Marco Polo Del Nero assume de direito a presidência da CBF em abril. Mas já dá expediente constante na entidade. Embora ressalte que o aliado e amigo José Maria Marin é ainda o dono legal do cargo, já impõe seu estilo de governar, seus planos. Diz que vai administrar ouvindo os clubes. E já definiu uma de suas principais bandeiras: sanar as finanças dos clubes, por meio do parcelamento das dívidas passadas e adoção de regras para que não voltem a ficar no vermelho, sob risco de penalizações.

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No entanto, Del Nero é resistente ao projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, que vem sendo negociada há meses por governo federal, entidades que representam os atletas, o movimento Bom Senso FC, clubes e a própria CBF. Defende a sanção do projeto que parcele dívidas fiscais e tributárias que superam R$ 4 bilhões sem estabelecer contrapartidas. Garante que, se isso ocorrer, a CBF vai estabelecer um sistema que puna o clube que desrespeitar o fair play financeiro e fiscal.

O futuro presidente da entidade falou de suas ideias em entrevista exclusiva na quinta-feira, em seu gabinete no terceiro andar do prédio da CBF, no Rio. A sede fica na Barra da Tijuca, bairro em que Marco Polo mora já há alguns meses. Apesar de ainda comandar a Federação Paulista de Futebol (FPF), já se dedica quase integralmente à entidade que comanda o futebol brasileiro.

Agência Estado – O que fazer para que os clubes brasileiros se estruturem melhor?

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Marco Polo Del Nero – Primeiro temos de resolver a questão das dívidas dos clubes. As dívidas são um fator que impede qualquer administração de planejar o futuro. A conta é quase impagável do jeito que está hoje, o parcelamento é muito elevado. Num parcelamento maior, os clubes têm tudo para pagar. Mas entendo que é fundamental a contrapartida.

AE – Então o senhor não concordou com a inclusão na MP 656/2014 do parcelamento de débito federais de entidades esportivas sem nenhuma contrapartida (originalmente, a MP reduzia impostos para venda e importação de aerogeradores, mas recebeu várias emendas)?

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Del Nero – Eu concordo (com a inclusão) porque conhecemos o trabalho do Jovair (Arantes, deputado federal do PTB/GO, conselheiro do Atlético Goianiense e autor da emenda) e ele conhece o que a CBF quer fazer. Nós falamos que, se fosse aprovado o parcelamento (mas o artigo da MP que trata do parcelamento pode ser vetado pela presidente Dilma Rousseff) e os clubes pudessem se revitalizar, que a CBF tinha todas as condições de fazer normas que dariam garantias ao governo do pagamento das dívidas e de um futuro melhor para os clubes. A gente conversa muito.

AE – Mas não foi colocada na MP nenhum tipo de garantia (o texto prevê apenas parcelamento das dívidas com a União em 240 meses, com descontos de 70% das multas e 50% dos juros).

Del Nero – Não foi colocada porque a MP é sobre parcelamento. Mas, imediatamente, a CBF se posicionou, dizendo que pode gerir, desde que seja palpável. Você não pode viver em cima de dívidas. Queremos parcelar a conta primeiro. Em cima desse parcelamento, aí se coloca o fair play trabalhista, fiscal, que a CBF pode, sim, fazer e está pronta para executar.

AE – E como fica a discussão da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte que está sendo encaminhada pelo governo federal com participando dos clubes, CBF e Bom Senso FC?

Del Nero – Os clubes estão agonizando. Há uma necessidade urgente de uma solução, que veio na Medida Provisória. E a CBF, que regulamenta o futebol brasileiro, fez a parte dela, que é colocar no regulamento da competição tudo o que estava na lei (o Regulamento Geral de Competições, versão 2015, prevê a adoção de normas sobre fair play financeiro e trabalhista e para saneamento fiscal e financeiro dos clubes, sob pena de punições esportivas). Nós quisemos agilizar.

AE – Então, o projeto de Lei de Responsabilidade será deixado de lado?

Del Nero – Poderá ficar prejudicado, porque a gente (CBF) fez tudo. A gente pode fazer.

AE – Essa regulamentação já passa a valer este ano?

Del Nero – Passa a valer se for aprovada (o parcelamento). Se não, vamos fazer alguma coisa, que não é aquilo que deveria ser feito com perfeição. Vamos conversar com os clubes e mostrar a eles a necessidade de avançar e de, daqui para frente, não poder ter dívidas. Mas nós temos de resolver o passado. Já fazemos isso no Paulistão há quatro anos e não tem dívidas. Queremos deixar o futebol zerado, mas com parcelamento. Não é perdão. Vamos pagar a conta.

AE – Mas com a aprovação da MP não vai ter uma garantia em lei…

Del Nero – Lógico que vai ter (garantia). Se for aprovada a MP, vamos exigir (dos clubes) a certidão dos débitos fiscais, vamos querer saber dos jogadores sobre os pagamentos, da transparência dos clubes… Tudo isso a CBF pode fazer. Tanto que fez e está pronta para executar. Basta o governo aprovar.

AE – E se não aprovar?

Del Nero – Vamos buscar o plano B.

AE – Qual é?

Del Nero – É conversar com os clubes e daqui para frente, de uma forma mais modesta, fazer como faz no Paulista: não poderá haver débitos durante a competição. Daqui para frente nós temos de cobrar dos clubes, eles estão cientes e querem isso, o compromisso de pagar em dia as suas contas. Os clubes não podem gastar mais do que recebem. Têm de projetar as suas contas no sentido de terminar a competição e não dever para ninguém, perdendo ou ganhando.

AE – Mas tivemos casos de atrasos no Paulistão e nenhum clube foi punido…

Del Nero – Quem atrasou e foi denunciado no tribunal (de Justiça Desportiva)… o tribunal convocou o clube e ele pagou imediatamente. Nós tivemos quatro casos, não me lembro os clubes, mas durante a competição, não teve ninguém. Funcionou perfeitamente.

AE – Como está o futebol brasileiro seis meses depois da Copa do Mundo?

Del Nero – O futebol brasileiro, depois de uma derrota, de um momento muito difícil que aconteceu na Copa do Mundo, está caminhando para uma nova fase. Não adianta chorar o leite derramado, ficar criticando o que passou. Temos de nos voltar para o futuro. Só o futuro pode trazer melhoras para o futebol brasileiro. Temos trabalhado bastante para isso. A contratação do Dunga, do Gilmar, já tínhamos o Gallo, dá uma exata visão do que a gente quer. O Gallo faz belíssimo trabalho na base, Dunga é um grande comandante e a expectativa é que a gente possa fazer uma mudança muito grande na maneira de a equipe atuar, e isso o Dunga está fazendo.

AE – Até quando vai a paciência para que esse período de transição comece a dar frutos efetivos?

Del Nero – Não tem de esperar muito. O Brasil sempre foi vanguarda, esteve na frente, sempre está entre os grandes países do mundo. Não estamos aprendendo futebol, sabemos jogar. Temos de encontrar alguma forma de melhorar o que já temos. E isso está bem claro no trabalho que o Dunga tem feito. O Dunga quer uma equipe forte, firme, solidária. No mais, o futebol brasileiro é um dos maiores do mundo. Perdemos, mas não perdemos a dignidade. O que precisa é jogar bola e aquilo que o Dunga está construindo. Colocar em campo e esperar os resultados.

AE – A condição de grande também se faz com resultados. Então, por exemplo, ganhar a Copa América do Chile é praticamente uma obrigação?

Del Nero – A grandeza do futebol brasileiro indica que nós temos de estar entre os primeiros (nas competições), disputando pelo menos uma final. Ganhar a partida final às vezes é complicado, porque tudo pode acontecer numa final. Mas dentro do que nós temos no futebol brasileiro ela (a seleção) é protagonista, temos de estar na frente, ganhando.

AE – O Dunga correrá risco se tivermos uma campanha ruim no Chile?

Del Nero – Não. Nesses 4 anos que eu vou estar à frente da confederação ele é nosso técnico. Se eu tiver a possibilidade de ficar mais tempo, a gente vai mantendo. Porque sei do caráter e da importância dele.

AE – O futebol brasileiro continua tendo grandes talentos em sua opinião?

Del Nero – Tenho certeza de que sim. Temos de avançar é no entendimento de que o futebol é um conjunto, precisa ter harmonia. Não é um jogar por todos, mas todos jogarem por todos.

AE – Na eleição do melhor do mundo da Fifa o Brasileiro mais bem colocado foi o Neymar, em sétimo. Isso não seria um sinal de que estão faltando jogadores diferenciados no País?

Del Nero – Tudo é cíclico, e me refiro a essa eleição da Fifa. Nós tivemos momentos grandiosos especificamente nessa votação. Para mim, o melhor do mundo é o Neymar… Eu acho. E com visão de dirigente, não é de torcedor, porque eu não sou torcedor. Ronaldo é bom? É bom. Mas eu acho que o Neymar é o grande jogador do mundo. Mesmo não tendo ganho a Copa, mas o Cristiano Ronaldo também não ganhou.

AE – Por que o senhor considera ele o melhor do mundo?

Del Nero – É só você vê-lo jogar futebol. O passes, a maneira como ele conduz a bola… ele é ovacionado nos estádios. Não sei se aqueles que ganharam, os seis primeiros, são ovacionados da forma que o Neymar tem sido. Por onde ele passa é ovacionado. A forma como ele mexe com a bola. Ele tem um trato com a bola que poucos jogadores do mundo têm.

AE – A volta do Dunga ainda é contestada por não ter, para muitos, significado um avanço.

Del Nero – Isso é opinativo. No Brasil hoje tem muito mais gente apoiando o Dunga do que o contrário. A escolha do Dunga foi muito bem analisada. Ele é um homem que teve um passado bom na seleção, foi campeão do mundo, já jogou em seleção que perdeu Copa, tem experiência, evoluiu. Então está no auge para administrar a seleção.