Pressionado após a segunda derrota em clássicos no ano, o técnico Dorival Junior diz que não há como exigir um futebol melhor do São Paulo neste início de temporada. O principal problema para ele é o calendário apertado e o tempo reduzido para treinos. Dorival vê a questão inserida em um contexto maior no futebol, que tem a ver com a governança do esporte no País.
Nesta conversa com o Estado, realizada antes da derrota por 1 a 0 para o Santos, no último domingo, Dorival desabafa sobre a gestão do futebol brasileiro. Ele quer que os clubes tenham mais poder com a CBF e mais discussão antes de tomadas de decisão sobre tópicos que, em sua visão, podem prejudicar a qualidade do futebol no País.
O atual cenário, para Dorival Junior, causa “covardias” como a demissão constante de técnicos e demonstrações históricas de como o futebol nacional vai mal, como a derrota da seleção brasileira por 7 a 1 para a Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo de 2014.
Para Dorival, nenhum momento de sua carreira foi mais difícil do que tentar fazer o São Paulo reagir no Campeonato Brasileiro de 2017. Contratado em julho, depois da demissão de Rogério Ceni, ele disse ter encontrado um elenco desmotivado e sofrido com transferências.
O treinador exaltou o comprometimento de pessoas no clube, e da torcida, essenciais, em sua visão, para a reação do time, que no fim do torneio não só fugiu do rebaixamento, mas acabou se classificando para a Sul-Americana. O treinador contesta um dos principais lemas da torcida em 2017 para fazer um alerta: “Ouvi em alguns momentos que ‘time grande não cai’, mas cai sim.”
Com a reformulação do elenco, você já tem definida uma equipe ideal para 2018?
Quem vai confirmar isso são os resultados e o dia a dia. Tem jogador com só três jogos com a equipe. É difícil adquirir conjunto se não temos tempo hábil para treinar. Sem o Hernanes, mudamos de uma formação concentrada no meio-campo para uma que tem mais amplitude e abertura. Nossa consistência defensiva proporciona isso e espero que essa condição seja mantida.
O elenco de 2018 está fechado?
Não existe elenco fechado em equipe nenhuma, em momento nenhum. Quem vai mostar isso são eles. De repente, você percebe que tem uma necessidade e um jogador pode ocupar o espaço. Aconteceu com o Militão (zagueiro de origem, que passou a atuar na lateral-direita). Foi uma grata surpresa. Já conversei com a diretoria (sobre carências), e eles estão atentos ao mercado. Dentro de uma possibilidade, estaremos abertos. Mas valorizo os que estão aqui.
Você indicou Victor Ferraz. É um jogador que ainda pode chegar?
Não participo das negociações e não sei como andam, mas é um grande jogador. Gosto muito dele.
Como tem sido o trabalho junto ao trio de ídolos que o São Paulo colocou na diretoria (Raí, Ricardo Rocha e Lugano)?
É fundamental o relacionamento com seu diretor mais próximo. Tive um grande relacionamento com o Vinicius (Pinotti, ex-executivo de futebol), e estou me dando muito bem com Raí e Ricardo. O Lugano eu já tinha um contato. São pessoas do meio, bem intencionadas, com ótimos projetos. Todos focados em melhorar a equipe de forma geral. Estou feliz pelas oportunidades que os três estão tendo, cada um com sua história e que são profissionais atualizados, voltados para uma melhoria na instituição. Em médio e longo prazo, teremos ótimos resultados por tudo que eles têm mostrado.
Quanto você confia no time para brigar por títulos?
Estamos trabalhando para isso. Temos uma equipe montada, mas perdemos duas peças importantes (Hernanes e Lucas Pratto), chegaram reforços, e mudamos a concepção de a equipe atuar. Já fizemos bons jogos, não brilhantes, que é algo impossível com nove jogos em 31 dias depois de 12 de preparação. Alguns jogadores não têm 20 partidas com a camisa do São Paulo. Então não tem mágica. Falam que tem de cobrar um futebol melhor do São Paulo. Mas etapas não se queimam. Esses momentos precisam ser respeitados. A equipe está evoluindo e crescendo.
Mas oscilações estão acontecendo também…
Oscilações são momentos físicos. Não dá para recuperar a equipe de uma rodada para a outra. Não temos tempo. Todas as equipes estão sofrendo da mesma forma, estimuladas pela ciranda das mudanças de treinadores, principalmente nos primeiros meses, em que a ciranda aumenta em função da sequência de jogos e do pouco tempo de trabalho. Temos de respeitar alguns processos e conjunto você não adquire de uma hora para a outra. Só com tempo, paciência e muito trabalho. Já estamos conseguindo coisas que há tempo não tínhamos, como uma sequência de bons resultados. A pressão é normal.
E como mudar esse contexto?
Com boa vontade se muda tudo. Quem comanda nosso futebol tem competência para mudar as coisas. Temos de parar de pensar em quantidade de jogos e sim em qualidade. Para sermos cobrados, precisamos poder mostrar nosso trabalho. É covardia dar 12 dias de trabalho na pré-temporada e, depois de 30 dias, já termos tantos treinadores demitidos. Não sei se estamos realmente preparados para fugir daquele 7 a 1, porque aquilo foi um exemplo do que vinha acontecendo no futebol brasileiro. Há medidas possíveis e cabíveis para mudar isso, com participação de todas as entidades. Mas é preciso mais diálogo. A CBF precisa estar mais próxima dos clubes. Precisamos ser ouvidos. Há pouca participação e envolvimento de todos, com ideias para melhorar o que talvez seja nosso produto mais vendável. A situação atual não vem sendo positiva para ninguém no futebol brasileiro.
A questão do árbitro de vídeo é um exemplo?
A tecnologia no futebol é um caminho inevitável. Precisamos disso. E é nesse sentido que eu falo: “A CBF apresentou uma proposta. Se tivesse aberto uma discussão antes, teríamos duas, três, quatro outras…” E aí talvez não encarecesse tanto, talvez conseguiríamos um patrocinador para este tipo de sistema. Falta diálogo. A CBF tem um corpo diretivo atuante e lá tem pessoas de bem que querem mudar as coisas. Mas para isso precisamos estar mais próximos.
A desconfiança da torcida te preocupa?
Se eu não tivesse a confiança que tenho no trabalho, sucumbiria. Mas vendo o que estou vendo, acredito cada dia mais. O trabalho está sendo feito no São Paulo. O caminho é esse e acredito muito no desenvolvimento desse trabalho. Não tenho dúvida de que essas pessoas vão estar comemorando coisas maiores em breve.
Ainda sobre a gestão esportiva. Recentemente, vieram à tona investigações e até condenações envolvendo cartolas do futebol. O que pensa disso tudo?
Isso tudo é também um exemplo muito claro do que está acontecendo no comando do País. Temos que chegar nessas pessoas e responsabilizá-las pelo que deixaram de fazer para a populaçãa. Se teve crime e se foi comprovado, só falta o momento final, que tem que existir, seja na política ou no futebol. Está na hora do Brasil aprender a punir. Não dá pra continuar na mesma situação, vendo meia duzia de pessoas se aproveitarem do poder. O país precisa de exemplos que venham de cima para baixo. O brasileiro é um aproveitador nato, tem isso no seu DNA infelizmente, por anos e anos de corrupção e com exemplos de que quem faz a safadeza leva vantagem.
Qual é sua avaliação da reação do time em 2017?
As pessoas não têm ideia de como foi complicado. Tínhamos mudanças de jogadores, também a de treinador, e o ambiente era de entrega. Os jogadores estavam com a autoestima baixa. O trabalho envolveu todos no clube e a torcida também foi fundamental. Se não fosse o comprometimento de todos, não teríamos conseguido. Foi talvez a situação mais difícil da minha carreira, não desejo para ninguém e por isso valorizo muito o trabalho de todos. Ouvi em alguns momentos que “time grande não cai”, mas cai sim, time gigante como o São Paulo, que conseguiu tirar força sabe Deus de onde para sair daquela situação. O principal legado disso tudo foi o fortalecimento do clube. Amadurecemos muito de forma geral e todos perceberam o quanto aquele momento foi o formador de um alicerce para alcançarmos uma nova situação pela grandeza desse clube.
No ano passado, mesmo na dificuldade, houve muito apoio da torcida. Neste ano, parece haver certa desconfiança. Isso te preocupa?
Se eu não tivesse a confiança que tenho no trabalho, sucumbiria. Mas vendo o que estou vendo, acredito cada dia mais. O trabalho está sendo feito no São Paulo. O caminho é esse e acredito muito no desenvolvimento desse trabalho. Não tenho dúvida de que essas pessoas vão estar comemorando coisas maiores em breve.
Você pegou um time em construção em julho e, agora no início do ano, tem novamente uma equipe em reformulação. Conseguiu implantar 100% a sua ideologia no São Paulo em algum momento?
Primeiro que mudamos o conceito da equipe. Poucas pessoas observam isso, mas é importante, porque mostra que esses picos de oscilações tem de ser encarados de uma maneira natural. Muitos jogadores ficaram, mas houve uma mudança na forma de jogar da equipe. As leituras às vezes não são corretas. E para avaliar um novo trabalho, não é só olhar a permanência de jogadores nem a chegada de outros. Fatores como a quantidade de treinos também importam. Eu dependo muito dos treinos para minha equipe poder jogar. Gosto de fazer repetições para que possamos encontrar um caminho e não estou tendo como fazer isso com esse calendário.
Quais os sinais de melhora?
A equipe está melhorando. Se antes tomávamos muitos gols, agora temos uma equipe mais concentrada, bem posicionada e compactada. Os jogadores têm consciência dos movimentos que realizam. Teremos mais agressividade em questão de tempo. O trabalho está sendo feito. Só não vê quem não quer. As mudanças estão acontecendo, mas são gradativas. Podemos oscilar ainda, mas voltaremos a ter uma boa sequência de resultados.