Direitos iguais

Criadora de renomado site de futebol pede maior valorização para as mulheres

Priscila, no centro, hoje é respeitada no meio esportivo, mas precisou superar diversos obstáculos para chegar até aqui. Foto: Arquivo pessoal

“Nós, mulheres, até hoje precisamos trabalhar em dobro para que alguém comece a valorizar o que fazemos”. A impactante frase é da jornalista Priscila Ulbrich, escritora, criadora do site Donas da Bola e atuante nos bastidores de diversos clubes de futebol.

“Trabalhei como consultora em vários clubes, sempre na área da comunicação e marketing. Atuei no Esporte Clube Bahia como gerente de marketing. Ali foi especial, pois o clube estava passando por um período atípico, logo após uma intervenção judicial que depôs o antigo presidente. Os sócios tinham escolhido, por meio do voto, o primeiro presidente da era democrática. Foi um trabalho lindo com pessoas muito especiais, que se despiram de qualquer interesse pessoal e deram o seu melhor num período em que o clube precisava disso”, contou Priscila, que também trabalhou como diretora de negócios no Santa Cruz.

Priscila é mineira, mas foi criada em Salvador, por isso torce pelo Bahia. Porém, na infância, a jornalista se encantou por um jogador que a fez se apaixonar, também, pelo rubro-negro carioca.

“Comecei a gostar de futebol com dois anos de idade. Desde que me entendo por gente, meu pai é dono de padaria. Pequenininha, eu ia para a área de produção ouvir os jogos pelo rádio com os funcionários. Sentava numa escadinha e ficava lá quietinha, ouvindo os jogos do Flamengo e de ‘um tal’ de Zico. Cresci sendo fascinada por esportes. Aos nove anos fui acometida por uma doença chamada Miastenia Gravis. Não podia mais fazer Educação Física, então os professores me passavam trabalhos escritos sobre as modalidades. Estudei todas as regras. A partir daí veio o conhecimento mais profundo”, contou Priscila que criou um dos sites mais acessados no Brasil quando o assunto é futebol.

“O Donas, hoje comandado por Renata Graciano e Jussara Ajax, surgiu em um momento onde eu estava inquieta. Morava em Porto Alegre e queria fazer algo a mais pelo esporte, via que alguns veículos de comunicação priorizavam certos clubes e assuntos e outros ficavam de fora. Estava cansada também de depender dos homens. Da boa vontade deles para eu conseguir trabalhar de maneira decente. Nós, mulheres, até hoje precisamos trabalhar em dobro para que alguém comece a valorizar o que fazemos. Então, em vez de trabalhar para os outros, decidi criar um espaço feito por mulheres para todos. O objetivo não era segregar, mas agrupar. Contei minha ideia ao Valdir Espinosa e ao Jota Junior. Eles adoraram, me apoiaram e comecei o Donas da Bola. Chamei Fabiana Beltrame, Marilene Dabus, Jerusa Schmidt e Jane Ulbrich. A visibilidade foi tanta que chamei pessoas para escrever sobre todos os times da Série A, Série B e algumas outras modalidades, não só o futebol”, detalhou.

O site criado por Priscila cresceu, mas ela não conseguia fazer com que grandes emissoras dessem espaço para que ela, e as mulheres que colaboravam para o projeto, trabalhassem.

Padrinho especial

Foi aí que ela pensou em fazer contato com um nome de peso no futebol brasileiro para tentar abrir portas para seu projeto. Ousada, ela foi atrás do ex-jogador que mais admirava para pedir ajuda.

“Zico era meu ídolo de infância. Eu fugia e ia pra casa da vizinha Isete assistir aos jogos do Flamengo por causa do Zico.  Ela estava se lembrando disso esses dias. Eu sumia? Minha mãe já sabia onde me encontrar. Eu não estava em outro lugar. O Donas da Bola precisava mudar de patamar, precisava de algo para dar credibilidade ao que fazíamos. Afinal, não trabalhávamos em grandes emissoras. Pensei em adotar um padrinho. E como não penso pequeno, quis procurar aquele que inspirou meus sonhos na infância e adolescência. Meu amigo Sandro Rilhó fez o contato com Zico e ele, gentilmente, me passou o endereço eletrônico. Escrevi, um super e-mail e ele me respondeu, marcando hora e local para nos encontrarmos. Foram quatro horas de uma conversa maravilhosa! Ele aceitou ser o padrinho do Donas da Bola. A partir daí, descobri que eu tenho o ídolo certo. Aquele que a gente ama cada vez mais, sabe?! Zico supera todas as expectativas, pois foi um atleta espetacular e é um ser humano magnífico. Desses que, com o passar dos dias, o amor por ele aumenta. Humilde, bondoso, simples, de caráter. Posso passar horas falando nele”, contou a apaixonada por futebol, que chegou a escrever um livro sobre o “Galinho de Quintino”.

Priscila foi apadrinhada por Zico e escreveu um livro sobre o ídolo. Foto: Arquivo Pessoal
Priscila foi apadrinhada por Zico e escreveu um livro sobre o ídolo. Foto: Arquivo Pessoal

“O livro foi uma ideia que tive para presenteá-lo no aniversário de 60 anos. Fiz o livro, entreguei pra ele, ele gostou e me perguntou: o que você vai fazer com o livro? Respondi: ele é seu. Ele: não vai publicar? Eu: posso?  Ele: o que você está esperando?”, relembrou a jornalista que publicou, em 2014, a obra “Simplesmente Zico”.

Preconceito

A autora está escrevendo um novo livro e o tema da vez são as mulheres no futebol, mas ainda sem data definida para o lançamento.  Sobre o assunto de seu novo impresso, ela é firme no que diz respeito ao preconceito sobre a atuação das mulheres no mundo do futebol.

“A desconfiança e discriminação por ser mulher foram os mais determinantes para que eu escolhesse o tema. Isso não é papinho porque está na moda falar sobre isso. Não! A discriminação existe e muito forte. Ela limita nossas ações, limita até onde podemos ir, limita perto de quem podemos chegar. Existem muitos profissionais no futebol que são meus ‘amigos fora de campo’, mas não me chamariam para trabalhar com eles no futebol porque sou expansiva e falo com todo mundo, seja jogador ou a pessoa que cuida da grama. Somos rotuladas e qualquer deslize, facilmente contornado se você é homem, vira uma bomba nuclear se você é mulher. Esse mundo virtual pode ajudar no massacre, uma vez que qualquer assunto veiculado pode virar verdade e as pessoas hoje não se vêm na obrigação de checar a fonte”, explicou.

“As pessoas te atacam por que querem trabalhar com futebol e acham uma afronta uma mulher estar ali, ocupando um lugar que ela poderia estar. Pensam que futebol é glamour. Não sei como é trabalhar no Barcelona, Manchester City, Bayern, mas aqui no Brasil o glamour passa longe”, completou.

A jornalista avalia que em muitos momentos falta solidariedade entre as mulheres atuantes na área e que esse cenário precisa ser urgentemente alterado.

“Falta o respeito das mulheres para com outras mulheres e dos homens para com as mulheres.  É redundante, mas é isso que falta. O respeito para sermos respeitadas. Se uma mulher vê outra trabalhando no futebol já pensa: hum, está ali atrás de homem. Ou: o que ela fez pra conseguir estar ali? Dureza esse tipo de pensamento em 2018, né?! Mas ele existe. Ciúme e concorrência. No dia em que as mulheres se unirem, daremos um grande passo em busca da igualdade que queremos. Os homens nos veem no futebol e já vêm com a pergunta clássica: o que é impedimento? Parece que precisamos ser testadas e provar que sabemos a cada minuto. Se um homem não concorda com nossa opinião, já nos mandam lavar a louça.  Há um sexismo por parte de quem contrata. As tevês (e não só esse segmento) não contratam se você é competente para o cargo. Contratam se você é bonita para a TV. Se fosse uma regra para os homens também, eu nem reclamaria, mas a gente vê tanto homem feio apresentando os programas por aí, não é? Por que só as mulheres têm que ser avaliadas por serem gostosas e não por serem ótimas profissionais?”, completou.

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