Com 15 anos, Flávia Saraiva começa a despontar na ginástica artística brasileira

Com hora marcada para encontrar a rígida Georgette Vidor, coordenadora da seleção feminina da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), a ginasta Flávia Saraiva entrou em uma van na companhia da mãe, Fábia Brito. O trajeto entre a casa no bairro Paciência, no Rio, e a Academia Bodytech, na Barra da Tijuca, levava cerca de uma hora. Mas naquele dia chuvoso um caminhão havia tombado na serra e bloqueava a passagem. Enquanto o motorista aconselhava Fábia a desmarcar o compromisso, ela decidiu seguir o trajeto a pé. Apesar da disposição, um motoqueiro ofereceu carona e não foi preciso tanto esforço. A mãe é grata ao desconhecido, que ajudou a atleta na busca para ser uma vencedora.

Esta foi uma das muitas vezes em que a família não poupou esforços para tornar o sonho de Flávia realidade. E a dificuldade começava na questão financeira. “Foi muito complicado. A gente não tinha emprego fixo, gastava quase todo dia R$ 50”, contou o pai, João Saraiva, que na época vendia cesta básica de porta em porta. Fábia levava a filha ao centro de treinamento de ônibus. Vez ou outra cedia ao apelo de cansaço da ginasta e optava por uma van, até deixando de lanchar fora de casa. Ela parou de trabalhar para se dedicar à filha e encarou a missão com profissionalismo.

A primeira vez que soube do interesse de Flávia pela ginástica foi por meio da diretora do Centro Educacional Monteiro Valadão, que mostrou alguns desenhos no caderno da criança. Aconselhada por um parente, Fábia levou a menina ao projeto social Qualivida na Faculdade Moacyr Bastos, em Campo Grande.

Aos sete anos, Flávia dava seus primeiros passos na ginástica. Em pouco tempo foi indicada para uma turma mais avançada, liderada pela ex-ginasta Heine Milani na empresa Gerdau, em Santa Cruz, e passou a treinar quatro vezes por semana nos dois locais. A dedicação e o perfeccionismo ficaram marcados na memória de Heine. “Em uma competição, ela chorou porque ficou em segundo. Nos treinos, quando uma menina conseguia fazer um exercício, ela só saía do aparelho se conseguisse fazer também”, disse.

À medida que Flávia ficava mais velha, a carga horária precisava ser mais intensa. Georgette ajudou a incluí-la na equipe da Academia Bodytech, da ex-ginasta Altair Prado, para treinos diários. A parceria durou até 2012.

INFÂNCIA – “A vida dela era andar de mão para baixo e perna para cima”. É assim que o pai define a meninice de Flávia Saraiva. João conta que a atleta sempre foi bastante levada e adorava subir na goiabeira que havia em frente à casa da família em Paciência, onde deu as suas primeiras piruetas.

Um admirador de suas peripécias é o avô Claudio Saraiva Cardoso, conhecido como “Seu Tide”. Mas ele só consegue paparicar a neta durante as férias de fim de ano, quando ela o visita no sítio em Chapada da União, na zona rural do município de Exu (Pernambuco), mesma terra de Luiz Gonzaga. Flávia gosta de andar a cavalo, brincar com os primos e até dar uns “dois, três pulinhos”. “Às vezes eu peço para ela saltar, mas ela responde: ‘Aqui não dá porque o chão é duro'”, contou.

Resta a “Seu Tide” ver as apresentações pela televisão. Mas ele já fica satisfeito com o carinho da pequena. “Ela é boa demais, não mudou nada. Ela se abraça com a gente, é querida com todo mundo”. Com apenas 1,33 metros, a ginasta chama atenção pela miudeza. Para a mãe, de 1,60m, a baixa estatura da menina deve-se à genética do marido (1,57m).

Em dezembro de 2014, Flávia ficou no Rio para se recuperar de uma lesão e não pôde visitar a grande família – o pai tem 11 irmãos. De acordo com o tio Demóstenes Saraiva Lucas, os resultados da ginasta têm gerado burburinho na cidade. “A gente está tendo uma repercussão muito interessante. É até uma forma de incentivar o esporte local, que é muito amador”.

Em 2012, Georgette Vidor conseguiu um patrocínio do Sesi para formar uma equipe em Três Rios, treinada por Alexandre Cuia. Para fazer parte do grupo, Flávia Saraiva deveria ir morar a 160 km de sua casa em Paciência. A mãe ficou reticente, mas a jovem foi firme e insistiu. Durante um ano e meio, a atleta só voltava para casa aos fins de semana.

Fábia conta que, sem dinheiro para pagar um hotel, diversas vezes dormia com a filha no carro aos domingos. “Ela começou a ter dificuldades, sentir muita saudade e pediu para a gente morar com ela”, disse. A família atendeu ao pedido da garota. Como o irmão João Júnior não se adaptou ao clima da cidade, a mãe retornou à capital, enquanto o pai permaneceu ao lado de Flávia por seis meses. Com a inauguração de um novo CT na Barra da Tijuca, a Qualivida voltou ao Rio.

Apesar da rotina intensa de treinos, Flávia nunca deixou os estudos de lado. Depois de frequentar uma escola pública em Três Rios, a ginasta adotou o ensino à distância. Dessa forma, consegue conciliar a obrigação com as rotineiras viagens de todo atleta. Em 2014, ela esteve em Nanquim, na China, onde brilhou nos Jogos Olímpicos da Juventude com as medalhas de ouro no solo e prata na trave e no individual geral.

SUCESSO – Aos 15 anos, Flávia divide o mesmo teto com a família e ganhou mais três “irmãs”. A mãe passou a ser responsável por algumas atletas da Qualivida e todas moram em um apartamento próximo ao CT. Mas os Saraiva não abriram mão da casa em Paciência. Os antigos vizinhos acompanham de perto o sucesso de Flávia, com direito a telão e a churrasco enquanto assistiam à etapa de São Paulo na Copa do Mundo, no último fim de semana. A ginasta não decepcionou e conquistou ouro no solo e prata na trave em sua estreia no “adulto”. Nervosa, a mãe quis ficar em casa.

Georgette está orgulhosa da pupila. “Foi uma experiência ótima. Vejo que a arbitragem sorri, ela faz uma coisa tão clássica, tão bonita”. E o companheiro de seleção Diego Hypolito acredita no sucesso da novata: “A Flavinha é sensacional, tem tudo para brilhar. Espero que ela consiga ter cada vez mais segurança para que nos Jogos Olímpicos esteja 100%”. No que depender da torcida, Flávia Saraiva já tem um lugar garantido na Olimpíada.

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