O caso do atacante Dodô, artilheiro do Botafogo, trouxe o assunto novamente à tona. Flagrado no exame antidoping, que encontrou em sua urina traços de uma substância proibida pelo regulamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ele pegou uma suspensão de 120 dias. Hoje acontece o julgamento do recurso, no pleno do STJD, quando Dodô tentará provar sua inocência e ser liberado para voltar aos gramados.
Mas afinal, como é realizado esse exame que pode comprometer toda uma carreira? Seria o processo idôneo? Em busca dessas respostas, a reportagem da Tribuna foi conferir de perto o trabalho da Comissão Nacional de Controle de Dopagem (CNCD) da CBF e pôde constatar: é tudo muito mais complexo que um simples ?xixi no potinho?.
Como em todos os jogos da Série A do Brasileirão, o time do antidoping estava na Arena no jogo entre Atlético Paranaense e Juventude, quando a reportagem da Tribuna falou com eles. Liderada por Octávio da Silveira Neto, coordenador de controle de dopagem no Paraná, a equipe começa a trabalhar antes mesmo de a bola rolar. E pode ficar no estádio até horas após a partida.
Tudo no papel
A rigidez com que o trabalho é realizado chama a atenção. Desde a preparação do equipamento para coleta da urina dos jogadores, até o envio das amostras para análise laboratorial, todo procedimento está estritamente detalhado no Regulamento de Controle de Dopagem da CBF. ?Qualquer desvio pode invalidar o teste?, avisa Silveira Neto.O material usado na coleta chega aos membros locais da CNCD em uma bolsa lacrada, que vem do Rio de Janeiro. Lá estão os frascos usados para coleta e armazenamento da urina, as fichas para realização do sorteio dos atletas que serão examinados e todos os formulários que devem ser preenchidos na partida.
A primeira tarefa é entregar aos médicos de ambas as equipes o Formulário de Relação de Medicamentos, que deve ser preenchido e devolvido no início do segundo tempo. No documento deve constar a lista de todos os medicamentos ministrados aos jogadores recentemente e a dosagem empregada.
Sorte ou azar
Após os 30? do segundo tempo, é realizado o sorteio, junto à mesa da arbitragem. Fichas com os números de todos os atletas são colocados em uma bolsa. Os médicos de cada equipe sorteiam então três jogadores adversários. Dois deles farão o exame, enquanto o terceiro fica como reserva. Ele será convocado caso algum dos escolhidos sofra uma contusão grave e tenha que ser hospitalizado.
Ao final da partida, os jogadores sorteados são notificados e acompanhados por um representante da comissão até a sala do antidoping. Na Arena, ela fica ao lado do vestiário dos árbitros. Em caso de suspeita de dopagem, um jogador pode ser convocado mesmo sem ser sorteado. ?Isso nunca aconteceu comigo, mas está no regulamento?, diz Silveira Neto.
Paciência
É após o jogo que começa a parte mais demorada do trabalho. E a única que a reportagem não pôde acompanhar. Na sala, só são permitidas as presenças da equipe de controle de dopagem, os médicos das equipes, os jogadores e o delegado da CBF.
Os quatro atletas sorteados ficam o tempo todo sob observação da equipe antidoping. Para que o exame possa ser realizado, eles devem urinar um volume de pelo menos 75 ml. Parece fácil, mas não é bem assim. Mesmo com água, refrigerantes e outras bebidas à disposição, alguns têm dificuldades.
Neste jogo específico, o meia Júlio César e o atacante André Luiz, do Juventude, e o goleiro Viáfara, do Atlético, fizeram o serviço rapidinho. Mas o lateral rubro-negro, Edno, só conseguiu disponibilizar o material para exame quase duas horas após a partida.
Na hora de urinar, o próprio atleta escolhe um kit lacrado, que contém um béquer de coleta e dois recipientes menores, para o armazenamento. Em um dos frascos são colocados 50ml, que serão enviados para análise. Os outros 25ml vão para o outro frasco e serão usados na necessidade de uma contraprova.
Depois da coleta, ambos os frascos são lacrados e identificados com etiquetas numeradas. Apenas o frasco menor recebe um adesivo com a identificação do atleta. Ele só será aberto em caso de resultado positivo, para realização da contraprova.
Para o Rio
Após tudo devidamente embalado e lacrado, o material é enviado ao Laboratório do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ladetec), o único credenciado pela CBF para realizar os exames. ?Aí termina o nosso trabalho. Depois disso, é tarefa do laboratório analisar as amostras e, em caso de resultado positivo, é a Justiça Desportiva quem vai definir qual será a punição do atleta?, conclui Silveira Neto.
Não é por falta de aviso que atletas caem no antidoping
Valquir Aureliano |
Edno, que foi sorteado no jogo contra o Juventude, afirma que precisa estar atento o tempo todo e só deve tomar remédios com conhecimento do médico do clube. |
Mais do que uma precaução, é dever de cada atleta assegurar que não introduz em seu organismo nenhuma substância proibida. Essa é a chamada regra da ?responsabilidade objetiva?, um dos princípios fundamentais da Agência Mundial Antidoping (Wada).
É a Wada quem elabora a lista de substâncias proibidas adotada pela CBF. Seguir esta lista é uma imposição do Comitê Olímpico Internacional (COI) a todas as federações nacionais de esportes olímpicos.
A relação das substâncias proibidas pela Wada está no Regulamento de Controle de Dopagem da CBF, assim como uma ampla lista de medicamentos ?limpos?, que podem ser utilizados sem problemas pelos jogadores.
O documento está à disposição do público na internet, no site da CBF (www.cbf.com.br).
Com a responsabilidade de velar sobre seu corpo e tendo acesso amplo às normas de controle, é muito difícil para um atleta de futebol se livrar de uma punição em caso de resultado positivo de doping. ?Não é necessário fazer prova de intenção, culpa ou uso consciente para determinar a existência de uma violação das normas antidopagem?, diz o Código Mundial Antidopagem, principal documento da Wada.
A rigidez das regras preocupa os atletas. ?É um pouco pesado. São muitos remédios, muitas substâncias proibidas. O atleta pode tomar um medicamento para alguma dor ou resfriado e acabar caindo no doping?, diz o lateral Edno, um dos sorteados para o exame na partida entre Atlético Paranaense e Juventude.
Por isso, os jogadores têm que ficar sempre atentos a qualquer tipo de medicamento ou suplemento alimentar. ?Todos têm que estar alerta, até mesmo em casa. Se um atleta passa mal, tem que comunicar o médico do clube, para que ele possa instruir sobre qual é o medicamento permitido?, afirma Edno.
Apesar de desagradar a alguns atletas, a rígida legislação é defendida por médicos ligados ao futebol. ?Acho que a legislação é correta. Se não punir os atletas flagrados, todo mundo vai se dopar e dizer que foi sem querer. Tem que dar o direito de se defender, mas a punição tem que existir?, afirma Silveira Neto. ?Elas devem mesmo ser muito rígidas. É o combate ao antiesporte. São normas internacionais e é muito importante que sejam adotadas no Brasil também?, conclui o diretor do departamento médico do Coritiba, Lúcio Ernlund.
Clubes também estão ?ligados?
A preocupação em evitar um caso de doping não é apenas dos atletas. A grande quantidade de substâncias proibidas e sua presença em diversos medicamentos de fácil acesso e até em alimentos faz com que os clubes também fiquem em alerta constante.
Nos principais clubes de Curitiba, existe a preocupação de deixar os atletas sempre informados sobre a legislação e cientes de quais remédios podem ou não ser ingeridos. ?Fazemos reuniões constantes com os atletas, explicando o que pode e não pode. Eles também são orientados a não tomar qualquer medicamento sem consultar os médicos do clube?, diz Lúcio Ernlund, médico do Coritiba.
O Paraná segue no mesmo caminho. ?No dia-a-dia, os atletas estão sempre em contato com os médicos, fisioterapeutas e nutricionistas. Eles são incentivados a deixar o clube sempre ciente de qualquer medicamento que venham a consumir?, explica Moti Domit, que lidera a equipe médica do Tricolor.
O Atlético prefere trazer a própria Comissão Nacional de Controle de Dopagem para dentro do CT do Caju. ?O clube traz todo ano o presidente da comissão para fazer uma exposição aos atletas?, revela Paulo Brofman, diretor do departamento médico do Furacão. Este ano, a palestra de Tanus Jorge Nagem está marcada para o dia 15 de setembro.
Além da instrução aos jogadores, os clubes também tomam precauções jurídicas. ?Os atletas assinam um documento se comprometendo a não fazer nenhum tipo de automedicação. Eles assumem a responsabilidade por qualquer remédio consumido fora do clube?, diz Paulo Brofman. O Coritiba usa o mesmo expediente, garante Lúcio Ernlund.
Só um laboratório é credenciado no Brasil
Anderson Tozato |
As amostras são enviadas para o Rio e analisadas no Ladetec. |
Todos os exames anti-doping das competições organizadas pela CBF são realizados no Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (Ladetec), do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É o único do País credenciado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA, na sigla em inglês).
Assim como na coleta, todo o procedimento de análise das amostras está descrito em regulamento.
Caso um exame acuse a presença de uma substância proibida, o resultado é informado ao presidente da CNCD. Ele, por sua vez, faz o comunicado para o presidente da CBF, que irá notificar o clube do jogador em questão.
O prazo para a equipe solicitar a contraprova é de 12 horas. Porém, em muitos casos, o próprio atleta prefere dispensar o segundo exame. ?É praticamente impossível que um resultado positivo seja desmentido pela contraprova?, explica Silveira Neto.
O que torna difícil a discrepância entre as análises é a eficiência das técnicas utilizadas. Só são aceitos exames por cromatografia gasosa e cromatografia líquida de alta eficiência, técnicas de separação física dos componentes de uma substância. Porém, o preço é um tanto ?salgado?. A cada jogo, são gastos cerca de R$ 3 mil, valor descontado do borderô da partida. Confirmado um caso positivo de doping, o STJD é quem vai julgar os responsáveis e aplicar as penas, de acordo com o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
FPF tem seu próprio laboratório
A Federação Paranaense de Futebol (FPF) é a única do País que possui um laboratório próprio para exames anti-doping. Localizado no Estádio Pinheirão, ele não está credenciado bela CBF e só é utilizado em competições estaduais.
Geralmente, os testes são realizados apenas nos jogos da primeira divisão estadual. Nas outras competições profissionais e amadoras organizadas pela entidade, e nas categorias de base, não existe nenhum tipo de controle.
Por possuir um laboratório próprio, a FPF consegue reduzir o valor gasto com o anti-doping, em relação às competições nacionais. No Campeonato Brasileiro gasta-se cerca de R$ 3 mil por jogo. ?Nosso valor é aproximadamente um quarto disso?, afirma o presidente da Comissão Anti-Doping da FPF, Dilermando Brito Filho.
Mesmo assim, o custo dos exames impede que sejam estendidos às demais competições. ?No amador, não há quem pague por isso. E nas divisões inferiores, o custo não é descontado nos borderôs?, explica Brito Filho. Em torneios como a Divisão de Acesso e a Copa Paraná, exames podem ser realizados nos jogos finais.
Atualmente, ninguém tem acesso ao laboratório da FPF. Afinal, ele fica dentro do Pinheirão, que segue lacrado pela Justiça, por questão de segurança.