Protestar com vaias ao time do coração e a seus jogadores ou com xingamentos a dirigentes e técnicos já não basta. No futebol brasileiro, a exibição da insatisfação com o rendimento das equipes tem ido muito além das arquibancadas e alcançado novos palcos, com a invasão de centro de treinamentos e até mesmo atos em aeroportos.
Foi assim nas últimas semanas, quando membros de torcidas organizadas forçaram a entrada nos CTs de Cruzeiro, Fluminense e Botafogo, clubes tradicionais que fazem campanhas decepcionantes no Campeonato Brasileiro, e adotaram tom de cobrança para intimidar jogadores. Mas também atingiu times mais bem posicionados, como Corinthians e Palmeiras, com, inclusive a exibição de faixa com a inscrição “ninguém morreu ainda” na sequência da eliminação da equipe alviverde na Copa do Brasil.
Esses atos são sinais do aumento da intolerância do torcedor, como aponta Bernardo Buarque de Hollanda, professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Ele acredita que não houve exatamente um aumento dos protestos de torcedores, mas o que define como “exacerbação”.
Para Bernardo, a falta de identificação entre clube, torcida e seus principais jogadores, como ocorria até os anos de 1980 com nomes como Roberto Dinamite e Reinaldo, faz com que as torcidas organizadas, aumentem o tom das cobranças quando os resultados não são satisfatórios.
“Há uma expectativa a partir de um ídolo que não possui histórico com o seu clube e a sua torcida, algo que vemos em Flamengo e Palmeiras, e também com a chegada do Daniel Alves ao São Paulo. Você não tem mais a torcida se familiarizando com o jogador, criando laços. A torcida, então, se sente encorajada a cobrar quando a expectativa não é correspondida”, avalia Bernardo.
Se enxergando como forças fiscalizadoras, as torcidas organizadas buscam exibir suas reivindicações em diferentes cenários, até como uma demonstração de força e presença. “O que tem ocorrido é a tentativa de ocupação de todos os espaços pelas organizadas, entendendo que o time é uma propriedade deles por acharem que são eles que se sacrificam, vão para todos os lugares, perdem emprego e até brigam com a família pelo clube”, afirma.
Mas não estaria apenas nessa mudança da identidade do futebol nacional – e mesmo da cultura – a intensificação dos protestos dos torcedores. Para Bernardo, a decisão de proibir a presença de torcidas organizadas nos estádios, vista por autoridades como medida para conter a violência, as leva para outros cenários, tornando inócua a iniciativa. “A proibição das organizadas está radicalizando essas torcidas, que não sumiram e estão clandestinamente nos jogos, mas intensificam a vigilância fora do estádio, migrando para outros espaços”, diz, lembrando que as principais organizadas dos maiores clubes do Rio estão proibidas de frequentar estádios.
Murad também acredita que as punições não surtem os efeitos esperados. Ele aponta que o universo das torcidas organizadas envolve entre 2 milhões e 2,5 milhões de pessoas. Dentro desse grupo, aqueles que cometem atos criminosos são uma parcela pequena e que fica livre quando as sanções são coletivas. “Se eu puno todo mundo, não puno quem deveria ser punido de fato. É a minoria que precisa ser alcançada pela lei”, comenta.
Advogado da Associação das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), Renan Bohus alerta para outro risco da proibição das organizadas. Para ele, o ato de torná-las ilegais interrompe o contato com os clubes. E um reflexo dessa falta de interação seriam protestos mais violentos. “Quando você criminaliza, não há mais diálogo com os clubes. E a torcida se torna mais incisiva. Quando não há conversa, muito recorrem a atos de violência, como a invasão de CTs”, afirma.
Asfixiadas dentro dos estádios, as organizadas também têm buscado outros locais para exibir a insatisfação com a irregularidade de seus clubes. E se aproveitam de esquemas menos complexo de segurança – ou mesmo inexistentes – para se aproximar de jogadores em aeroportos e na saída de centros de treinamentos. “O monitoramento da polícia ainda é precário, informal, e aí o torcedor se sente com mais possibilidade de interagir com o torcedor, fazendo algo mais truculento e intimidatório, com o uso da força física”, conclui Bernardo.