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‘Esse é um grito de socorro. A impunidade dói mais do que a tragédia’, diz Neto

Depois de quase três anos de uma das maiores tragédias esportivas do mundo, quando o voo 2933 da LaMia, com jornalistas e a delegação da Chapecoense, caiu na Colômbia, fazendo 71 vítimas fatais, o zagueiro Neto, um dos seis sobreviventes, vive duas situações distintas. Dentro de campo, ele afirma que passa por seu melhor momento físico e emocional e prepara a sua volta aos gramados, ainda sem data definida. Ele nunca mais atuou depois da tragédia do dia 28 de novembro de 2016. Fora, Hélio Hermito Zampier Neto se tornou um dos líderes do movimento que cobra indenizações das seguradoras.

Até agora, as famílias receberam apenas o seguro obrigatório previsto na Lei Pelé feito pela CBF e Chapecoense. Algumas famílias aceitaram um acordo e abriram mão de ações na Justiça. Nesta segunda-feira, Neto, familiares e advogados vão fazer um protesto em frente à sede da Aon, multinacional baseada Inglaterra, que eles alegam ser a corretora do seguro daquele voo.

Apenas três jogadores da Chapecoense que estavam no avião sobreviveram. Por causa das lesões causadas pelo acidente, Neto até hoje não conseguiu voltar a atuar. O goleiro reserva Jackson Follmann teve a perna direita amputada. O meia Alan Ruschel retornou aos gramados em agosto de 2017 e hoje está no Goiás. Entre eles, apenas o zagueiro vai participar do protesto.

Quem deve ser responsabilizado pela tragédia da Chapecoense?
A responsabilidade pela tragédia da Chapecoense tem de ser de todos aqueles que estão envolvidos e que erraram de certa forma naquele dia. Todos tiraram o corpo fora da responsabilidade. Eu sei como funcionam as coisas. O ser humano ainda é assim. Dificilmente a gente encontra pessoas que assumem a responsabilidade pelos seus erros. Não foi só o piloto. É só ver o seguro feito, os erros que foram cometidos. Isso já diz tudo sobre quem errou. Tivemos países envolvidos e também agências, seguradoras, resseguradoras. O contrato que estava em inadimplência, mas essa informação não chegou para nenhum órgão que pudesse impedir o voo. Erros atrás de erros. Todos são escondidos. O erro final foi a tragédia. Nossa luta em Londres passa por isso.

Como está a briga das famílias para conseguir as indenizações?
É muito importante a luta das famílias para conseguir as indenizações. Eu estou com elas. O que eu puder fazer para ajudar essas famílias, vou fazer. Toda a culpa foi colocada no piloto que morreu. Isso é muito fácil já que ele não tem como se defender. Acho válido e apoio todas as famílias que estão nessa luta. Eu luto pelo minha família e por todas as outras. Não é algo por interesse financeiro. É para protestar, pelos nossos direitos. E as pessoas estão tentando esconder e tentam deixar de pagar essas indenizações. São os nossos direitos.

Depois de três anos, qual é o seu sentimento sobre essa luta?
A impunidade dói mais do que a tragédia. A tragédia tem de ser superada. Depois de tudo o que se passou, os sobreviventes têm de tentar superar. Mas ao observar o outro lado de toda a tragédia, a gente vê um momento de impunidade. O que mais me magoa e o que mais me chateia é a impunidade. Para a seguradora, aqueles que fizeram os contratos e também para os países envolvidos, nós somos números que aconteceram e ficaram para trás.

Logo após a tragédia, você evitou entrevistas e falou pouco sobre o tema. O que significa falar sobre a tragédia e participar de evento como a audiência no Senado, por exemplo?
Não é só mais uma fala para que conheçam a história. É um grito de socorro. A audiência no Senado foi importante para que as pessoas pudessem saber o que a gente passou e o que estamos passando. Não é só para contar história. É a luta das mulheres dos meus companheiros que se foram e dos outros familiares. É preciso mostrar o que estamos passando depois de três anos, os dados que não foram cobertos. O seguro não foi pago. Tanta injustiça, tanta impunidade. Tenho de falar para que as pessoas possam nos ajudar.

Quais os traumas que ficaram da tragédia?
Tive uma dificuldade grande de andar de avião novamente. Eu não ando de forma confortável como sempre andei. Minha família também ficou com trauma, principalmente meus filhos. Tenho um casal de gêmeos. Eles sofreram muito com a tragédia. Eles têm medo de avião. Isso não alcançou só o Neto, mas também minha família. É algo que ainda fica impregnado nas nossas vidas. Quando você toca no assunto, meus filhos começam a chorar. Além da parte física, que não é a mesma, claro. Não posso nem reclamar disso. Depois de todos os traumas que tive, estou muito bem, sobrevivi. Algumas coisas ainda pesam para um atleta profissional. Tenho de me adaptar, mas já estou conseguindo fazer isso. As dores pelo corpo ainda ficaram.

Quais as lembranças que ficaram depois de três anos?
Tenho todas as lembranças possíveis do acidente. Eu me lembro principalmente dos momentos antes da tragédia. Eu me lembro de olhar para meus companheiros no avião. Olhar para o grande amigo que perdi, o Bruno Rangel, centroavante da Chape, maior artilheiro da história do clube. Era um ídolo para mim e fez muito pelo time. Eu me lembro do momento de oração quando as luzes se apagaram antes de o avião cair. Eu me lembro de perceber que o avião não estava mais ligado, respirar fundo e orar.

Como você está fisicamente?
Estou no meu melhor momento depois da tragédia. Consegui uma recuperação muscular depois de ter perdido muita massa magra e todo meu condicionamento físico de atleta. Foi um pouco mais demorado para recuperar a condição, também por conta das lesões. Mas estou no meu melhor momento.

E emocionalmente?
Eu me sinto muito fortalecido e equilibrado. Desde o início, sempre tive mentalmente muito fortalecido por Deus, que me deu todo o consolo e colocou ao meu lado pessoas que pudessem me ajudar. Logo depois da tragédia, foi tudo muito pesado. Tristeza muito grande. Estou na minha melhor condição psicológica dentro de tudo o que aconteceu.

Quando vai voltar a jogar?
A possibilidade de voltar a jogar é boa. É um grande desejo meu voltar a jogar. Queria voltar para encerrar a carreira que foi desajustada de forma tão trágica. Eu tinha planos, tinha uma carreira pela frente. Estava certamente no melhor momento da minha carreira. Depois de tudo o que aconteceu, quero tentar voltar para jogar um pouco mais e tentar ajudar a Chapecoense nesse tempo que me resta dentro do futebol.

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