A Copa Africana de Nações começa neste sábado, no Gabão, com uma vaga ao campeão para a disputa da Copa das Confederações deste ano, na Rússia, e a reativação de uma velha polêmica. Como entre as 16 seleções participantes somente quatro são comandadas por técnicos locais, essa minoria se incomoda com a presença estrangeira ao considerar a preferência preconceituosa e maléfica à evolução do futebol.
A 31.ª edição do torneio vai desempatar o placar entre os treinadores. Até agora os técnicos locais e os estrangeiros ganharam 15 taças cada. Porém, neste contexto há uma raridade curiosa. Apenas uma vez nos últimos 20 anos um técnico negro ganhou a competição. O nigeriano Stephen Keshi, crítico da presença de forasteiros, usou a conquista de 2013 para pedir valorização ao futebol africano.
Na competição de 2017, os treinadores locais vão dirigir seleções figurantes, exceto Senegal. Os outros três são de República Democrática do Congo (ex-Zaire), Zimbábue e a estreante Guiné-Bissau, do técnico Baciro Candé. “Eu penso que os técnicos africanos têm valor, temos capacidade. Só que não nos dão preferência. Penso que como a maioria dos jogadores atuam na Europa, acabam por escolher quem é de lá”, disse o treinador. A equipe faz neste sábado o jogo de abertura contra Gabão, às 14 horas (de Brasília).
Dos 12 treinadores estrangeiros na Copa Africana, 11 são europeus. A exceção é o argentino Hector Cúper, do Egito. O país com mais representantes é a França, com quatro profissionais, todos com trabalho em ex-colônias do país, incluindo a Costa do Marfim, a atual campeã.
A legião europeia tem em comum formar um quadro de “especialistas” em África. Sete treinadores europeus desta edição já estão pelo menos na segunda Copa Africana com no mínimo o segundo time diferente. O francês Claude Le Roy, por exemplo, vai disputar pela sétima vez o torneio com a quinta seleção do currículo: Togo. O compatriota dele, Herve Renard, esteve em quatro edições anteriores e já foi campeão com Zâmbia e Costa do Marfim. Agora ele tenta o feito com Marrocos.
“Os países desacreditam no treinadores africanos porque eles têm uma formação insuficiente, então é normal que os estrangeiros sejam procurados”, explicou o português Rui Águas, técnico de Cabo Verde na Copa Africana de 2015. Segundo o treinador, como as federações no continente têm problemas financeiros e de organização, contratar um europeu é a aposta mais segura para minimizar as dificuldades.
A presença cada vez maior de estrangeiros preocupa os treinadores africanos até pela forma de jogar. Alguns deles afirmam que os europeus têm aplicado no continente táticas defensivas e contrastantes ao estilo ofensivo, marca histórica do futebol local. O nigeriano Stephen Keshi, falecido no ano passado, atacava com contundência a vinda de europeus ao questionar a falta de identificação deles com os países africanos e a capacidade para trabalhar. “Quero que venham para cá profissionais competentes que ajudem o futebol africano a se desenvolver. E isso não tem acontecido”, disse em 2013 em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.
SÓ NO FUTEBOL – A grande dependência de técnicos europeus nas seleções africanas é uma exceção dentro do contexto atual. Segundo o professor de história da África da PUC-SP, Amailton Azevedo, as sociedades locais não têm essa preferência para postos de comando. “Esse fenômeno não se repete em outros setores das sociedades africanas. O poder na África é negro”, explicou.
Para o professor, como a África é formada por países que tiveram a independência recente, ainda no século XX, a herança colonial ainda é resistente. “Os indicadores sociais e econômicos ainda são bastante frágeis. Por isso que é na África que se encontram os mais injustiçados da história mundial. Nesse sentido, a tese de uma segunda independência faz muito sentido”, disse.