Nascido em Curitiba, mas consagrado no futebol do Rio Grande do Sul, Alexi Stival, o Cuca, volta para casa como técnico do Coritiba. E aposta em um bom trabalho, projetando disputar a Copa Libertadores da América. Para falar de seus planos, sua carreira e suas convicções, Cuca conversou com os jornalistas do Paraná-Online. Confira.
Fotos/ João de Noronha |
Luiz Augusto Xavier ? Como você avalia esse teu início de carreira de treinador? Dá para colocar em um patamar, abaixo ou acima do que você esperava, ou está acontecendo exatamente do jeito que você esperava?
Cuca ? Eu não pensei em ter um começo, meio e fim. Eu dou muita ênfase no dia-a-dia. Vivo meu trabalho sem pensar no futuro, sem fazer planos de ir para tal time ou para tal lugar, sem pensar grande ou pequeno. Para mim o importante é amanhã levantar às 7h20, hora desperta o relógio, ir para o treinamento, dar o meu melhor no treinamento para conseguir o melhor no jogo.
Irapitan Costa ? Quando você mentalizou que seu caminho na bola era se tornar técnico de futebol.
Cuca ? Quando eu parei de jogar, em 1997, eu pensei ?agora vou viver com meu amigão?, que era o meu melhor amigo, mas que faleceu dois anos depois com 71 anos, o meu pai. Foi um choque muito grande. Eu tinha pesque-pague, tinha panificadora, açougue, mas não me encontrei em nenhum. Sentia um vazio muito grande, mas, graças a Deus apareceu a oportunidade de treinar o Uberlândia, lá em Minas Gerais, e ali eu me encontrei de novo. Pude dar seqüência ao futebol, mesmo que não dentro do campo, mas como treinador, e para mim tem sido tão bom, ou até melhor que quando eu jogava.
Xavier ? Você parou jogando onde?
Cuca ? Meu último ano foi em Chapecó, nós fomos campeões catarinenses com a Chapecoense, em 1996.
Cristian Toledo ? Dando um passo atrás, como que um garoto de Santa Felicidade foi parar lá em Caxias do Sul, para jogar no Juventude?
Cuca ? Fui parar lá porque eu era júnior do Pinheiros, mas servia ao profissional também, fui levado para lá pelo professor Amilton Nofke, em 1983, e tínhamos um time muito bom: eu, Amarildo, Norberto, Ademir Alcântara, Marquinhos Benatto, aquela turma toda, mas o Pinheiros começou a mudar a filosofia deles, que era de promover jogadores, e passou contratar. E dentro dessa filosofia, veio um técnico novo, acho que era o Mosquito, e houve a saída de jogadores, teve eu, o Ademir Alcântara, que foi para o Pelotas e o Amarildo foi para o Toledo, e todos nós nos demos muito bem nos clubes para onde fomos. Fiquei um pouco no Santa Cruz do Sul, até por uma questão de necessidade, pois meu pai ia fazer uma cirurgia no coração e eu precisava do dinheiro para pagar o anestesista, que o INPS não cobria, deu certinho. Daí foi uma seqüência, o Levir Culpi me levou para o Juventude, do Juventude, o Felipão me levou para o Grêmio, e essa foi minha seqüência.
Cristian ? Você é um cara marcado na história do grêmio pelas suas conquistas: Campeonatos Gaúchos, Copa do Brasil.
Xavier ? Muita gente pensa que você é gaúcho né?
Cuca ? Todo mundo associa o Cuca a um gaúcho, por eu ter ido para lá em 1984 e ter jogado quatro anos no Grêmio, um ano no Internacional, dois anos no Juventude, aquele ano no Santa Cruz e nunca ter jogado aqui em Curitiba, que é uma coisa que me incomoda até hoje. Diversas vezes falaram ?o Cuca vai vir para o Paraná?, naquela época em que o Paraná ganhava muito, ou ?o Cuca vai vir para o Atlético?, ?vai vir para o Coritiba?, mas nunca deu certo de eu jogar aqui.
Cristian ? Mas o que o Grêmio representa para você?
Cuca ? Significa o melhor lugar que eu joguei, onde eu me dei melhor, tenho duas filhas que nasceram na época em que eu jogava lá. Dentro de campo, significa tudo de melhor que eu passei. Toda a final eu fazia gol pelo Grêmio, fiz 78 gols jogando no Grêmio como meia.
Xavier ? Chegou a ser cogitado para a seleção…
Cuca ? Fui para a seleção do Falcão, em 1991, quando já jogava pelo Internacional. Em 1990, eu era um dos nomes mais certos para a seleção do Lazaroni, mas acabei não indo. Mas para mim, o melhor do meu futebol, meu auge, foi quando joguei no Grêmio
Xavier ? Por que você acha que não foi para a Copa de 1990?
Cuca ? Porque eu era do Grêmio e o Grêmio não era do eixo não era do eixo Rio-São Paulo. E para ir alguém de fora do eixo Rio-São Paulo era muito difícil. Eu lembro que todos davam com certa a minha ida e eu tive um baque muito grande de não ter feito parte daquela seleção. Fui no ano seguinte, em 1991.
Irapitan ? Você já falou de duas tristezas suas: qual foi maior, não ter ido para a Copa ou não ter jogado na tua terra?
Cuca ? As duas tem um sentimento diferenciado, eu queria tanto jogar aqui, mas de repente até foi bom não ter jogado né? Não sei o que ia acontecer agora. E quando eu estava para vir para cá já não estava mais no meu auge. Tive problemas de contusão na Espanha, operei o púbis e o adutor, voltei para o Brasil em tratamento, fui tentar ajudar o Grêmio na segunda divisão, mas não consegui. E, na seqüência, eu fiquei em Curitiba, em recuperação até que a pessoa que eu mais admiro entre todas que eu conheci no futebol, que se chama Otacílio Gonçalves, me ligou do Palmeiras, em 1992, perguntou como eu estava disse que precisava da minha e eu me dispus na hora a ir para lá. Ele me perguntou quando que eu podia ir e eu disse ?eu vou é hoje?, peguei minha mala e fui no dia mesmo. O Palmeiras estava muito mal no campeonato, eu fui junto com o Maurílio, e nós chegamos à final do Campeonato Paulista. Todos davam minha carreira com encerrada, o professor Otacílio acreditou em mim e eu ainda joguei em Palmeiras, Santos e Portuguesa e outros clubes.
Xavier ? Aquele episódio na Suíça atrapalhou muito a sua carreira? De que forma mexeu com você e que repercussão que teve?
Cuca ? Não atrapalhou porque eu estava no Grêmio há seis dias. Eu lembro que ficamos dois dias para tirar passaporte, viajamos, houve aquele problema, um problema que eu ficaria aqui a noite inteira para explicar uma coisa que ocorre em qualquer situação, em qualquer local. Tanto que foi explicado, ninguém deve nada a justiça nenhuma, a gente provou por A + B o ocorrido. Uma coisa normal, que acontece entre um homem e uma mulher, ainda que não tivesse sido eu, mas, sem dúvida nenhuma traz conseqüências, principalmente para quem não tem estrutura. Eu, como já era casado, tive o respaldo total da minha família, senão, poderia ter problemas até hoje.
Xavier ? Mas te machucou, por não ter sido você?
Cuca ? Não porque não houve o que foi mencionado, houve uma coisa natural, só que como ficamos em quatro, isolados em outro hotel, o que vai se dizer de uma situação assim? Então eu deixo na mão de deus e pronto. Eu lembro que, depois daquilo, nós íamos jogar em casa contra o Goiás, o Felipão veio a mim, perguntou como que eu estava e eu disse ?tudo que preciso é jogar?. O Felipão me pôs para jogar e nós ganhamos de 4 a 0, sendo que eu fiz os quatro gols. Então a gente acredita que alguma coisa Deus tinha guardado para a gente.
Cristian ? Você falou em família. Te ajudou, na hora de acertar com o Coritiba, esse fato de poder manter tua família aqui, evitando mais um trauma de mudança, de trocas de amizade, isso tudo?
?Pesou muito eu poder ficar em casa com minhas filhas, mas, sinceramente, acima de todo esse peso estava a condição de trabalho que o Coritiba ofereceu. A segurança que a gente tem de trabalhar com um presidente que você sabe que não precisa de um papel assinado.? |
Cuca ? Eu tenho a Mayara, que está no segundo ano, e a Natasha, que está na sétima, e é muito duro a gente ficar mudando de cidade toda hora. O treinador de futebol não tem aquela garantia de que vai ficar pelo menos um ano em algum lugar. E isso é importante para elas, por causa dos estudos. E como elas são muito importantes para mim, assim como eu acredito que sou para elas, para todos os lugares que fui, com exceção do Gama, eu levei as duas e a mãe delas. Por isso pesou muito eu poder ficar em casa com elas, mas, sinceramente, acima de todo esse peso estava a condição de trabalho que o Coritiba ofereceu. A segurança que a gente tem de trabalhar com um presidente que você sabe que não precisa de um papel assinado. Que se ele vê que o trabalho é bom, ele segura a barra, não se deixa levar por alguma situação. Além disso, o grupo de trabalho do Coritiba fora do campo é muito bom, com o Eudes, o Manuel, o Cacau, o Robson Gomes, o Rodigo. E a turma que tem dentro de campo, um time humilde, unido, guerreiro, um grupo que você sente que quer chegar a algum lugar e, quando eu vi isso falei ?É esse o lugar, é onde eu vou ficar?. Fiz questão de falar para o presidente que eu queria um trabalho a longo prazo e me comprometi com ele a ficar até o final desse trabalho, a exceção de uma saída para o exterior.
Irapitan ? Você citou aquele jogo em que você marcou quatro gols. Qual é o teu momento inesquecível como jogador de futebol?
Cuca ? É este aí
Cristian ? Mais que aqueles 6 x 1 contra o Flamengo?
Cuca ? Mais que tudo que pode acontecer na vida. Porque eu estava há um mês sem jogar, fora de forma, e o Luiz Felipe entrou no meu quarto, tomara até que ele esteja lendo esta entrevista, e me disse ?como é que você ta??. A situação não estava boa para ele no Grêmio também. E eu disse ?tudo que eu preciso é jogar?. E ele me pôs pra jogar. E naquele jogo, se eu vou fosse mal, acabou o Cuca. Eu era emprestado do Juventude para o Grêmio, eu ia voltar para o Juventude e acabou. E eu não joguei bem, mas tive quatro situações de gol e fiz as quatro, saí aos 23 minutos do segundo tempo porque não agüentava mais, só que eu tinha feito dois gols de cabeça, um de esquerda e um de direita e o jogo foi 4 a 0. Ali eu dei a arrancada para a minha carreira, foi muito importante.
Rodrigo Sell ? Você rodou por vários clubes, você acha que fez a coisa certa?
?Quando eu saí do Grêmio para o Real Valladolid, eu tive um choque muito grande, porque o Grêmio era todo ano campeão ou, pelo menos, disputava alguma coisa. O Valladolid só disputava para não cair, aquilo não combinou comigo.? |
Cuca ? A gente não sabe se fez o certo ou não. Quando eu saí do Grêmio para o Real Valladolid, eu tive um choque muito grande, porque o Grêmio era todo ano campeão ou, pelo menos, disputava alguma coisa. O Valladolid só disputava para não cair, aquilo não combinou comigo. Daí eu fiquei uma temporada lá e vim embora. Ano passado eu cometi um erro muito grande, que foi um erro do coração. Eu tinha saído do São Paulo no momento eu que eu achei que tinha que sair. Tive problema de saúde com a Natasha, a gente passou Natal e Ano Novo no hospital com ela, eu não tava bem, precisava descansar, mas o Grêmio me procurou. O Grêmio insistiu em eu ir, disse que precisava muito da minha ajuda e eu, para não negar o Grêmio, eu fui, só que não consegui ajudar. E aquilo para mim, profissionalmente, foi muito prejudicial.
Xavier ? Você se sentiu decepcionado, ou impotente por não poder fazer nada pelo Grêmio?
Cuca ? Senti, senti porque eu cheguei lá numa condição em que não se podia mais contratar, o grupo era o que tinha. Assim, não tinha mais o que fazer. Você não tem como, faltando dois meses para acabar o campeonato, dar um choque como aquele que a gente deu no Goiás, tirando cinco ou seis, trazendo outros quatro ou cinco e mudando a filosofia. Tentamos encaixar alguma fórmula, ainda ganhamos do São Paulo, ganhamos o Gre-nal, ganhamos em Criciúma, mas aí perdemos do Fluminense e aí ficou escrito que o Grêmio ia cair, pois não tivemos aquele poder de reação que o Grêmio sempre teve.
Xavier ? O fato de você ter saído foi porque você achou que alguém poderia mexer naquilo ou porque viu que não ia dar mesmo?
Cuca ? Eu tentei, até indiquei o Cláudio Duarte para meu lugar, quando saí, e a diretoria pegou o Claudião. Eu achei que com o conhecimento que ele tinha e com aquele carisma que ele tinha, principalmente com a imprensa, ele iria ter uma paz para trabalhar que ele se tornaria mais útil do que eu. Então eu não pensei em dinheiro, não pensei em nada, saí do Grêmio da intenção de ajudar. Fiquei lá só 40 dias.
Cristian ? Você falou em respaldo da imprensa, mas você não teve isso quando chegou lá? Até porque você também é uma figura querida em Porto Alegre.
Cuca ? Tive sim. A torcida foi me recepcionar no aeroporto, depositou a maior confiança em mim, mas eu não tive a capacidade de ajudar o Grêmio. Era uma situação que fugia à simples troca de treinador. Não ia adiantar qualquer treinador ali. Estava determinado, por uma série de fatores, que o Grêmio iria cair naquele ano.
Cristian ? Eu imagino que você deve ter ficado mais sentido ainda pelo fato de estar convivendo com muitas pessoas que estavam com você no tempo de jogador, que agora estavam ou na direção do Grêmio ou na imprensa e também com aqueles que tinham vindo antes de vocês, como o Hélio Dourado que era seu vice-presidente.
Cuca ? Maravilhoso ele e o doutor Flávio Obino. Se você visse a tristeza que esse homem ficava a cada jogo que perdia, a cobrança que ficava em cima dele, e você não podia ajudar, porque não se via o Grêmio evoluindo. Até teve evolução, mas o jogo que o Grêmio caiu foi um 3 x 2 para o Fluminense em casa. Campo lotado, saímos perdendo de 1 x 0, buscamos o empate, 2 x 1, buscamos o 2 x 2, levamos o 3 x 2, três erros individuais e aí afundou. O emocional foi lá embaixo e não teve mais reação
Xavier ? Por que você acha que o Grêmio, campeão do mundo, campeão tantas vezes com você chegou a esse ponto? E já tinha escapado por pouco no ano anterior…
Cuca ? Escapou por pouco mesmo, com o Adílson. Não dá para entender, porque o Grêmio de hoje, com relação ao que eu joguei está mais bonito, com salário melhor e em dia, a imprensa é praticamente a mesma, a torcida é maior que naquela época, por isso que não dá para entender. Não cabe a mim julgar, mas creio que os projetos que foram lá fundados não foram bem executados. Para mim o que diferencia um clube do outro é quando termina uma competição, você se projetar para a próxima, deixando uma espinha dorsal e contratando apenas o que precisa. Não é sempre que você vai mudar tudo e vai dar certo.
Irapitan ? Como você imagina um trabalho ideal de captação de reforços, como você acha que deve funcionar isso entre direção e comissão técnica?
Cuca ? Eu acho que deve ser feito em conjunto. Não penso que deva ser uma coisa só do treinador porque pode surgir uma proposta do exterior e o treinador vai embora, ou não dá certo e ele é demitido, e daí fica tudo o que ele implantou e o que ele contratou. Por isso que eu acho muito certo o trabalho que o São Paulo faz, de mudar o treinador e o auxiliar, mas deixar toda a estrutura montada, assim como o que o Coritiba faz, que é da mesma forma. Eu acho a coisa mais certa porque, de repente não dá certo um profissional, mas a estrutura continua, se vem um profissional e traz a sua própria estrutura, quando ele vai embora vem outro com a herança daquilo que não deu certo.
Xavier ? Quando você observa algum jogador bom você indica, e às vezes o clube contrata. Daí sempre surge aquela história, o técnico indica um jogador e pode preferi-lo em detrimento a outros, ou não. Como é que você se sente com relação a um jogador que você indicou e não emplacou? Como você acha que deve agir o técnico num caso desses? Porque em alguns casos o técnico insiste para provar que estava certo…
Cuca ? Eu penso que o critério adotado tem que ser igual para todos. Direitos e deveres têm de ser iguais, independente de quem é, quanto ganha, ou por quem foi trazido. Por isso, o melhor para o treinador de futebol é não indicar ninguém. Ele nunca vai se indispor, não vai ser cobrado por uma coisa que não é dele. Mas não é assim que funciona para a gente, porque se você sabe que o Caio é bom jogador, você vai indicar o Caio, mas se o Caio vai mal, você tira o Caio. Só que a própria mídia, quando o treinador traz algum jogador já marca. Quando o jogador está mal e você quer dar uma chance para ele se recuperar, a mídia já diz que foi o treinador que trouxe e por isso que não está tirando do time.
Xavier ? Mas tem isso então? O jogador que você trouxe, por saber que ele rende mais, você daria uma chance que talvez não desse a outro?
Cuca ? Você tem a vantagem de conhecer o jogador, de saber que ele pode jogar melhor. Claro que isso ocorre, porque você sabe ?ele joga bem, tenho que dar condição para que ele possa mostrar o valor dele?. E, às vezes, com um outro jogador, você não tem essa certeza que ele possa render mais, isso é uma falta de informação que ocorre.
Cristian ? Você passou a ser conhecido a partir de 2003 no mercado nacional, com o Paraná, o Goiás, São Paulo, Grêmio e Flamengo. Mas antes você teve que trabalhar em times pequenos, como o Uberlândia, que você já falou, entre outros. Como é a vida de um treinador quando trabalha em um time reconhecidamente pequeno?
Cuca ? É duro, bah! Lá no Brasil de Pelotas tem o Vanderlei dos cachorros. O vestiário do Brasil é juntinho com a rua e você só tem aquela saída. Então, quando o Brasil perdia, o Vanderlei ficava esperando na porta do vestiário com dois cachorrões. Então lá dentro a palestra acabava: ?pessoal, vamos correr que o Vanderlei dos cachorros está aí?. Toda vez que a gente perdia ele esperava lá fora e era bravo, era duro. No Remo, não podia perder um treino. Porque lá tem bastantes pessoas de férias, então eram 400, 500 pessoas em cada treino. Daí, no minuto 30 você tem que marcar um pênalti inexistente para empatar, para sair tranqüilo do treino. É muito duro, mas essa é a nossa universidade, é aí que a gente aprende.
Irapitan ? Você não chegou a passar por categorias de base?
Cuca ? Nenhuma, fui direto para os profissionais do Uberlândia.
Rodrigo ? Amanhã você vai acordar às 7h20, terão três ou quatro jornais nas ruas e vai cruzar com um monte de pessoas que vão te dar opinião. Como é ser treinador e ter que ouvir tantas opiniões?
"Eu não leio jornal, não precisa, porque me falam tudo. Eu acho que a gente tem que ter a nossa opinião e não pode dar ouvidos a todas essas opiniões que surgem." |
Cuca ? Eu não leio jornal, não precisa, porque me falam tudo. Eu acho que a gente tem que ter a nossa opinião e não pode dar ouvidos a todas essas opiniões que surgem. O treinador que está ali, vivendo o dia-a-dia do clube tem que ter um conhecimento maior que o de vocês, não um conhecimento futebolístico, mas um conhecimento de grupo, por estar lá, todos os dias com eles. Então, você tem que trabalhar na sua idéia, mesmo que ela seja criticada pela imprensa, você tem que acreditar nela, por isso que eu também não assisto programas esportivos. Pois se você ficar ouvindo todas as opiniões, você vai acabar cedendo, e eu gosto de ter a minha idéia fixa do que é certo para se fazer. E eu for ouvir ou ler, vou acabar me atrapalhando.
Cristian ? A gente está passando, aqui em Curitiba, por um momento de crítica aberta à imprensa. Você acha a imprensa esportiva preparada para trabalhar com o futebol?
Rodrigo ? Completando: a imprensa é cruel com treinadores e jogadores?
Cuca ? Eu sempre me dei bem com a imprensa, mas sempre tive problemas também. No São Paulo, tinha uma pessoa que era um amigo mais direto, eu passava até conselhos para ele, mas, em uma conversa informal, surgiu o assunto de que eu tinha recebido um proposta do mundo árabe e, no outro dia, saiu tudo no jornal. Aquilo foi, ao mesmo tempo, o maior prejuízo, mas o maior aprendizado que eu tive, pois aprendei a diferença do treinador para a imprensa. Pois do mesmo jeito que eu sou profissional, você também é. A gente tem que saber diferenciar esse lado. Então eu entendo o lado da imprensa, o lado da crítica, o lado do off e até onde ele pode chegar. E, geralmente, eu tenho me dado muito bem com a imprensa, não acho que ela seja cruel, só acho que existem pessoas que não estão preparadas para a imprensa e até não tem a formação para trabalhar na imprensa. Elas entram direto na área e acabam agindo totalmente com o coração.
Xavier ? Você disse que está feliz e satisfeito por poder trabalhar na tua terra. O Levir também falou isso, quando veio pela última vez, mas saiu decepcionado. Você não teme passar pela mesma decepção?
Cuca ? Eu sei que a cobrança será maior. Mas eu quero pensar positivo. Quero pensar que eu vou poder dar a minha contribuição ao Coritiba, a quem eu sou extremamente grato de todo o coração. Se eu precisar dar a minha vida pelo Coritiba, já falei em casa, para minha mulher e minhas filhas, que eu dou, pois estou trabalhando em um clube em que fui recebido maravilhosamente bem, na figura do presidente. Eu penso em fazer um trabalho bom e em dar continuidade. Acho que o Levir, que é muito amigo meu, teve um desgaste maior por causa do comércio dele, já que ele teve uma exposição maior da família. Isso que ele fez um trabalho maravilhoso no Atlético. Imagine se é hoje que ele está no Atlético. E o comércio dele é grandão, ainda bem que o meu é pequeninho.
Xavier ? Você mantém ainda um comércio?
Cuca – Mantenho sim, tenho uma padaria, que é gerenciada pela minha cunhada
Rodrigo ? Quer aproveitar para fazer um jabá, deixar o telefone?
Cuca ? Eu não, porque se eu der o telefone não vão ligar clientes, e sim torcedores depois das derrotas.
Cristian ? Quando você chegou ao Paraná, você encontrou um grupo disposto a provar que poderia chegar mais longe, ao mesmo tempo em que você ganhou a oportunidade de trabalhar em um clube de primeira posição. Este casamento de idéias foi decisivo para o Paraná dar tão certo como deu nos jogos que você treinou?
Cuca ? Quando eu cheguei no Paraná faltavam 20 dias para começar o campeonato e nós dispensamos 11 jogadores. Fizemos um amistoso contra o Inter de Campo Largo e ganhamos ali-ali. Mas nós conseguimos formar no Paraná uma família e tínhamos veteranos importantíssimos como o Ageu,um veterano líder nato, um ganhador. Usamos eles de todas as formas, o Fernando Miguel, o Goiano… Fomos olhar o Élson do Ituano, num jogo da Copa do Brasil e trouxemos o Caio. E fomos montando um time. Trouxemos o Reinaldo e fomos alvos de muitas críticas, mas montamos um Paraná muito bom, que ficou em décimo lugar no campeonato, numa campanha muito boa. O primeiro jogo foi contra o Santos, na Vila, jogo de altíssimo risco. Chegamos a fazer 2 x 0 lá, mas tivemos dois jogadores expulsos, o Valdir e o Emerson. Quando nós estávamos com nove, eles conseguiram empatar. O segundo jogo foi no Pinheirão e nós ganhamos do Atlético-PR por 3 x 0, perdendo até pênalti, chegando a ser líder do Brasileiro. Recebi uma proposta do Goiás, mas não fui. Na segunda proposta que eu recebi, profissionalmente, eu não podia recusar. Eu avisei o Paulo Welter, avisei o Vavá, mas não consegui avisar o José Domingos, pois estava com o telefone desligado, então, segui a minha vida.
Cristian ? Você fez uma recuperação histórica no Goiás, mas você chegou a pensar que se seguisse no Paraná vocês poderiam chegar à Libertadores?
Xavier ? Completando: o que você pensou ao sair de um time que estava bem para assumir um que estava em último lugar?
Cuca ? Eu conhecia o grupo do Goiás e achava um grupo muito bom, muito forte. Eu sabia que eu poderia fazer um trabalho muito bom lá e que teria uma condição muito boa no cenário nacional. Além disso, o lado financeiro era infinitamente superior ao que eu tinha aqui no Paraná. Eu segui minha vida, sem pensar com o coração, fui só na razão mesmo.
Irapitan ? Até porque, a gente, que vivia o dia-a-dia do Paraná sentia que você tinha algumas dúvidas com relação ao futuro do Paraná, porque você sabia que aquele era o limite, não tinha mais como buscar reforços. Aquilo era tudo o que você ia ter para trabalhar…
?Eu nunca fiz, na minha carreira, contrato de segurança, daqueles que te prendem ao clube, porque eu sei, muito bem, qual é minha hora de sair.? |
Cuca ? E, no futebol, você não tem segurança. Eu nunca fiz, na minha carreira, contrato de segurança, daqueles que te prendem ao clube, porque eu sei, muito bem, qual é minha hora de sair. Eu achei que era minha hora, meu feeling falou que era para eu ir para o Goiás. Estive à risco, nas cinco primeiras partidas não ganhei nenhuma, mas depois que deu para engrenar, dar uma mudada no grupo, tiramos alguns jogadores, trouxemos alguns outros, como Simão e Grafite, o time encorpou e fez aquela campanha muito boa
Cristian ? Você chegou a ter o time mais ofensivo do país, com Grafite, Dimba e Araújo. E ainda tinha Josué, Marabá, Danilo, era um time que sabia jogar. Você sabia que você podia tirar daqueles caras a capacidade técnica suficiente para tirar o Goiás daquela situação.
Cuca ? Sim, porque eu conhecia o Goiás. Eu sabia o que era o Marabá, o que era o Josué, o que era o Danilo. Eu sabia como jogava o Araújo, o Dimba, o Fabão. Você sabia que era só trabalhar para fazer aquele time jogar, e foi o que ocorreu.
Xavier ? O que você sentiu na época com relação aos diretores do Paraná? Porque houve um tipo de decepção. Eu cheguei a ouvir de alguns diretores ?Na primeira vez ele aceitou um reajuste de 100% e na outra acabou indo?. Você sentiu que eles estavam se achando traídos?
Cuca ? Eu acho que eles têm razão. Eles, pensando pelo lado do Paraná, têm total razão. Eu não consegui falar com o José Domingos, esse foi meu único erro. Tudo o que você falou é verdade. No Paraná eu ganhava R$ 10 mil, passei para 20 mil e fui para o Goiás ganhando mais de 50 mil. Eu não ia chegar para a diretoria do Paraná e falar ?Ou vocês me dão 50 ou eu vou embora?. É um lado que, você como profissional tem que ponderar, ou vai ou não. A única coisa que prende um treinador a um clube é o vínculo financeiro, então, se você pensar com a cabeça do Paraná, eles estão cobertos de razão. Mas eu acho que dei uma contribuição muito boa para o Paraná e, a grande diferença, para mim é que: seu eu tivesse deixado o Paraná, com o time em penúltimo ou último lugar, daí seria sacanagem, mas como eu deixei o Paraná em quinto lugar, com o time montadinho, já indiquei o Adílson Batista, deixei o time escalado para o jogo contra o Flamengo, tinha ido à Baixada ver o Flamengo jogar contra o Atlético, armei o time, o Paraná fez uma brilhante partida. Não tem porque reclamar, já que eu deixei tudo montado para dar seqüência ao trabalho.
Irapitan ? Parece que esse trauma citado pelo Xavier foi apenas coisa de momento, porque você mantém o laço de amizade com o pessoal do Paraná.
Cuca ? Paulo Welter, Vavá Ricardinho e José Domingos, que são as pessoas que dirigem o Paraná, são todos meus amigos. Esse ano, quando houve o rumor de que eu queria o Renaldo no Flamengo, eu fiz questão de ligar para o José Domingos e para o Ricardinho para falar que eu nunca havia mencionado o nome do Renaldo lá, que não era o jogador que eu queria, e que se fosse, eu iria procurar eles antes, apesar de achar o Renaldo um excelente jogador.
Cristian ? Mário Covas usava uma expressão chamada ?Choque de capitalismo?. Quando você chegou ao São Paulo, você viveu esse choque? Você viu uma outra coisa? Um mundo novo apareceu na sua frente?
Cuca ? Não vi. Eu vi tudo normal, igual. O São Paulo é tão igual ao Paraná e ao Coritiba.
Cristian ? Então não é aquela maravilha que se comenta?
Cuca ? É sim, é aquela maravilha, só que é movimentada pelos mesmos homens que tem aqui, pela mesma imprensa que tem aqui, tudo da mesma forma. Os profissionais que tem aqui, tem lá, talvez só com mais nome, mas o trabalho é o mesmo. Me senti completamente à vontade. Reformulamos o São Paulo, no dia 19 de dezembro nos reunimos, avaliamos o grupo, decidimos quais jogadores iríamos tirar e falamos em quem trazer. Trouxemos o Cicinho, o Rodrigo, o Grafite, Danilo, Fabão, deixamos alinhavado o Josué, trouxemos o Vélber, o Marquinhos, que daqui a pouco vocês vão me perguntar sobre o Marquinhos, e o Jean. Se o Paulista do ano passado fosse por pontos corridos teríamos ganho igual o São Paulo ganhou este ano, com os pés nas costas, e não fomos campeões mundiais interclubes por causa de duas partidas.
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