O aposentado Joedir Belmont, de 85 anos, está há dias sem dormir direito – ele perdeu os ingressos que ganhou da Fifa para assistir à final da Copa no Maracanã, um jogo que espera há 64 anos. Joedir era o proprietário de um bilhete original da final de 1950, entre Brasil e Uruguai. Doou a relíquia para o Museu do Futebol Mundial, previsto para ser inaugurado em 2016, em Zurique. Em agradecimento, ganhou da federação os tíquetes para a última partida do campeonato, mas os perdeu na sexta-feira, 27, a caminho de casa, no interior do Rio de Janeiro. “Guardei um ingresso por 64 anos; perdi o outro em 6 horas”, diz, tentando manter o bom humor.
Joedir e os primos Álvaro e José compraram os ingressos populares para a final de 1950 por 30 cruzeiros – uma cadeira numerada custava 140 cruzeiros, e a cadeira de honra, 180. No dia do jogo, Joedir não saiu de Conceição de Macabu, cidade do norte fluminense a 230 quilômetros da capital. A mãe, Alícia, havia sido diagnosticada com tuberculose e estava em estado grave. Mais velho de oito filhos, assumiu os cuidados com a mãe, que morreria logo depois.
O ingresso número 37.131, comprado com as economias do salário de mensageiro dos Correios, foi parar numa gaveta. E ficou ali por 64 anos, saindo vez ou outra para matar a curiosidade de poucos amigos e dos filhos, José Augusto e Antônio Luiz. Quando a Copa foi anunciada no Brasil, Joedir decidiu que finalmente assistiria à final. Encarregou os filhos de comprar os ingressos, mas eles não deram sorte. Só conseguiram bilhetes para os jogos Grécia x Colômbia e Bélgica x Argélia, ambos no Mineirão. “Passei uma semana em Belo Horizonte. Conversei com os colombianos, ficamos bebericando. Foram dias excelentes”.
Sem ingresso para a final, Joedir teve a ideia de oferecer o seu, guardado desde 1950, em troca de uma oportunidade para comprar três tíquetes para o jogo do próximo dia 13 de julho. Procurou a CBF, mas foi ignorado. Decidiu então escrever uma carta para Jérôme Valcke, secretário geral da Fifa, e Joseph Blatter, o presidente da entidade. José Augusto traduziu o texto para o inglês. A resposta surpreendeu pai e filhos: Joedir ganhou duas entradas e foi autorizado a comprar a terceira. E ainda terá uma foto sua, ao lado do ingresso de 1950, exposta no Museu do Futebol Mundial.
Joedir ficou em êxtase. Mandou fazer 200 réplicas do seu bilhete premiado. Autografou todas e escreveu: “Eu não fui”. Distribuiu entre amigos e já encomendou nova leva de 300. Um conhecido, empolgado com a história, apostou os números do bilhete no Jogo do Bicho – Joedir também arriscou R$ 20. Ainda não sabe o resultado.
Na sexta-feira passada, teve o dia de glória. Numa cerimônia, no Rio de Janeiro, recebeu os bilhetes de Valcke. O neto caçula Vinícius, de 8 anos, a quem o ingresso da final Brasil x Uruguai havia sido prometido, ficou com o prêmio de consolação: uma bola oficial e um crachá da Fifa, que exibe orgulhoso para os amigos da escola.
Depois da cerimônia, Joedir voltou para o sítio Boa Esperança, em Conceição de Macabu, onde ainda vive. No caminho, fez duas paradas para ir ao banheiro. Também desceu do carro para abrir o portão de casa.
Numa dessas ocasiões, dois dos três bilhetes se perderam. “Ele ficou muito angustiado, amargurado. Não está nem dormindo direito”, conta o militar José Augusto Belmont, de 50 anos, que refez, em vão, o caminho para localizar as entradas.
Por orientação da Fifa, eles registraram um boletim de ocorrência na delegacia e apresentaram o documento no setor de bilhetagem da federação. “Eles me pediram para esperar até a próxima quinta-feira, dia 10. Se não devolvessem os ingressos, eles prometeram reemitir os meus, que são nominais. Faço um apelo para que me deem as novas entradas. Meus primos, que já faleceram, viram o Brasil ser derrotado, mas eu tenho muita esperança de que vou ver a seleção sair campeã”.
Joedir foi telegrafista dos Correios e operador de rádio da Petrobrás. Aposentou-se aos 65 anos, depois de formar os dois filhos. Até pouco tempo atrás, pilotava uma motocicleta, mas bateu a cabeça num acidente doméstico e precisou passar por cirurgia. O filho Antônio Luiz, médico, proibiu os passeios de moto. Quando não está às voltas com ingressos da Fifa, Joedir se dedica à criação de passarinhos, ao cultivo de orquídeas e ao pomar do seu sítio.