Joanna Maranhão não atende o telefone da sua casa, em Recife, na hora combinada, terça à noite. Estava ao celular, recebendo mais uma denúncia de abuso sexual de crianças em Pernambuco – “Um dos mais graves”, conta ela, minutos depois. Maior nadadora da história do País, ela ainda é associada ao abuso sofrido quando criança e revelado em 2008. Agora, afinal, é presidente da ONG Infância Livre. A partir do começo do ano que vem, porém, terá de se afastar fisicamente do trabalho à frente do seu projeto de combate à pedofilia. Joanna Maranhão, quinta colocada nos 400m medley nos Jogos de Atenas/2004, é novamente uma atleta de natação e vai em busca da sua quarta Olimpíada.
Prestes a se formar educadora física e já mirando a pós-graduação, Joanna abandonou a aposentadoria, decidida ano passado e posta em prática em janeiro. Os números do fim de semana, porém, não deixavam dúvidas. “Fiz 4min44s nos 400m medley e falei: ‘Putz!’. Depois, fiz 1min0s38 nos 100 metros borboleta, o melhor tempo da minha vida. Nunca pensei que ia ficar perto de quebrar a barreira do minuto. Falei: ‘Realmente eu voltei'”, conta a nadadora, falando dos seus resultados nos Jogos Universitários Brasileiros, os JUBs, realizados em Aracaju (Sergipe).
A participação no torneio universitário, por si só, mostra uma Joanna muito mais madura do que indicam os seus 27 anos – “Quando eu tinha 25, envelheci uns 20 anos de uma vez só”, diz ela. A nadadora pernambucana se cansou da natação e decidiu se aposentar para concluir a faculdade de educação física e parar de gastar dinheiro. Diz ela que estava pagando para competir. Quando se aposentou, em janeiro, sua família devia R$ 400 mil. Hoje, ela parou de jantar fora e diminuiu os gastos com carro. Trocou a noite pelos livros.
“Fui percebendo que minha família estava mais tranquila, minha mãe dava menos plantão”, conta Joanna, que já tinha nos planos nadar os JUBs e traçou, com o também pernambucano Leonardo Guedes, um programa de três semanas de treinos na altitude de Lalona (México), com respaldo e apoio da faculdade, a UniNassau (Faculdade Maurício de Nassau).
“Eu mantive meu corpo sempre ativo. Então com um mês de treino já estava num ritmo muito bom. Pensei: ‘Vamos ver onde isso vai me levar’. Comecei a dobrar (fazer dois treinos no dia), treinar bem, emagreci super rápido. Cabeça estava boa também”, analisa Joanna, que perdeu o Bolsa Atleta (por ter parado de nadar), mas segue recebendo bolsa do governo do Estado de Pernambuco pelos resultados locais e faz valer seu salário como sargento do Exército.
Quando retomou os treinos, a experiência passou a falar mais alto. Voltou, também, o velho tesão por nadar. “Estava muito feliz, os treinos estavam rendendo. A Fabíola (Molina) falava e eu não levava a sério. Hoje entendo: mais qualidade que quantidade. Foi o que fiz”, conta Joanna, que voltou a Lalona dois anos depois de sofrer com uma salmonela muito séria lá.
Mas, superar traumas é algo que a nadadora aprendeu desde cedo – o abuso, por parte de um treinador, foi sofrido aos 9 anos. A Lei Joanna Maranhão, hoje, não deixa crimes como esse caducarem. A ONG, por enquanto, ela tocará à distância, com ajuda de outras pessoas, como sua mãe. No ano que vem, Joanna vai voltar a treinar no Sudeste, em um clube que ela não quis revelar – não é o Minas Tênis Clube, pelo qual luta o namorado, o atleta olímpico Luciano Correa.
Quando decidiu voltar a competir, Joanna procurou clubes, recebeu propostas, e fez sua escolha. “Diferencial grande tem sido a parte física. Eu que estou montando meus treinos porque o atleta tem esse feeling. Até falei com o pessoal do clube que eu vou que quero ter alguém que mande em mim, mas a minha opinião é importante também”, diz.
Apesar de seguir sendo treinada pelo veterano João Nikita, no Clube Português de Recife, Joanna é quem tem montado seus treinos. Os resultados apareceram. Nos JUBs, apresentou uma nova virada e surpreendeu com os 4min44s59 nos 400 medley, tempo melhor do que fez na semifinal dos Jogos de Londres/2012 e muito perto da marca que a levou ao Mundial de Barcelona, no ano passado. Também nos 200m costas e nos 200m medley assumiu a liderança do ranking brasileiro. Nesta última prova, aliás, os 2min14s73 a levariam para o Pan-Pacífico, torneio mais importante da temporada, realizado em agosto, na Austrália.
“Já me falaram isso. Mas eu não queria ter ido para essas competições. Eu olhava as competições e não queria estar lá. O que eu queria eu fui – o Campeonato do Nordeste e os JUBS. As coisas acontecem por um motivo. Queria acelerar o processo de graduação. Fiquei focada na monografia e estágio. Não me arrependo porque eu queria ter ficado fora. Não achava que ia voltar”, garante, com serenidade.
Aliás, serenidade é palavra de ordem da nova Joanna Maranhão que, quando se aposentou, disse que estava cansada de dar murro em ponta de faca – por anos, brigou praticamente sozinha contra a gestão da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). “A gente não tem essa ideia de conjunto, a gente tem uma cultura de postura que faz com que meu grito seja solitário. Esse grito que gerou tantos atritos. Vocês (imprensa) já estão cansados de saber do meu ponto de vista. Eu vou até onde eu posso. Eu estava indo além e atrapalhando a minha performance. Não vou mais encabeçar nenhuma luta solitária. Paguei do bolso e de todas as formas o preço de se encabeçar uma luta sozinha. Meu ponto de vista continua sendo o mesmo. Eu retornando eu vou ter mais voz através do exemplo”, aposta.
Joanna Maranhão, lógico, pensa na Olimpíada. Já ao ser questionada pela reportagem se ela sabe que vai ao Rio: “Não posso dizer isso, tem outras atletas tentando também”. Em seguida, ao ser novamente questionada que “independentemente das outras atletas, você sabe que vai fazer o índice?”, ela soltou um “sei”, mas logo completou: “Gosto de pensar o seguinte: se você quer chegar onde poucos chegam, você tem que diminuir as chances de dar errado. O que me encanta é eu estar todos os dias diminuindo a margem de erro e mesmo assim ter dúvida. Esse resultado mostrou que essa possibilidade existe. Fabíola (Molina) falava isso: ser mais objetivo no treino”, diz a nadadora, três vezes olímpica, antes de encerrar: “Recomeçar é muito melhor.”