Parece haver um consenso no meio do futebol de que Diego Godín, 32, capitão do Uruguai que enfrenta a França nesta sexta (6), é um dos melhores zagueiros do mundo. E como muitas das histórias de jogadores que pareciam fadados ao esquecimento e, de repente, arrancam para o sucesso, a do camisa 3 não é diferente.

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Quer dizer, ele até poderia ter chegado à seleção de seu país, mas não como zagueiro e dificilmente entre os melhores do planeta em sua posição.

Quando tinha 15 anos, Godín era meia-atacante e corria atrás do sonho de ser um camisa 10, marcador de gols. Mas seu clube, o Defensor, parecia não acreditar em seu potencial e o dispensou.

Chateado, voltou de mala e cuia à sua cidade, Rosario, sudoeste do Uruguai, para buscar na família o consolo pela desilusão precoce na carreira.

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Foi aí que um tio decidiu ajudá-lo e perguntou a um técnico do Cerro, de Montevidéu, se havia a possibilidade de que Godín fizesse um teste na equipe. Willans Lemus, treinador das categorias de base do clube, aceitou o pedido e incorporou o jovem meio-campista para um período experimental.

“Disse ao tio que as portas do Cerro estavam abertas. Isso foi numa sexta-feira. Na outra quarta, Diego já veio treinar. Perguntei em que posição jogava e me disse que era ‘enganche’, um 10, e falei para ele que eu não usava essa função no time. Então comentou que poderia jogar de meia pela direita”, lembra Lemus, 59, em entrevista à Folha, enquanto toma um café de frente para o Rio da Prata, em Montevidéu.

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Após alguns dias de treinos, Godín recebeu do treinador a notícia de que havia sido aprovado e assinaria contrato com o clube. E que já seria titular no próximo jogo. Como meia-direita. “Ele era melhor do que aquilo que eu tinha em termos de opções na época”, diz o técnico, que hoje trabalha com as categorias de base do Racing de Montevidéu.

Nessa partida, Lemus perdeu um zagueiro expulso e o outro estava lesionado. Só tinha um defensor próprio da função para o compromisso seguinte. Foi então quando decidiu provar Godín na zaga.

“Ele não gostava muito da posição, via por sua cara. Só que não me falava”, diz, aos risos, o treinador. “Mas à medida que foi trabalhando, se convenceu de que poderia chegar à primeira divisão”.

Convenceu a si mesmo e a todos. Em um treino com os profissionais, o técnico do time principal, Gerardo Pelusso, gostou de sua atuação e imediatamente o incorporou ao grupo, em 2003.

Três anos depois, já era titular indiscutível e capitão da equipe. Foi com a camisa do Cerro que conseguiu sua primeira convocação para a seleção, em 2006, ainda com Jorge Fossati no comando.

De lá para cá, passou com sucesso por Nacional, de Montevidéu, e Villarreal (ESP), até chegar ao Atlético de Madri (ESP), onde é ídolo e pilar do sólido time treinado por Diego Simeone. Na seleção, assumiu a capitania com a aposentadoria de Diego Lugano.

Em um Uruguai x Argentina disputado no Estádio Centenário, encontrou Willans Lemus na saída e pediu que o ex-técnico esperasse um pouco. Quando voltou, tirou da mochila uma camiseta celeste, com o número 3 às costas.

Hoje, Diego Godín pode olhar para a própria carreira com a certeza de que atingiu o sucesso que pretendia quando ainda era um jovem meia dispensado pelo Defensor. E não esqueceu de onde veio e de quem o ajudou.

“Tinha condições para chegar à primeira divisão, mas humildemente te digo que não sei se chegaria ao que é hoje. Um dos cinco melhores zagueiros do mundo, se não está entre os três. E usando a faixa de capitão de uma seleção como a do Uruguai, que são muitos poucos que chegam a isso”, diz Lemus.

Outro em Montevidéu ligado à origem de Godín é Héctor “Toto” Pereira, 67.

Há 20 anos, ele é roupeiro do Cerro e compartilhou vestiário e concentrações na passagem do jogador pelo clube.

Toto Pereira recebe a reportagem no Estádio Troccoli com um casaco do Red Bull Salzburg (AUT), um outro do América de Cali (COL) e uma calça do Tigre (ARG). Quando enfim tira as duas blusas para revelar uma camisa da seleção uruguaia, Toto brinca: “Eu vou parar por aqui, hein!”.

A conversa se dá na lavanderia do clube. Sobre a mesa, um rádio ligado em um programa esportivo e sua cuia de mate, com adesivos do Cerro.

“Lembro do dia em que Diego [Godín] ia estrear. Não pôde fazer sua estreia porque não houve jogo, não havia polícia e a partida foi suspensa por falta de garantias de segurança. Diego ficou puto e veio reclamar comigo”, lembra Toto à Folha, em uma das histórias que ele conta. Há outras que são impublicáveis.

Tão próxima se tornou a relação dos dois no período em que estiveram juntos que o roupeiro passou a apelidar Godín de Kaiser, como Beckenbauer.

Toto, inclusive, deu alguns conselhos para Godín quando foi fazer seu primeiro jogo pelo Uruguai, em um amistoso contra a Inglaterra. “Foi marcar aquele grandão e não parava de pegar no cara, puxar a camisa. Fui eu que falei para ele fazer isso. Um fenômeno”, conta, sobre o dia em que Godín marcou o inglês Peter Crouch, de 2,01m.

Meses depois da estreia pela seleção, o Cerro foi rebaixado. Mas não por uma má campanha dentro de campo, e sim por pontos perdidos em razão de uma briga com torcedores do Peñarol. Toto e Godín choraram abraçados.

O roupeiro do Cerro é outro que Godín não esquece. Já o presenteou com chuteiras e com a camisa que ele estava usando nesta quinta (5), dada logo após uma partida da seleção em Montevidéu.

“São estas as coisas que ficam disso tudo. Ele parece o mesmo pibe”, diz Toto Silveira, entre uma pitada no cigarro e outra, enquanto põe e tira da máquina de lavar os uniformes dos que hoje sonham em se tornar no futuro um novo Diego Godín.