny Rodrigues disse ter jogado com fome. “Nós almoçamos ao meio-dia e depois não teve mais nada. Nem lanche, nem nada”, reclamou – o jogo começou às 19h30.

O caso gerou até a abertura no Conselho Deliberativo do Central de processo de impeachment do presidente Licius Cavalcanti. Mas o gerente de futebol do Central, Adrinaldo Barbosa, nega que os jogadores tenham passado fome. “Eu fiquei até surpreso, porque ele sabe que isso não aconteceu. Naquele jogo estavam relacionados 20 atletas e nenhum outro reclamou.’’ Barbosa acredita que Sanny, “que tem 20 anos e grande futuro”, foi orientado por agentes a criar tumulto para forçar sua saída do clube. O zagueiro permanece no Central.

Os jogadores do Batatais, sexto colocado na Série A2 do Paulista, também reclamaram várias vezes durante o torneio de deficiência na alimentação. Mas sufoco mesmo passaram antes de um jogo com o Taubaté, no Vale do Paraíba. Foram impedidos de sair do hotel onde se hospedaram porque o clube havia pago apenas parte das despesas.

A liberação só ocorreu quando o pagamento total foi feito. Com isso, a delegação chegou ao estádio em cima da hora e o jogo começou com a atraso. Apesar do constrangimento extracampo, o time venceu o Taubaté fora de casa por 2 a 1.

O caso aconteceu em fevereiro, e depois disso o então presidente Andre Toffetti renunciou. Reinaldo Barbo assumiu e, com a ajuda do Conselho Deliberativo do clube, tenta colar os cacos. “A culpa foi da administração (anterior) do Batatais. Desde assumimos não tivemos mais problemas, nem com hotel nem com alimentação.’’ Mas os problemas não acabaram: os jogadores ainda têm dois meses de salários atrasados.

O atraso nos pagamentos já levou os atletas a fazerem greve. Detalhe: a paralisação aconteceu um dia antes do jogo com o Taubaté e foi encerrada para não deixar o clube na mão. Aí, chegando do Vale do Paraíba, o time acabou “preso” no hotel.