Foram os 94 minutos mais tristes da história de 96 anos do Coritiba. Mesmo vencendo o Internacional por 1 a 0, ontem, no Couto Pereira, o Alviverde foi rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro, por conta das vitórias do São Caetano e da Ponte Preta. A empolgação pela possibilidade de salvação durou pouco, e a decepção parece não ter fim.
Tudo era permitido antes do jogo. No momento da entrega dos alimentos doados pela torcida alviverde durante a venda antecipada de ingressos, dezenas de padres, freiras e pastores surgiram no gramado do Couto Pereira para receber os ?presentes? e, involuntariamente, fazer uma ?bênção ecumênica? para o estádio, torcida e time. Os jogadores do Cori estavam preparados para uma batalha. ?A gente vai jogar a nossa vida?, resumiu o goleiro Douglas, antes de entrar em cena.
E foi assim o início do Coritiba. Extremamente agressivo, o time partiu para cima desde os primeiros instantes, e abriu o placar logo a 3?, depois que Ricardinho foi puxado por Bolívar dentro da área. Alcimar cobrou o pênalti e levou o Couto Pereira ao delírio. Mas a alegria coxa durou pouco -não tanto com o rendimento do time, que conseguia equilibrar o jogo contra um adversário superior tecnicamente, mas com a informação dos gols de Ponte Preta e São Caetano.
Com isso, a própria equipe diminuiu o ímpeto e tornou-se mais vulnerável aos avanços do Inter.
Como ocorreu em boa parte do Brasileiro, os colorados deixaram o campo no fim do primeiro tempo reclamando da arbitragem – com razão, até porque numa jogada de linha de fundo Capixaba tocou a mão na bola dentro da área. Outro lance que os gaúchos pediram pênalti, Nascimento foi lícito no lance com Fernandão. ?É assim que eles querem, e o campeonato está terminando da forma que eles queriam?, atirou o técnico colorado Muricy Ramalho.
O certo era o fato da melhor categoria dos visitantes, que, no entanto não conseguiam superar a motivação do Cori – o maior exemplo era Renaldo, que abdicava de suas funções para marcar e ajudar a defesa. Mas os lances capitais da segunda etapa não aconteceram no Couto Pereira, e sim no Mineirão, Moisés Lucarelli e Serra Dourada. Os gols de São Caetano, Ponte Preta e Corinthians foram, aos poucos, tirando a empolgação dos dois times, que passaram a fazer uma partida burocrática. O Inter, além disso, se mostrava uma equipe despreparada para o título brasileiro.
A atração do jogo passava a ser a tristeza que inundava de lágrimas o Alto da Glória. Eram cenas de profunda decepção, de torcedores que lotaram o estádio (mais de 30 mil pagantes) e naqueles instantes viam sua equipe ser rebaixada em casa. As chances que o Coritiba teve até o fim, com Caio, Tiago e Rodrigo Batata, nem foram percebidas com a atenção natural pelos presentes. Os olhos alviverdes, marejados de lágrimas, não conseguiam enxergar mais nada.
CAMPEONATO BRASILEIRO
42.ª rodada
Em campo
Local: Couto Pereira
Árbitro: Elvécio Zequetto (MS)
Assistentes: Paulo César Pereira de Freitas (MS) e Alécio Aparecido Lezzo (MS)
Gol: Alcimar 3 do 1º
Cartões amarelos: Reginaldo Nascimento (CFC); Tinga, Rentería (INT)
Renda: R$ 143.750,50
Público: 32.021 (30.025 pagantes)
CORITIBA 1 x 0 INTERNACIONAL
Coritiba
Douglas; Rodrigo Batata, Anderson, Reginaldo Nascimento e Ricardinho; Peruíbe, Luís Carlos Capixaba, Jackson e Caio; Alcimar (Humberto) e Renaldo (Tiago). Técnico: Márcio Araújo
Internacional
André; Élder Granja, Bolívar, Vinícius e Jorge Wagner; Edinho, Tinga, Ricardinho (Márcio Mossoró) e Fernandão; Rentería (Gustavo) e Rafael Sobis. Técnico: Muricy Ramalho
Agora é nas urnas
Depois de toda emoção do jogo de ontem, o Coritiba terá novo duelo hoje. E não é dentro de campo – a partir das 18h30, no hotel Mercure, no centro de Curitiba, acontecem as eleições para a Diretoria Executiva e a mesa-diretora do Conselho de Administração do clube. Depois de quatro anos, vai acontecer um bate-chapa entre a ?União Coxa-Branca?, encabeçada pelo atual presidente Giovani Gionédis e a ?Campeão de Novo?, liderada por José Antônio Fontoura. É a disputa mais acirrada – e polêmica – dos últimos tempos.
São 142 conselheiros (no total de 153) aptos a votar e que vão estar presentes na eleição. Eles escolherão ao mesmo tempo as mesas diretoras das duas ?casas?, mas antes de saber quem será o presidente do clube no biênio 2006/07, acontece a apuração do Conselho de Administração, o antigo conselho deliberativo. Disputam a vaga hoje ocupada por Jorge Wachelke os candidatos Celso Moreira, da situação, e Júlio Militão da Silva, da oposição. Ambos eram do mesmo grupo político – ligados ao ex-presidente Evangelino da Costa Neves -, mas romperam e foram cada qual para um lado.
Esta é a primeira polêmica da eleição: a fragmentação de forças. Até a semana passada, a expectativa era de três chapas, mas uma delas (de Moreira e Militão) acabou ?implodindo?. Com isso, formaram-se dois grupos definidos, que buscaram diversas composições até a data final para a inscrição das chapas. Com qualquer resultado, haverá renovação de no mínimo quatro cadeiras da Diretoria Executiva.
Houve uma segunda cisão, que, cronologicamente, pode ser considerada a primeira. A grande maioria dos integrantes da chapa da oposição era ligada a Giovani Gionédis. Dois deles, Homero Halila Pereira e Nadir Elache Filho, foram ?cardeais? do Coritiba na primeira gestão do atual presidente. O ex-presidente Francisco Araújo, outro oposicionista, foi quem convidou Gionédis para integrar-se à diretoria, em 2001.
Para completar a tensão pré-eleitoral, houve troca de farpas nas últimas semanas. A diretoria acusou a oposição de ?oportunismo?, enquanto os correligionários de Fontoura apontaram várias falhas da atual administração.
Gionédis se explica e Tico ataca
Um misto de reconhecimento pelo fracasso e alusões à eleição marcou o primeiro discurso de Giovani Gionédis após o rebaixamento. O presidente e candidato à reeleição assumiu erros que colaboraram com a queda e anunciou novos nomes para o departamento de futebol, caso seja reconduzido ao cargo.
O atual mandatário tentou passar tranqüilidade no discurso. ?É um momento de muita tristeza para o Coritiba. Ninguém esperava cair, mas é nas grandes dificuldades que se cresce?, falou, para depois citar benfeitorias efetuadas em seu mandato, como o saneamento financeiro.
Antes mesmo de ser perguntado sobre o pleito, Gionédis pediu aos conselheiros que votem sem passionalidade e anunciou três nomes para compor o departamento de futebol: o diretor da Federação Paranaense Almir Zanchi; Odivonsir Frega, preparador físico campeão brasileiro em 1985; e o ex-jogador e cronista esportivo Capitão Hidalgo.
Gionédis não se eximiu de culpa pela queda. ?Nossa previsão era ficar na zona intermediária, mas por uma fatalidade faltaram três pontos. A diretoria sabe que errou, e esta é a maior virtude de um homem.?
Questionado sobre o principal erro da desastrosa campanha, Gionédis apontou de imediato a permanência de Cuca após a derrota no Atletiba da 10.ª rodada. ?É um bom técnico, mas não deu certo no Coritiba. O elenco desestruturou-se e a coisa ficou irreversível?, apontou.
Outro lado
Já o candidato de oposição, Tico Fontoura, se disse ao mesmo tempo desolado e indignado com o rebaixamento. E criticou o anúncio de colaboradores na véspera das eleições. ?Ele (Gionédis) nunca trouxe diretores de futebol nos quatro anos de mandato, já que esta não era a especialidade de Domingos Moro. A saída de Moro, então, implicou na ausência absoluta desta figura. Agora contrata dois profissionais e anuncia outro reconhecido no clube, como o Hidalgo. É revoltante uma politicagem de muito baixo nível?, afirmou, em entrevista à Rádio Banda B. Tico aproveitou para rebater a acusação de Gionédis de que nunca se prontificou a assumir cargo diretivo quando convidado. ?Só fui chamado informalmente, mais em tom de blague. Nunca de forma séria?, disse.
O oposicionista também reafirmou algumas de suas plataformas de campanha: um bom time de futebol e a construção de um centro de treinamento apenas para as categorias de base.
Jogadores pedem perdão
Dor, tristeza, desconsolo. Palavras tão esperadas quanto inevitáveis foram ouvidas com freqüência no gramado e nos vestiários do Couto Pereira para descrever a queda para a Série B. Muitos jogadores aliaram-se à torcida e tiveram que engolir as lágrimas para falarem aos microfones.
O capitão Reginaldo Nascimento era um dos mais emocionados. Depois de interromper uma primeira entrevista por causa da voz embargada, o zagueiro disse que a queda deveu-se a muitos erros cometidos este ano. ?É algo para se lamentar profundamente. Não conseguimos vencer concorrentes diretos e no final não dependíamos mais da gente. Lutamos até o último minuto, mas as coisas ficaram complicadas?, afirmou.
Para Nascimento, o incentivo do público não reduziu a dor do rebaixamento. ?A torcida teve um papel fundamental e só nos resta pedir desculpas a ela. Esta ferida vai demorar para cicatrizar?, disse.
O lateral Ricardinho também acha que houve erros internos. ?Mesmo assim, não merecíamos passar por isso?, falou. O atacante Alcimar lembrou que a tristeza vai ficar, mas tentou passar otimismo ao dizer que a vida continua e o mundo não se acabou. Rodrigo Batata, outro que pediu perdão à torcida em nome do elenco, falou que o Coxa tem tudo para voltar à Série A em 2007. Já o meia Jackson, ao ser informado sobre o resultado dos jogos de São Caetano e Ponte Preta, fez cara de choro e desceu correndo para os vestiários.
Márcio se diz vitorioso
Márcio Araújo assumiu o Coxa nas últimas sete rodadas com a difícil missão de evitar a queda para a Série B. A campanha razoável (três vitórias, dois empates e duas derrotas) não foi suficiente, mas o técnico se disse ?engrandecido? em âmbito pessoal e considerou sua trajetória no clube vitoriosa.
Márcio iniciou a entrevista coletiva, após a partida, agradecendo à diretoria, à imprensa e à torcida pela ?ótima convivência? no Alto da Glória. ?Se faltou algo da minha parte, peço desculpas ao torcedor, que deu show em cada jogo?, disse.
O resultado da eleição de hoje vai orientar a permanência ou não do técnico em 2006.
Promessas e frustração
O sofrimento do Coritiba não começou ontem. O caminho para a Série B começou com as negociações de alguns dos principais jogadores da equipe, passou por modificações no comando técnico e na política do departamento de futebol e terminou com um elenco pressionado, um comando enfraquecido e a tragédia inesperada no início do ano – para quem sonhava em terminar o Brasileirão na zona da Libertadores, o rebaixamento é o pior dos pesadelos.
A base montada por Antônio Lopes em dois anos acabou sendo desfeita até a metade de 2005. A defesa foi a mais afetada – perdeu Fernando, Rafinha, Miranda, Adriano e Roberto Brum nos primeiros meses. O atacante Alexandre, que alternou bons e maus momentos, saiu do clube durante o Brasileiro, deixando o grupo ainda mais frágil. Para todas estas ausências não houve reposição, ou os atletas que vieram não eram à altura dos que saíram.
Além disso, a diretoria mudou a política de contratações. A princípio, o Coxa de 2005 seria um time de força física com a qualidade de Marquinhos para desequilibrar. As transferências milionárias, como as de Tuta, Aristizábal e Luís Mário, foram esquecidas – vieram jogadores desconhecidos, dos quais poucos se firmaram. O clube precisou alterar a rota no meio da competição, tendo que contratar atletas experientes (Maia e Anderson) e bem pagos (Caio e Renaldo).
Outro problema sério foi a troca constante de técnicos. Antônio Lopes só comandou a equipe por duas rodadas, sendo substituído por Cuca. Este deixou o Alto da Glória sob fogo cruzado, reclamando da ?traição? de dirigentes e sendo responsabilizado pela queda técnica do Coxa.
Mas foi Antônio Lopes Jr., em apenas três jogos, quem transformou o Coxa para pior. Ele perdeu o controle do grupo, deixando a diretoria em rota de colisão com a torcida e aproximando o time do rebaixamento – por mais que houvesse recuperação, o caminho estava ?traçado?.
Cláudio Marques e Márcio Araújo foram chamados, cada um a seu tempo, para tentar salvar o Coxa. Com eles, a equipe melhorou de rendimento, mas o desgaste físico e principalmente psicológico foi fatal. O empate com o São Caetano, com gol adversário a dois minutos do final, tomou forma de um péssimo augúrio, que se confirmou em pleno Couto.
Coxa já viveu a segundona
Não é a primeira vez que o Coritiba disputará uma 2.ª Divisão. O time participou da chamada Taça de Prata no início dos anos 80, momento da ?entressafra? das conquistas da década anterior e do título brasileiro de 1985. Naquele tempo, os melhores da Segundona subiam para a Taça de Ouro no mesmo ano, mas o Coxa não conseguiu atingir este objetivo nos três anos em que disputou o torneio (1981, 82 e 83).
Depois, em 1989, o Coritiba acabou rebaixado na ?canetada? de Ricardo Teixeira – rebaixamento que não aconteceu três anos antes porque o time foi convidado para participar da Copa União, embrião do atual Campeonato Brasileiro. Em 90, com Luiz Felipe Scolari no banco e Bonamigo como titular do meio-campo, o Coxa acabou sendo um dos piores da Série B, caindo para a 3.ª Divisão.
Esta competição não aconteceu em 91, e com isso o Coxa teve uma nova chance de subir naquela temporada. Mas os desmandos da Federação Paulista de Futebol e uma arbitragem tendenciosa de José Roberto Wright fizeram com que a equipe fosse eliminada pelo Guarani nas semifinais. No ano seguinte, o Alviverde aproveitou a brecha aberta pela CBF para recuperar o Grêmio e foi um dos 12 times promovidos para a Série A.
A passagem na primeirona foi curta. Em 94, lá estava o Coxa na 2.ª Divisão, sendo eliminado ainda na primeira fase. Em 95, após a reformulação na diretoria (saiu Evangelino Neves, entraram Joel Malucelli, Édson Mauad e Sérgio Prosdócimo), o Coritiba conseguiu retornar para o Brasileirão conquistando o vice-campeonato da Série B. Foram 10 anos seguidos na elite do futebol.
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