Para a quase totalidade dos atletas, um ciclo olímpico dura quatro anos. Para Laís Souza, será apenas de seis meses. Depois de acumular lesões, ficar praticamente sem competir por quatro anos e chegar a ser convocada para a Olimpíada de Londres para depois ser cortada já na Inglaterra, com uma fratura na mão, a agora ex-ginasta tem um novo desafio. Ela tentará aprender a esquiar, se classificar para os Jogos de Inverno de Sochi e defender o Brasil na prova olímpica do ski aerials que acontecerá em fevereiro na Rússia. Tudo isso superando as “12 ou 13” cirurgias pelas quais já foi submetida na carreira, desde que surgiu como promessa na Olimpíada de Atenas, em 2004, aos 16 anos.

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Contemporânea de um geração da ginástica artística brasileira que tinha Daiane dos Santos e Daniele Hypólito, Laís Souza fez parte da seleção por muitos anos e conquistou alguns resultados importantes – seu aparelho mais forte era o salto. Disputou duas edições da Olimpíada, em Atenas/2004 e Pequim/2008, mas teve a carreira bastante atrapalhada por conta das lesões.

Aos 24 anos, ela só esquiou duas vezes na vida. Uma, quando viajou ao Chile nas férias. Outra, no último dia 31 de maio, quando a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) realizou em São Roque (SP), no seu futuro centro de treinamento no Ski Mountain Park, uma seletiva aberta. O único critério da chamada era: “ter habilidades de equilíbrio e acrobacias na cama elástica”. Laís Souza, que já havia decidido tirar férias da ginástica, recebeu uma ligação e apareceu na seletiva.

“Não aguento mais operar. Quis tirar um tempo para eu me dedicar a outras coisas que eu gosto, como fazer massagem. Queria fazer um curso de DJ, coisas que eu tenho vontade, mas que não dava para fazer enquanto competia”, contou Laís Souza, que agora decidiu abrir mão desses sonhos pela aventura de tentar a sorte numa nova modalidade e, quem sabe, ir à sua terceira edição dos Jogos Olímpicos – a primeira de inverno. “Estou muito motivada”, garantiu.

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O projeto da CBDG, que está montando um centro de treinamento em São Roque, é ambicioso e passa pela contratação do canadense Ryan Snow, que treinou por cinco anos a australiana Lydia Lassila, medalhista de ouro nos Jogos de Inverno de Vancouver, em 2010. O treinador é casado com uma brasileira, está aprendendo o português e se encaixou perfeitamente no projeto do presidente da entidade, Stefano Arnhold.

“Eu sempre quis desenvolver o aerials, mas só agora consegui colocar em prática”, disse o presidente da CBDG. O argumento é que a prova, que faz parte da modalidade esqui estilo livre dentro do programa olímpico, costuma consagrar atletas de países sem muita tradição nos esportes de inverno. Em Vancouver, por exemplo, a Austrália conquistou uma das suas três medalhas no aerials. A China, três das suas 11. E a Bielo-Rússia, seu único ouro.

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Segundo Ryan Snow, isso se dá porque a prova privilegia o movimento acrobático, e não o deslocamento sobre o esqui. “Eu acredito que ensinar a esquiar é mais fácil do que a fazer acrobacia, que é um dom. Seu corpo realmente precisa saber trabalhar com o cérebro para saber onde ele está no ar. Esquiar já é uma coisa atlética. Você não está realmente introduzindo novo espaço ou posições corporais apenas ensinando técnica”, explicou o treinador, que recebeu apenas duas atletas na seletiva em São Roque: Laís Souza e Joselane dos Santos, a Josi, também uma ex-ginasta, de 28 anos. Deveria escolher uma, mas viu potencial nas duas e convenceu a CBDG a convocar ambas.

O esqui aerials é a prova mais plástica na neve. O esquiador parte do alto de uma plataforma, alcança a velocidade de até 70km/h sobre o esqui, sempre em linha reta, e é jogado para o alto ao chegar ao final do kicker. Ali, executa movimentos acrobáticos que são julgados pelos juízes. Obviamente, vence quem tiver a maior nota. Depois, uma boa aterrissagem é altamente recomendada.

Assim que conheceu Laís Souza, Ryan Snow montou um programa de treinamento pensando nela e nas mais de uma dezena de cirurgias pelas quais a ex-ginasta passou – a última delas foi em janeiro deste ano, para retirar uma placa e sete parafusos que carregava na perna direita.

“Meu plano para ela passa por ter certeza que ela é forte. Vamos trabalhar no fortalecimento dos pequenos músculos ao redor das articulações e usar um plano estruturado para deixar tudo intacto. Os saltos são de 3,5 metros e o atleta chega a ficar a 5 metros do chão de pouso. Vamos fazer tudo aos poucos”, disse Ryan Snow, negando que o esporte seja perigoso para quem já teve tantos problemas físicos.

Apesar de toda a preocupação do treinador canadense – que recebe recursos do Ministério do Esporte -, o staff de Laís Souza não abriu mão de um acompanhamento médico na equipe técnica. Foi isso, aliás, que atrasou a assinatura de um contrato entre a atleta e a CBDG, o que só aconteceu nesta quarta-feira à tarde, quase um mês depois da seletiva.

Já na próxima segunda-feira, Laís Souza e Josi embarcam para Whistler, no Canadá, onde vão começar a preparação. As ex-ginastas irão aprender a esquiar e também irão treinar numa rampa que termina numa piscina, praticando os saltos. “Vamos treinar com os melhores do mundo”, prometeu Ryan Snow. Em seguida, a equipe se junta à seleção australiana em Park City, nos Estados Unidos.

A classificação para os Jogos de Sochi é absolutamente plausível. Duas das 25 vagas colocadas em jogo não têm concorrentes. Na prática, basta acertar um bom salto (um duplo, aposta Stefano Arnhold, seria suficiente) numa das quatro etapas da Copa do Mundo que acontecerão entre meados de dezembro e o dia 19 de janeiro. O aerials feminino, porém, tem poucas atletas de alto rendimento: uma canadense, duas casaques, duas russas e uma suíça, além de atletas de Austrália, China, Estados Unidos e Ucrânia, que já estouraram a cota de quatro esquiadoras por prova para a Olimpíada. Só esse grupo restrito participou das etapas da Copa do Mundo e do Mundial da última temporada.

Virtuais concorrentes, portanto, só países sem nenhuma tradição no esporte como o Brasil. Nos Jogos de Vancouver, em 2010, essas mesmas duas vagas não foram preenchidas e apenas 23 esquiadoras competiram na prova do esqui aerials.

Stefano Arnhold disse ainda não saber quanto custará para tentar levar duas ex-ginastas aos Jogos de Sochi. E garante que o projeto do esqui aerials não tira dinheiro de outras modalidades. Segundo ele, o Brasil tem condições de levar até outros cinco atletas à próxima Olimpíada de Inverno.