O contrato assinado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para sediar a Olimpíada de 2016 garante à entidade poder total sobre o evento. Cópia do documento obtida pela Agência Estado mostra que o acordo prevê até imunidade em ações judiciais, reembolso integral de impostos – até no exterior – e 20% dos lucros.
O texto, assinado por Paes em 2 de outubro de 2009, em Copenhague, com 79 cláusulas e 45 páginas, também dá ao Comitê Organizador dos Jogos (COJ), entidade privada controlada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mais de 90% de receitas do evento. Além disso, o COI, a seu critério, tem o direito até de cancelar os Jogos, decisão contra a qual nem a prefeitura e nem as entidades brasileiras podem recorrer judicialmente.
Aparentemente, o contrato não foge do padrão utilizado em outras edições da Olimpíada. Mas ainda assim impressiona pela quantidade de poderes que dá ao COI, em contraste com as obrigações impostas à prefeitura carioca. A administração municipal do Rio de Janeiro é mencionada, basicamente, como detentora de deveres a cumprir, ao lado do COB (designado no texto como CON, Comitê Olímpico Nacional) e do COJ (mais tarde batizado Rio 2016).
Pelo COB, assina o contrato o seu presidente, Carlos Arthur Nuzman. Representam o COI seus dirigentes Jacques Rodge e Richard Carrión. O texto estabelece que divergências serão dirimidas pelo Tribunal de Arbitragem Esportiva (CAS, na sigla em inglês), em Lausanne, na Suíça. Se a corte se declarar incompetente, o processo passará para a Justiça suíça.
“A Cidade, o CON e o COJ abdicam aqui a aplicação de qualquer provisão legal sob as quais possam reivindicar imunidade contra ações legais, arbitragem ou outros procedimentos legais (I) introduzidos pelo COI, (II) introduzidos por terceiros contra o COI… Essa renúncia se aplica não apenas à jurisdição, mas também ao reconhecimento e aplicação de qualquer julgamento, decisão ou concessão de arbitragem”, diz a cláusula 79.
A determinação contrasta com outro dispositivo, o da Cláusula 9, pelo qual a Cidade, o CON e o COJ “renunciam à propositura de qualquer ação judicial em face do COI e de seus executivos, membros, diretores, funcionários, consultores, procuradores e demais representantes com vistas ao ressarcimento de danos, inclusive de quaisquer despesas resultantes de ações ou omissões do COI relativamente aos Jogos, bem como na hipótese de cumprimento, descumprimento, infração ou extinção deste Contrato”.
O texto diz que o disposto não se aplicará nos casos de “dolo (crime) e culpa grave do COI”, mas dá novas imunidades à entidade internacional, mesmo em casos em que os brasileiros agirem por determinação do COI. “Não obstante a obtenção da prévia aprovação por escrito do COI em relação às diversas atividades ou outras matérias previstas nos termos deste Contrato, fica entendido que caberá à Cidade, ao CON e/ou ao COJ, e não ao COI, a responsabilidade pelas eventuais consequências resultantes de tais atividades e outras matérias”.
CUSTO ZERO – As isenções de impostos são abordadas na Cláusula 50: “Pagamentos a serem recebidos pelo COI ou por certos terceiros. A Cidade e/ou o COJ assumirão todos os tributos, inclusive diretos e indiretos, sejam eles impostos retidos na fonte, impostos de importação ou exportação, impostos sobre valor agregado ou quaisquer outros tributos indiretos, atuais ou futuros, devidos em qualquer jurisdição sobre um pagamento a ser feito ao COI ou a qualquer terceiro pertencente ou controlado pelo COI, direta ou indiretamente, inclusive a Olympic Broadcasting Services S.A. e a Television and Marketing Services S.A. do COI com relação às receitas geradas relativas aos Jogos”.
A Cláusula 9 fixa: “O COI não confessará responsabilidade por nenhum dano a ser ressarcido a terceiros.” Em caso de processo, caberá à prefeitura, ao CON e ao COJ bancar a defesa do COI. A prefeitura foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou sobre o contrato.