“Eles estão vendendo flores na ponte?”, perguntou o português Marcelo Moura, 30, quando a reportagem chamou a atenção dele para o pequeno aglomerado de vasos, velas e fotos pelo qual ele acabara de passar sem perceber.
Não foi o único. Por quase uma hora nesta quinta (21), a reportagem acompanhou o tráfego de turistas pela ponte Bolshoi Moskvoretski. Apenas um grupo de três mexicanos se interessou pelo que havia no lugar.
No caso, uma foto de Boris Nemtsov, o mais importante político assassinado durante os anos de Vladimir Putin no poder. Para seus aliados, a mando do próprio Kremlin.
Em 27 de janeiro de 2015, ele passeava com a namorada à noite no local quando foi baleado pelas costas.
Desde então, um grupo de cerca de dez ativistas se reveza, mantendo o local.
São frequentemente atacados. Ora por ordem da prefeitura para retirar o memorial, ora por nacionalistas à noite. Um dos ativistas, Ivan Skripnitchenko, foi morto espancado em agosto de 2017 em um desses incidentes noturnos.
Na definição do jornalista investigativo Roman Schleinov, eles são “invisíveis”. De certa forma, os turistas da Copa estão provando correta sua avaliação.
“Odeio essa gente. Barulhentos, bêbados e, mais que tudo, ignorantes. Estamos na Berlim em 1936”, disse um dos ativistas de plantão nesta quinta, Mikhail Kireiov, mostrando a placa lembrando os 1.120 dias do crime.
Ele repete uma comparação feita pelo chanceler britânico, Boris Johnson, que acusa Putin de emular Adolf Hitler e usar a Copa como o ditador nazista usou os Jogos de 1936.
Exagero à parte, não ajuda muito a causa de Kireiov o fato de não haver explicações em inglês do caso e de ele apenas balbuciar palavras na língua.
Um dos mexicanos que pararam, Javier Menendez, 29, havia tido a mesma impressão inicial do português Moura.
É natural, pois russos são loucos por flores. O comércio delas é intenso em Moscou, com floriculturas abertas 24 horas por dia e vendedoras de rua ofertando o produto.
“Aí, quando vi de perto, lembrei-me do caso. Mas ficou provado que foi o Putin?”, perguntou.
Não, nem foi cogitado pela investigação oficial. Ela identificou cinco tchetchenos, condenados em junho de 2017.
Para entidades de direitos humanos, eles foram inocentes úteis fornecidos pelo regime de Ramzan Kadirov, o autocrata que comanda a Tchetchênia e é aliado de Putin. O Kremlin nega a hipótese.
Tchetchenos também foram julgados culpados por outro assassinato famoso, o da jornalista e crítica do Kremlin Anna Politkovskaia, em 2006.
A ONG Comitê para a Proteção de Jornalistas lista 83 mortes de profissionais de imprensa na Rússia desde 1992, muitas delas suspeitas de serem crimes políticos.
O caso mais recente é de abril, quando o repórter investigativo Maksim Borodin foi encontrado morto do lado de fora de seu prédio em Iekaterimburgo.
Se sua morte foi mesmo política, Nemtsov é o mais notável da lista. Ele foi vice-premiê no confuso governo de Boris Ieltsin e visto como um candidato a suceder o presidente, o que coube a Putin.
Desde a posse do rival, virou um crítico ddo Kremlin. Antes de morrer estava trabalhando em dossiês sobre a ação russa na reincorporação da Crimeia ucraniana, em 2014.
Houve cerca de cem episódios em que o memorial foi removido. Eles escassearam neste ano, e Kireiov acha que pode ter relação com a Copa.
Em março, a prefeitura moscovita permitiu que fosse instalada uma placa em homenagem a Nemtsov no prédio em que morava, ao sul do Kremlin.
Ali, na rua Malaia Ordinka, havia uma solitária flor no chão.