Neste 18 de setembro, comemora-se os 70 anos da TV no Brasil. Da TV Tupi até as emissoras fechadas, corremos esta história com capítulos de novela, reportagens de telejornais, programas de auditório e as emoções do esporte. E nenhuma mídia impactou tanto o futebol brasileiro como a televisão. A consolidação do futebol como elemento cultural acontece quando começamos a ver os jogos na sala da nossa casa.
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No primeiro dos 70 anos da TV, o futebol já era de longe nosso esporte mais popular. Vínhamos de um baque enorme da perda da Copa do Mundo de 1950, mas não haveria como o futebol ficar fora da grade de programação de TV. Tanto que o primeiro jogo transmitido data de outubro de 1950, apenas um mês depois da inauguração da Tupi de São Paulo. Não era fácil naquele tempo, era preciso tirar as câmeras do estúdio (não eram muitas), levar os trambolhos pro Pacaembu, transmitir e levar de volta pro Sumaré – enquanto isso, tirar a TV do ar por falta de câmera.
Parece até piada quando comparamos com as transmissões da Copa do Mundo e da Liga dos Campeões, com as inserções em tempo real, dezenas de câmeras, estatísticas de tudo que se pode imaginar e som e imagem perfeitos. Mas era assim, e era até ‘anteontem’ – assista pela internet um jogo de 1990 e parece que a partida é ainda mais antiga.
Penetração nacional
Até 1969, as experiências de transmissões em rede eram escassas, porque não havia como a imagem chegar em todos os cantos do País. A criação da Embratel foi decisiva, mas mesmo assim ainda era difícil – apenas cinco capitais recebiam o Jornal Nacional ao vivo quando ele começou a ser exibido. Na Copa de 1970, os estados do Norte não viram a seleção de Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho e Rivelino – o sinal simplesmente não chegava lá.
Mas o crescimento da rede de microondas (não o que você tá pensando) e a transmissão via satélite permitiu rapidamente que o Brasil todo visse o futebol – e em cores. Nesse momento, já com a TV Globo com a hegemonia absoluta da audiência, o futebol passa a ser um produto costumeiro na casa do brasileiro. Era possível acompanhar os grandes times, os jogos da seleção brasileira, a Copa do Mundo. E isso gerou a criação de marcas nacionais gigantes.
E essa dimensão nacional nos anos 1970 reforça muito a presença de torcedores de Flamengo e Corinthians, em especial, por todo o País. Um cenário que é relevante ainda hoje, neste momento de discussão sobre como os clubes devem receber pelos direitos de transmissão. O Flamengo já tinha se tornado o clube mais popular do Brasil nos anos 1940 e 1950 por conta do alcance da rádio Nacional. Mas a geração de Zico, Júnior e Leandro, a maior da história rubro-negra, coincide com a TV via satélite. E o reflexo é forte até hoje.
70 anos de TV e de polêmica
A relação entre televisão e futebol nunca foi de flores. Quem acha que agora é que há uma ‘revolução’ desconhece a história. No início da TV no Brasil, as emissoras iam aos estádios e faziam as partidas – e a transmissão era só para o local do jogo, claro. Certa vez, foram colocados tapumes no Palestra Itália para que as câmeras não pudessem filmar, mas a TV Record foi num apartamento e mandou ver com a partida. A Federação Paulista então resolveu proibir as transmissões, e a emissora inventou o programa Jovem Guarda, que fez Roberto Carlos virar o Rei.
Nos anos 1970, ainda era essa zona. Os clubes negociavam jogo a jogo, algumas vezes alguém se recusava a pagar, o clube visitante se negava a jogar, era uma confusão. Em 1986, Globo e Bandeirantes foram transmitindo os jogos do Campeonato Brasileiro (que invadiu 1987), mas foram surpreendidos pela TV Manchete, que comprou sozinha os direitos da final entre Guarani e São Paulo. Deu o maior rebu.
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E já neste século teve o bafafá entre as emissoras no Campeonato Paulista de 2003. Era liminar pra cá, jogo mudado de horário pra lá, clube brigando com federação, federação brigando com TV, proibição de entrada de equipe, uma loucura. Portanto, não é a primeira vez que isso acontece. E nem será a última. No final, quem tem competência se estabelece.
Os próximos 70 anos da TV
O que vem pela frente está repleto de nuvens. Vivemos uma transformação, em que o streaming vai ter uma grande importância. A demanda do público para assistir online onde quiser e com alta qualidade será cada vez maior. Mas há três situações no Brasil. A primeira é a dificuldade de se garantir uma transmissão linear. Que levante a mão o abençoado que assistiu um jogo pela internet sem nenhuma travada. Nem a rede 4G, que não é pra todo mundo, segura a onda.
A segunda situação é financeira. O streaming tem que ser pago – como são pagos Netflix, Amazon Prime, Apple TV e por aí afora. E, tal como a TV a cabo, acabam sendo ‘plano A’ na hora em que a crise bate. E somos especialistas em crise, e por isso tivemos uma queda de assinantes nos últimos anos. Pra fechar, há a questão cultural, do costume que o brasileiro tem de consumir conteúdo em TV aberta e de graça. Mudar isso demanda tempo e paciência dos grupos de mídia.
Memórias
Pra mim, a primeira lembrança nestes 70 anos de TV no Brasil é de 1981, a final do Mundial Interclubes entre Flamengo e Liverpool. Tinha quatro anos e recordo bem estar na frente do aparelho televisor (como diziam na época) à meia-noite, ao lado de meu pai, para ver aquela partida. Depois, a imensa frustração – a maior da minha vida de torcedor, mesmo ainda criança – na perda da Copa do Mundo de 1982.
A minha geração via tanto futebol na televisão quanto no estádio. Começamos a ver mais partidas internacionais (Campeonato Italiano e ligas europeias), tínhamos os jogos decisivos dos estaduais e do Brasileirão. Eu ainda não tinha chegado à adolescência quando surgiu a primeira cobertura organizada do nosso futebol, a Copa União de 1987, negociada com exclusividade para a Globo. Naquele ano, tinha sorteio cinco minutos antes do início da rodada pra ver qual jogo iria passar.
A TV é apaixonante pra quem vê e pra quem faz. E permite que tenhamos lembranças de fatos que assistimos ou que transmitimos. Lembro onde estava na minha casa no dia da morte de Tancredo Neves, do acidente de Ayrton Senna e no 11 de setembro. Sempre em frente à televisão. E recordo da emoção em transmitir um jogo em rede nacional na Globo, da tristeza na cobertura da cerimônia em homenagem à Chapecoense e do orgulho de fazer o Tribuna no Esporte, o ÓTV Esporte e hoje o Globo Esporte.
Inesquecíveis
Quando penso em 70 anos de TV no Brasil e em futebol, o primeiro nome que vem é de Luciano do Valle e suas épicas narrações na Copa de 82. Lembro de Galvão Bueno bigodudo. De Vinícius Coelho aqui no canal 12, enquanto Munir Calluf chegava com seus Dois Minutos no canal 4. Edson Luiz Militão e depois Silvinho de Tarso no canal 2. Das noites de domingo com o Mesa Redonda, dos comentários de Márcio Guedes, Falcão, Júnior, Juarez Soares, João Saldanha, Chico Anysio. De Sílvio Luiz no Campeonato Italiano.
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Lembro também de Léo Batista, Fernando Vanucci (“Totti, Zambrotta, Cannavaro!”), Gilberto Fontoura e Jasson Goulart no Globo Esporte. De Elia Júnior no Show do Esporte. Das reportagens malucas de José Luiz Datena, da sobriedade de Raul Quadros, da esperteza de Flávio Prado, do talento inconteste de Marcos Uchôa e Tino Marcos. Da genialidade de Armando Nogueira. Memórias de personagens que construíram uma paixão pelo futebol e pelo jornalismo.