Copa 2018

Mais longevo da história, técnico francês ignora críticos por feito na Copa

Em Nijni Novgorod (400 km de Moscou), onde o rio Oka deságua no Volga, Didier Deschamps, 49, vai tentar continuar sua sina de ser a pessoa certa no lugar exato. Apesar dos percalços, é isso o que ele tem feito desde 2012 na seleção francesa, trabalho que o fez ser o técnico mais longevo da história da equipe.

Contra o Uruguai nesta sexta (6), pelas quartas de final da Copa do Mundo na Rússia, ele vai chegar ao 81º jogo no comando do time. O recorde anterior era Raymond Domenech, que deixou o cargo após o torneio de 2010, na África do Sul, com o moral do time em frangalhos após brigas internas, acusações de traição e queda na fase de grupos.

“Eu nunca digo para os meus jogadores quem eu sou, o que fiz e ganhei como jogador. Não preciso fazer isso. Eles sabem”, afirma Deschamps.

No maior momento da história do esporte francês, foi o então volante quem ergueu a taça de campeão mundial em 1998, após vitória por 3 a 0 sobre o Brasil. Era ainda o capitão na conquista da Eurocopa dois anos depois. Fez o mesmo em 1993 quando o Olympique de Marselha foi o primeiro (e até agora único) clube francês a vencer a Liga dos Campeões da Europa.

Quando a Juventus (ITA) precisou de uma calma e decisiva presença no meio-campo para acabar com o jejum de 11 anos sem ganhar a principal competição europeia, apelou para Deschamps, que voltaria como treinador no momento de maior crise da história da equipe para tirá-la da Série B italiana.

“Ele chegou na seleção francesa para apagar um incêndio, mas também no momento em que havia uma grande geração surgindo. Uma equipe que pode fazer o país brigar pelo título na Copa”, avalia Alain Giresse, ex-meia de outro elenco francês, semifinalista nos Mundiais de 1982 e 1986 e campeão europeu de 1984.

Há um contraste entre ele e Oscar Tábarez, o técnico uruguaio que será seu rival nesta sexta. O “maestro” sul-americano gosta de longas conversas, é adepto da tese de que os jogadores precisam ser educados também com aulas de artes e história, organiza visitas a museus e teatros. Fala com eles sobre música e plantas.

Deschamps é pago para montar uma equipe de futebol e não ser apanhado de surpresa. Busca controlar um time, não indivíduos. Não levou para a Rússia os atacantes Benzema, Lacazette e Martial, que estariam na lista dos 23 na maioria das seleções que foram para a Copa. Da mesma forma que deixou em casa o mesmo Benzema e Ben Arfa, então em grande fase, antes da Eurocopa de 2016 e não convocou Nasri para o torneio no Brasil em 2014.

“Eu não escolho os 23 melhores jogadores. Eu escolho os 23 jogadores que podem me dar o melhor time possível. São coisas bem diferentes”, explica.

O adversário Tabarez concordou.

“A seleção francesa joga de acordo com as características dos seus jogadores. Isso é sinal de inteligência [de Deschamps]”, elogiou o uruguaio.

Estar preparado para tudo é uma lembrança da noite mais traumática da história do futebol nacional. Deschamps estava em campo quando a França enfrentou a Bulgária na última rodada das eliminatórias para o Mundial de 1994, precisando apenas de um empate para voltar à competição depois de não ter se classificado em 1990. O jogo estava empatado até os 45 minutos do segundo tempo, quando o meia David Ginola, com a bola próxima à área, em vez de prendê-la esperar o fim da partida, tentou um cruzamento inexplicável. Os búlgaros partiram no contra-ataque e Kostadinov fez o segundo gol.

Eric Cantona depois tentou bater no responsável pelo erro. O técnico Gérard Houllier nunca perdoou o meia que custou o seu emprego com a jogada imprudente.

É una linha tênue para Deschamps. Ter um time de garotos e homogêneo (com média de 26 anos, a França tem o segundo elenco mais jovem na Rússia), mas não deixar a corda frouxa demais. Não há como um volante que primou, como jogador, pela disciplina tática dar liberdade excessiva para meninos como Mbappé, 19.

“Acho que um pouco de medo não faz mal. Eu não sou um sujeito rigoroso demais, mas não estou aqui para ser simpático.”

Ter o melhor time e não necessariamente os melhores atletas já lhe causou problemas. Cantona disse que Benzema, envolvido em episódio de chantagem a Valbuena, que também era da seleção, não era mais chamado por Deschamps por racismo. O atacante tem ascendência argelina. É o mesmo Cantona que chamava o desafeto de “carregador de água” quando ambos atuavam pela seleção francesa. Alguém que não criava nada. Era apenas linha auxiliar para os melhores jogadores.

“Ele tem um nome realmente francês. Talvez seja o único na França a ter um nome verdadeiramente francês. Ninguém na família dele se mistura com ninguém, como os mórmons nos Estados Unidos”, acusou o hoje aposentado jogador e ator nas horas vagas.

Deschamps o processou, mas deixou passar outras críticas que o chamavam de treinador do estabilishment, alguém que se curvava à opinião de dirigentes.

Poderia responder que seus resultados como técnicos são bons. Na primeira temporada no Monaco levou o time à final da Liga dos Campeões em 2004. Fez o Olympique de Marselha ser campeão francês pela primeira vez depois de 18 anos. Sua jovem seleção francesa foi à decisão da Eurocopa de 2016, quando acabou derrotada na prorrogação por Portugal.

“Estou acostumado a que meus bons momentos não sejam tão ressaltados. Quando eu era jogador, era igual. Eu não fazia gols, então não aparecia quando a TV mostrava os melhores momentos”, afirma brincando, mas não muito.

As especialidades de Deschamps eram carrinhos, roubadas de bola, posicionamento e passes curtos. Nos dias de hoje, ele não faria fortuna com comerciais de marcas esportivas como acontece com Messi, Ronaldo, Neymar ou seu comandado Mbappé, por exemplo.

Mas pode ganhar muitos mais títulos se estiver no lugar certo na hora certa. É isso o que ele espera fazer na Copa do Mundo na Rússia.

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