Para que a seleção masculina de hóquei sobre a grama consiga a classificação olímpica via Jogos Pan-Americanos e o Brasil não fique sem disputar uma modalidade dos Jogos do qual é anfitrião, o Ministério do Esporte firmou um convênio de R$ 4,975 milhões para viabilizar treinos da equipe no exterior de janeiro a novembro de 2015. Parte do dinheiro que deveria ter sido disponibilizado aos atletas, entretanto, foi retido pela Confederação Brasileira da modalidade (CBHG), na casa da câmbio, no momento em que os jogadores trocaram reais por euros.
No convênio firmado no penúltimo dia da gestão de Aldo Rebelo à frente do Ministério do Esporte, em dezembro passado, a confederação se comprometeu a repassar ‘diárias’ de até R$ 476 a atletas e membros da comissão técnica, ficando eles responsáveis pelos gastos com alimentação, transporte (exceto transatlântico) e hospedagem. Ao ministério, a CBHG só precisa comprovar que repassou os recursos aos integrantes da delegação, sem que estes demonstrem a destinação final do dinheiro.
A prática comum neste tipo de convênio é a confederação orçar tais serviços diretamente com os prestadores ou com agências de viagem, comprovando ao governo o pagamento aos mesmos.
Por conta da exceção aberta para este convênio, no início de março, às vésperas da viagem à Europa para uma das etapas do treinamento, 23 atletas da seleção (entre eles cinco holandeses e um inglês, todos de dupla nacionalidade) e cinco membros da comissão técnica receberam R$ 57.596 em contas pessoais, valor referente às diárias para quatro meses (março a junho) de permanência no Velho Continente.
Eles foram informados por e-mail pelo gerente geral da CBHG, Bruno Patrício Oliveira, que R$ 15 mil ficariam como espécie de salário, usual sempre que um atleta (de qualquer modalidade) serve à seleção, e R$ 42 mil deveriam ser trocados por euros, em casa de câmbio determinada pela confederação.
Só parte deste valor (47%), no entanto, chegou ao Travel Card (cartão de viagens) dos atletas, de acordo com extrato obtido pela reportagem junto a um desses jogadores. O restante foi retirado na agência de cambio, em dinheiro vivo, pela CBHG.
A confederação explicou aos atletas que usaria a verba retida para pagar hospedagem e aluguel de carro e campo de treino. Já o dinheiro do cartão de viagens seria para alimentação, combustível, academia e “extras”.
No projeto aceito pelo Ministério do Esporte, a explicação era outra: “Será destinado um valor diário de R$ 476,00 para os atletas e membros da comissão técnica arcarem com todas as suas despesas de alimentação (café da manhã, almoço, lanche e jantar), de hospedagem e de transportes (vans, ônibus, táxis e trens) para os treinamentos e jogos amistosos na Holanda, Bélgica e Alemanha”. Ou seja, a entidade não ficaria com tais recursos.
Questionada, a CBHG não explicou os motivos do procedimento nem por que desde o dia 1º de abril a delegação brasileira está na Irlanda do Norte, país sem nenhuma tradição no hóquei e que sequer tem uma seleção nacional, e não nos locais mencionados, nos quais o hóquei é bastante popular. No país britânico, os jogadores moram e treinam na Universidade de Ulster. A CBHG também não respondeu se tem gastos com transporte, hospedagem e aluguel de campo.
O ministério, por seu lado, não explicou o motivo da mudança nas condições do convênio na comparação com os contratos tradicionais e, sobre a utilização dos recursos, disse que aguarda a prestação de contas. Informou ainda que “entidades esportivas que celebram convênios com o Ministério do Esporte devem executar o objeto do convênio nos termos pactuados e no prazo estabelecido no projeto e no Plano de Trabalho” e que, “se comprovadas irregularidades, a entidade poderá responder administrativamente”.
FILHO DO PRESIDENTE – O convênio tem outros pontos polêmicos. O principal deles diz respeito ao salário pago ao técnico da seleção brasileira, Cláudio Rocha. Filho de Sydney Rocha, presidente da CBHG desde a criação da entidade, em 2011, o treinador recebe R$ 12 mil mensais.
O Ministério do Esporte, entretanto, utiliza uma tabela de referência do Comitê Olímpico do Brasil (COB) como base para salários pagos com recursos públicos. O valor recebido por Cláudio é correspondente, na tabela do COB, a um técnico “classe A”, medalhista olímpico ou mundial. O treinador, porém, de acordo com seu currículo, se encaixa na “classe C”, com faixa salarial de R$ 3 mil a R$ 5 mil. A reportagem questionou a CBHG e ministério sobre a exceção, mas não obteve respostas.