Ao dizer aos dirigentes da AFA (Associação de Futebol Argentino) que precisa de um tempo para pensar, Lionel Messi deu mais um passo para se diferenciar de Diego Maradona. O jogador que deveria ser o espelho de sua carreira, mas a cada dia mais se transforma em sombra.
Aos 31 anos, Messi quer refletir sobre o futuro. Não deseja tomar nenhuma decisão de cabeça quente sobre a seleção após a queda para a França no Mundial da Rússia, nas oitavas de final do torneio. Após a derrota na final da Copa América Centenário para o Chile, em 2016, ele disse que não desejava mais ser convocado. Depois voltou atrás.
Pode ser apenas o caminho mais fácil porque, no fundo, Messi nunca sabe o que dizer. Ao contrário de Maradona, que sempre tem o que falar e defende a tese de que a camisa da Argentina está sobre todas as coisas e nunca se nega o chamado do seu país.
“Falaram muitas idiotices sobre a nossa equipe”, disse Lionel, em uma das pouquíssimas declarações que deu durante a Copa do Mundo. Era uma afirmação de alívio após a vitória sobre a Nigéria que evitou a eliminação na fase de grupos. Depois da derrota para a França, ele saiu calado.
“Para quem acha que é difícil falar com Messi pessoalmente, não sabe o que é por telefone. É mais fácil conseguir uma audiência com Deus do que fazer Leo atender o telefone”, se queixou o próprio Maradona quando era técnico da seleção, na Copa do Mundo da África do Sul, em 2010.
Uma das poucas vezes que atendeu foi na primeira conversa que teve com seu ídolo. Logo após estrear como profissional pelo Barcelona, aos 16 anos, o telefone tocou na casa de Messi na Espanha. Quem respondeu foi seu pai, Jorge. Sem dizer nada, ele passou o aparelho para Lionel, que ficou petrificado. Era Maradona para parabenizá-lo pela estreia.
A primeira aparição pública de Messi na Argentina foi no programa que Diego teve por alguns meses na TV do país, o “La Noche del Diez” (A noite do dez, em espanhol). Foi quando aconteceu seu primeiro encontro com Maradona em pessoa. O garoto levou a família inteira para o programa e no camarim todos imaginavam as fotos e os autógrafos. O ex-jogador apareceu de repente e ninguém lembrou de pedir nada.
O único livro que Messi afirma ter lido até hoje é a biografia de Maradona, “Yo soy Diego” (Eu sou Diego). Quando o então camisa 10 estreou pelo Newell’s Old Boys em 1993, o menino Lionel, 9 anos, estava espremido na arquibancada.
Há uma ligação óbvia entre os dois que vai além de usarem a camisa 10 na seleção argentina em uma Copa do Mundo.
Ao ser descoberto nas categorias de base do Newell’s Old Boys, o empresário Josep María Minguella avisou os dirigentes do Barcelona: “descobri outro Maradona”. Foi Minguella quem fechou a negociação para levar Diego do Boca Juniors para a Espanha, em 1981. Ao ser avaliado, o supervisor Tito Villanova, que anos depois dirigia Messi no profissional do Barcelona, fez um relatório sobre os garotos para os dirigentes que terminava com uma simples frase:
“Basicamente, ele é um pequeno Maradona.”
Não para os argentinos. Mais de uma vez, Messi foi acusado de ser estrangeiro por ter se mudado, aos 12 anos, para Barcelona e ter se criado na Espanha. Seus filhos falam catalão e nasceram na Europa. Diego Maradona cresceu e se formou no subúrbio de Buenos Aires, no caldeirão de pobreza que formou outros jogadores argentinos. Como Carlos Tevez, por exemplo, outro futebolista argentino que não teve nem de perto o sucesso de Messi no futebol, mas ainda é chamado de “el delantero del pueblo” (o atacante do povo).
A imagem de Maradona chorando após a derrota para a Alemanha na final da Copa de 1990 é icônica. Mas Messi também chorou em todas as finais perdidas pela seleção e não é visto como alguém que ama a camisa argentina como Diego. Lionel poderia ter facilmente ter jogado pela Espanha e recebeu convite para isso. Recusou porque queria defender a Argentina. Seu núcleo de amigos próximos é o mesmo da época de adolescência. Ele ainda fala com o sotaque de Rosário, cidade onde nasceu.
“Você não pode comparar Messi e Maradona. São pessoas de personalidades muito diferentes. Dentro de campo, são dois gênios. Mas ninguém é igual a ninguém. É comparação justa”, disse Minguella à reportagem.
Messi deveria estar acostumado. Desde que, aos 10 anos, fez malabarismos com a bola no estádio do Newell’s, antes de uma partida do profissional, e a torcida começou a gritar “Maradona! Maradona”, ele é comparado com Diego.
“Eu ficou muito isolado em campo [contra a França], longe demais da área. Eu disse que se ele jogasse como número 9, teria de procurar a bola, fazer o jogo acontecer, dar passes e fazer os gols”, afirmou Maradona após a eliminação argentina, comparando-o com Patoruzú, personagem de histórias em quadrinhos do país, um cacique da Patagônia com força sobre-humana.
A força que muitas vezes foi atribuída a Maradona, que levou a Argentina a uma final de Copa do Mundo, em 1990, jogando todas as partidas com o tornozelo inchado.
“Leo ama a camisa da sua seleção mais que tudo. Não se pode dizer o contrário”, defende Jorge Sampaoli.