Quando o país que sofre desde 1966 menos esperava, com um time modesto, sem astros e sem muita confiança da torcida, a seleção inglesa voltou a uma semifinal de Copa depois de 28 anos.

continua após a publicidade

Agora a euforia tomou conta de Londres, e por todos os lados só se ouvem cantos de que “o futebol está voltando para casa” – até mesmo Eric Clapton e Justin Timberlake puxaram o coro em shows no último fim de semana.

A alegria na Rússia contrasta, entretanto, com um momento complicado da política do país, que negocia sua saída da União Europeia em meio a polêmicas e crises.

A semifinal, por exemplo, ocorre logo após o governo da primeira-ministra Theresa May perder dois de seus secretários e enfrentar forte pressão – o que levou o tabloide “The Sun” estampar em sua capa nesta terça uma “mensagem aos políticos” por uma trégua: “Vocês não sabem que tem um maldito jogo rolando?”, dizia a manchete.

continua após a publicidade

Segundo o escritor Alex Bellos, a Copa está criando uma disputa política em torno da narrativa do avanço da seleção. Enquanto um grupo tenta usar as vitórias para mostrar a excepcionalidade do país em meio à separação da União Europeia, outro tenta mostrar que a seleção é formada em grande parte por imigrantes, que ajudam a fortalecer um país multicultural.

Formado em matemática e filosofia por Oxford, Bellos é autor do livro “Futebol: O Brasil em Campo” (Ed. Zahar), escrito enquanto viveu cinco anos no Brasil trabalhando como jornalista para o jornal “The Guardian” e para a rede BBC.

continua após a publicidade

O livro é um retrato do Brasil usando o futebol como ponto de partida. Ele fala da realidade em cidades como Rio e São Paulo, mas também trata do esporte no Nordeste e Norte.

P. – Qual sua impressão sobre o clima geral de empolgação dos ingleses com a Copa?

ALEX BELLOS – As pessoas estão empolgadas e mal acreditam, mas, mesmo assim, elas não estão parecendo triunfalistas como no passado. Há poucas bandeiras da Inglaterra nas ruas. O país não está em um clima exageradamente nacionalista, e as pessoas parecem estar apenas aproveitando o momento e o fato de que tudo parece estar dando certo.

Minha principal percepção, entretanto, é pelas lentes do que está acontecendo na sociedade inglesa e britânica neste momento. É impossível ver qualquer coisa na cultura política atualmente sem falar sobre o “brexit” [o processo de rompimento do Reino Unido com a União Europeia] e as imensas divisões na sociedade.

Tradicionalmente, assim como se fala muito no Brasil, há uma expectativa de que o que acontece em campo tem reflexos na sociedade e na política. Se a seleção vai bem, há a expectativa de que o governo se beneficie disso. Se a seleção vai mal, isso pode atrapalhar os planos do governo.

P. – Como acha que vai se dar essa influência?

AB – O que temos aqui na Inglaterra hoje é uma disputa pela narrativa da Copa e de como isso vai influenciar a política. Por um lado, há o discurso de que a Inglaterra é um país pequeno e isolado, mas capaz de alcançar muito mais do que se espera dela, e por isso não precisa do resto do mundo, e a separação da União Europeia será brilhante. Já vemos alguns comentaristas de direita fazendo discursos assim.

Por outro lado, os liberais, de esquerda argumentam que o time é formado por quase metade de jogadores negros, Harry Kane, principal estrela do time, tem ascendência irlandesa, Raheem Sterling nasceu na Jamaica, e muitos outros jogadores são de segunda ou terceira geração de imigrantes. Esta outra narrativa é parecida com a da França em 1998, indicando que este time é uma representação perfeita da Inglaterra multicultural. 

No momento, é difícil saber qual narrativa vai ganhar. No começo da Copa, a impressão era que os liberais e intelectuais tinham medo que a Inglaterra fosse bem, pois a seleção poderia ser usada pela direita, e hooligans sairiam destruindo tudo, mostrando o pior do país. Como o avanço está gerando uma reação diferente, mais saudável, e o principal tema é este de que o “futebol está vindo para casa”, as coisas mudaram.

O tom agora é mais amigável, liberal, bem humorado, e parece que o discurso da diversidade pode sair vitorioso junto com o time. É um debate interessante, e que em menos de uma semana vai passar por grandes disputas e depender do que acontece no campo.

P. – Você se referiu à música “Three Lions”, que virou hino da Inglaterra na Copa com a frase “football is coming home” (o futebol está vindo para casa). Acha que esse sentimento de ser “a casa” do futebol é algo realmente forte entre os ingleses?

AB – Não acredito que ninguém aqui pense realmente que, pelo fato de o futebol ter sido inventado na Inglaterra, o país merece ganhar a Copa. A música é de um programa de humor. Ela é muito irônica, e as pessoas entendem esse lado dela. É pura diversão. Os ingleses têm muito senso de humor, e as músicas das torcidas sempre apelam para o humor. É evidente que sabemos que os melhores jogadores do mundo não são ingleses, então é uma forma de se divertir.

P. – Enquanto falamos da empolgação inglesa, o Brasil foi desclassificado novamente. Acha que isso muda algo na forma como o país é visto em termos de futebol?

AB – Quem viu o jogo contra a Bélgica viu que o Brasil jogou bem, mas perdeu por azar, então isso não pesa tanto sobre a força do futebol do Brasil. Foi uma forma respeitável de deixar a Copa. Por outro lado, o mais marcante foi que o Neymar acabou visto como um simulador, mais preocupado com o cabelo e com a imagem, e que cai sempre que alguém toca nele.