Copa 2018

Fim de dieta do islã alivia jogadores no início da Copa

Quando o craque egípcio Mohamed Salah foi lesionado na final da Liga dos Campeões, em maio, em Kiev, os fãs do Liverpool culparam o espanhol Sergio Ramos, do rival Real Madrid.

Um clérigo islâmico, no entanto, culpou Salah. Mubarak al-Bathali afirmou que o futebolista foi punido por Deus por ter violado o jejum obrigatório a todos os muçulmanos durante o mês do Ramadã.

O Ramadã, que varia a cada ano no calendário ocidental, começou em 16 de maio e termina nesta quinta-feira (14), justamente o dia do início da Copa do Mundo. Isso significa que os jogadores das sete seleções de maioria islâmica, como o Egito e a Arábia Saudita, treinaram no último mês sob a pressão de não poder comer ou beber do nascer ao pôr do sol.

Além da fome, os craques foram afetados por mudanças em seus padrões de sono e pelas refeições feitas às pressas ao entardecer.

A imposição dessa dieta é um dos pilares do islã, como um tipo de sacrifício durante o mês no qual os muçulmanos acreditam que o profeta Maomé recebeu a revelação de seu livro sagrado, o Alcorão.

Não é inédito, apesar de incomum, que o jejum coincida com um evento esportivo. Esse já tinha sido, aliás, o caso dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, e da Copa de 2014, no Brasil.

Mas técnicos de outras fés, como o argentino Héctor Cúper, responsável pela seleção egípcia, expressaram publicamente as suas preocupações. Ele disse no mês passado à rede britânica BBC que “o jejum pode impactar negativamente os jogadores na Copa”.

Deixar de comer e beber durante os intensos treinamentos pode afetar o desempenho dos futebolistas, segundo estudos médicos –o contraexemplo é a seleção argelina, que, na Copa de 2014, também durante o mês do Ramadã, fez uma boa partida nas oitavas de final (perdeu de 2 a 1 da Alemanha, na prorrogação, depois de empatar em 0 a 0 no tempo normal –e não de 7 a 1, como o Brasil, na semifinal).

As seleções de maioria muçulmana desenvolveram uma série de estratégias para sobreviver ao mês sagrado. Técnicos deixaram a decisão de jejuar ou não para cada jogador, por exemplo, e não chamaram a atenção para o que eles escolheram individualmente. Tentaram evitar, assim, a pressão vinda de suas sociedades conservadoras –em especial, a egípcia, que seguiu atentamente a dieta de Salah.

Os futebolistas egípcios vinham se preparando, ademais, com um programa nutricional que já levava em conta esse mês de privações. As equipes médicas dessas seleções estavam preparadas para o desafio.

Outra estratégia foi utilizar a opinião dos clérigos que admitem exceções para o jejum de Ramadã. É aceito na tradição islâmica que os doentes estão isentos de jejuar, assim como quem viaja para longe de casa. O último caso se amolda aos craques que foram à Rússia para a Copa do Mundo.

O egípcio Salah, por exemplo, quebrou o jejum somente ao viajar para a Ucrânia no mês passado para a final da Liga dos Campeões, quando se lesionou –daí a acusação feita pelo clérigo muçulmano de que era uma punição divina.

Essa tática foi utilizada também pela seleção saudita, vinda justamente de um dos países islâmicos mais restritos. Com a justificativa das viagens, a maior parte da seleção adiou a dieta para depois da Copa do Mundo. Segundo relatos da imprensa, só quatro jejuaram, e mesmo assim com exceções durante as partidas.

Toda a seleção da Tunísia, por outro lado, manteve a dieta do Ramadã mesmo durante as partidas amistosas das últimas semanas, desafiando ao limite a resistência física dos seus 11 jogadores.

Talvez por isso o goleiro Mouez Hassen tenha recorrido à estratégia de fingir uma lesão durante uma recente partida amistosa contra Portugal, exatamente ao cair do sol.

Segundo a cobertura feita pela imprensa naquele jogo, a queda dele e o tratamento médico deram tempo para que seus colegas escapassem do gramado para o tradicional desjejum pós-Ramadã, que costuma constituir de goles de água e mordiscadas em tâmaras.

Em jejum, não dá para correr depois dos primeiros 30 minutos e se perde o ar, segundo relato de um atleta egípcio em anonimato para a agência de notícias Associated Press. Ele afirma que, depois de um tempo, sente que as pernas não o podem mais carregar.

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