Quando abrir os olhos nesta segunda-feira e acordar do sonho da Copa do Mundo, o Brasil será devolvido à dura realidade de estádios vazios, calendário escorchante e pobreza tática e técnica. À vista dos pessimistas, trata-se de um caminho sem volta que tem como destino apenas o fundo do poço. Mas o fato é que o futebol nacional tem uma rara – e talvez última – chance de abandonar suas raízes arcaicas e definitivamente entrar nos trilhos da modernidade.
O principal legado deixado pelo Mundial é que o torcedor está disposto a pagar (caro) para assistir a um jogo, desde que o produto oferecido seja de qualidade. Para isso, não bastam apenas craques desfilando em bons gramados. É a experiência como consumidor que precisa ser incrementada no país.
“Precisa melhorar a qualidade do futebol. O que leva o público para o estádio é a atratividade da competição como um todo”, afirma Pedro Trengrouse, consultor da Organização das Nações Unidas para a Copa do Mundo no Brasil e coordenador do curso de Gestão, Marketing e Direito no Esporte da Fundação Getúlio Vargas.
A opinião do especialista coincide com o que pensa Amir Somoggi, consultor de marketing esportivo. Para ele, a reformulação dos estádios é um passo importante, mas não definitivo. “Não adianta pensar apenas num estádio moderno, as pessoas querem ver os jogadores. Na Copa, a Fifa coloca as cidades para trabalhar a favor dela”, lembra, ao citar as facilidades criadas para o torcedor durante o Mundial.
Para melhorar a qualidade do espetáculo, no entanto, é preciso aumentar o dinheiro que circula no esporte. A má notícia é que o valor do ingresso médio é muito baixo (pouco mais de R$ 31). A boa é que existe um enorme potencial de crescimento, e que vai além do valor da bilheteria. “Existe muito espaço para incrementar as receitas com comida e bebida, por exemplo”, aponta Somoggi, que considera possível o Campeonato Brasileiro chegar à média de 30 mil pessoas por jogo. No ano passado, os números foram a metade disso.
Se nos Estados Unidos o marketing é uma das engrenagens principais da gigantesca máquina do esporte que faz girar R$ 20 bilhões apenas com patrocínios, no Brasil ele ainda engatinha e vive de ações esparsas, como foi a apresentação de Kaká no São Paulo que levou 20 mil torcedores ao Morumbi, que teve portões abertos. “Você tem gigantes como a OAS e a Odebrecht que entraram na administração das arenas. Essas empresas, entre outras, têm imensa capacidade de atrair verba de seus fornecedores para o futebol”, sugere Trengrouse.
FÁBRICA – É consenso que de nada adiantam profundas reformulações estruturais se os principais produtos – os jogadores e os times – não entrarem na conta. O massacre sofrido pelo Brasil na semifinal evidenciou a disparidade técnica entre os países e coroou a revolução iniciada pelos germânicos após a queda na Eurocopa de 2000. Foi depois de fazer papelão e ser eliminada na primeira fase que a Federação local exigiu que os clubes investissem nas suas categorias de base para ganharem a licença para disputarem o Campeonato Nacional.
Salvo alguns clubes como São Paulo, Fluminense e Atlético-PR, o investimento na base ainda é bastante modesto no Brasil. “A Alemanha investiu, a CBF ficou parada”, critica Somoggi. Para piorar, não existem indícios de que centros como Cuiabá, Manaus e Brasília terão investimentos para desenvolver suas ligas locais para fazer valer o dinheiro empregado para erguer estádios. “Só tem uma solução, que é trabalhar para o futebol local”, diz Ricardo Araújo, especialista em gestão de arenas esportivas.
A Copa deixa aberta uma porta que pode levar a um enorme crescimento. Resta saber se alguém entrará ou deixarão que ela se feche.