Davor Suker, até então o maior astro do futebol croata e hoje presidente da federação de futebol do país, alerta: sua seleção não está satisfeita apenas pela classificação para a final. “Vamos entrar para vencer”, disse o croata em entrevista exclusiva ao Estado. Segundo ele, disputar sua primeira decisão terá um impacto importante para a identidade nacional croata.

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“Estamos mostrando ao mundo que temos muita qualidade”, afirmou. Suker aposta em um amplo apoio internacional ao seu time. “Jogamos um futebol muito bom e vamos ir ainda mais longe”, insistiu.

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Para ele, a classificação para a final não foi um acidente. “Chegamos de forma merecida”, disse. “Temos um time muito bom e Modric como o máximo dirigente”, afirmou.

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“Essa geração já superou a nossa de 1998”, constatou, fazendo uma referência ao terceiro lugar na Copa da França, quando era o atacante da seleção e terminou como artilheiro do Mundial. “Fomos bronze e eles vão ser pelo menos prata. Mas queremos mais”, declarou. “Quando se chega uma final, é um sinal de que algo muito bom foi feito”, disse.

Ele admitiu que a vitória da Croácia contra a Inglaterra não apenas marca um novo capítulo para o futebol, mas para a identidade nacional. Em Zagreb e no estádio em Moscou, a classificação para a final, diante da França, no domingo, rapidamente se transformou em uma conquista nacional, com clara dimensão política na região conturbada dos Bálcãs.

“Chegar à final é importante para todo o país”, disse, ao ser questionado sobre a repercussão social. “O mais importante nesse momento é que o país está orgulhoso”, apontou. Na Croácia, o futebol e a política sempre andaram de mãos dadas e os times em campo chegaram a fazer parte dos esforços independentistas. Herdeiros da escola iugoslava, os croatas passaram a assumir o papel de embaixadores de um novo país que ganhava forma, inclusive com conotações violentas.

Esse papel já era uma realidade antes mesmo da declaração de independência. Em maio de 1990, um jogo entre o Dínamo Zagreb e o Estrela Vermelha de Belgrado resumiu a tensão política e passou a ser considerada por muitos como a primeira batalha da guerra dos Bálcãs, disfarçada de confronto entre torcedores violentos.

Hoje diretor da Fifa, o então capitão do Dínamo, Zvonimir Boban, atacou um policial que estava espancando um torcedor croata. Boban ganharia status de herói nacional, já que seu golpe foi interpretado como símbolo da coragem do povo croata contra as autoridades iugoslavas. Duas semanas depois, o nacionalista Franjo Tudman seria eleito presidente da Croácia, que, um ano depois, declararia sua independência.

O próprio Tudman, ex-presidente clube Partizan, sabia do poder do futebol. Seu partido fez uma aliança com os torcedores de linha dura do Dínamo, e a ideologia nacionalista e o futebol passaram a fazer parte de uma mesma história. Até hoje, são repetidamente punidos pela Uefa e pela Fifa por atitudes fascistas nos estádios.

Mas a explosão do time croata não ocorreu por acaso. Por décadas, os iugoslavos eram conhecidos como “os brasileiros da Europa”, por conta de sua habilidade. Em duas Copas do Mundo, terminaram em quarto lugar – 1930 e 1962. Foram ainda vice-campeões europeus em 1960 e 1968.

Mas sua melhor geração ainda estava por vir. Em 1987, a Iugoslávia surpreenderia ao vencer a Copa do Mundo juvenil, organizada no Chile. Em campo, Prosinecki, Zvonimir Boban, Davor Suker, Robert Jarni e Predrag Mijatovic.

Na Copa de 1990, chegaram às quartas de final e apenas foram eliminados pela Argentina de Maradona. Tudo estava pronto para um time que, em 1994, poderia encantar o mundo. Mas a guerra destruiu um projeto de seleção. Diante da destruição que consumia a região, nenhuma seleção dos Bálcãs foi para a Copa de 1994. Dois anos depois, na Eurocopa, os croatas já chegaram nas quartas de finais.

Em 1998, o grupo de Prosinecki, Boban, Jarni, Boksic e Suker terminaria como terceiro colocado na Copa do Mundo e apenas ficou de fora da final ao ser eliminado pelo time da casa, a França.

O filósofo croata, Srecko Horvat, lembra como aquelas primeiras conquistas do time rapidamente foram usados pelo governo em Zagreb. Tudman, segundo ele, costumava dizer que “vitórias do futebol ajudam a formar uma identidade nacional tanto quanto as guerras”. “O futebol foi usado para gerar um apelo popular à ideia nacional de Tudman e para legitimar seu governo”, escreveu o filósofo no jornal The Guardian.

Segundo ele, assim como nos primeiros dias do nascimento de um país independente, o futebol e a conquista croata voltam agora a ser “usados por forças nacionalistas e pela atual presidente, Kolinda Grabar-Kitarovic, que, ao ser vista pulando nos jogos, está em campanha para a eleição presidencial do ano que vem”.

Desde 2008, a Croácia é assolada por repetidas crises econômicas, enquanto uma imensa parte de sua juventude tomou o caminho da Europa. A classificação para a final promete suspender a crise por alguns meses, mesmo diante de uma derrota.

Mas jornalistas e observadores de Zagreb não deixam de traçar paralelos entre 1998 e 2018. Há 20 anos, a Copa na França interrompeu um período de dúvidas sobre o país e gerou uma euforia que nunca mais se repetiu. Agora, o futebol volta a ter um papel central na história de poucos anos do país.