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Chato e discípulo de Cruyff, Jorge Jesus cria seu próprio carrossel no Flamengo

Tarado por esquemas táticos a ponto de passar a madrugada assistindo aos jogos até da Segunda Divisão, o técnico Jorge Jesus passa essa obsessão para os treinos do Flamengo. É chato e exige que o jogador repita a jogada uma dúzia de vezes. Amante da seleção brasileira de 1982, fã de Zico e discípulo do jogador e técnico Johan Cruyff, morto em 2016, ele vem criando seu próprio “carrossel” no Flamengo, um time que joga para a frente e nunca fica parado, a exemplo do que fazia a Holanda. O português dá enorme importância às questões táticas e técnicas, mas falha no relacionamento com os jogadores.

Jesus dá broncas homéricas nos atletas, gesticulando os braços longos e arregalando os olhos a ponto de o grupo murchar de cabeça baixa. É bruto. Mas esse método alucinado causa estresse e tensão com o tempo. Quando os resultados chegam, como nesta fase áurea do Flamengo, tudo são flores. Se eles não acontecem, a receita azeda. Por isso, ele é amado por muitos, mas odiado por alguns.

Em linhas gerais, esses são alguns traços do estilo do português de 65 anos que é finalista da Copa Libertadores e líder do Campeonato Brasileiro. Tudo isso em sua primeira temporada no País. O Estado conversou com cinco jornalistas portugueses e também torcedores do Benfica que conviveram com ele durante sua passagem pelo clube. Por lá, ele é conhecido como JJ. “O sucesso no Flamengo não é surpresa. Ele imprime mudanças por onde passa. Isso é inegável. No Benfica, recolocou o clube na trilha dos títulos nacionais regulamente, apesar dos dissabores”, explica o jornalista David Carvalho, da Rádio e Televisão de Portugal (RTP).

Jorge Fernando Pinheiro de Jesus dificilmente vai chamar um jogador para conversar para saber se ele está com problemas familiares. Não é um motivador, um psicólogo. Nem de longe faz o tipo paizão. Sua caricatura ficaria bem com uma farda militar. Mesmo com um jeito rude, ele consegue motivar os jogadores pelo perfeccionismo e ofensividade. É um excelente treinador. Os jogadores gostam disso e percebem que podem evoluir. Seus treinamentos são longos, de quatro ou cinco horas. Tudo nos mínimos detalhes.

Jesus não tem uma linguagem acadêmica ou diploma universitário e se define como autodidata. Ele vê muitos jogos, mas não lê muitos livros de futebol. Tem uma forma única de falar e não mede palavras, doa a quem doer. Mais de um jornalista o classificou como “intratável”. No Brasil, tem mostrado um estilo mais light, evitando as “patadas”.

Vale relembrar uma história da época do Belenenses. Era um treino no estádio do Restelo em apenas metade do campo. No fundo, o famoso rapper americano 50 Cent ensaiava para um show no dia seguinte. O “Mister”, como gosta de ser chamado, começou a gritar para que o cantor interrompesse o ensaio cujo barulho atrapalhava o treino. Jesus gritava em português e o rapper não estava nem aí. Continuou a cantar.

Uma de suas influências assumidas é o estilo de Johan Cryuff, líder do carrossel holandês na década de 1970, um dos maiores ídolos da história do Barcelona e que ajudou a definir a cara do futebol moderno. Jesus absorveu com cuidado as lições sobre intensidade, aquele que diz que o jogador não pode ficar parado, tem de se movimentar sempre, marcando ou atacando.

Outro de seus capítulos preferidos fala de algo simples e, por isso, essencial: a ofensividade. Mesmo quando vencia por 5 a 0 a semifinal diante do Grêmio, ele parecia alucinado querendo mais gols. Para quê? É o seu estilo. Seu pensamento está sempre ligado no próximo passe, na continuidade da jogada, no que vem depois. Ele também exige que os atletas façam várias funções: atacante tem de saber marcar, zagueiro tem a obrigação de iniciar a jogada e acertar o passe. No começo da carreira, ele ficou conhecido como “Cruyff da Reboleira”, referência ao bairro onde treinava o modestíssimo Estrela Amadora.

Foi nessa época que começou a conquistar a admiração de jornalistas e torcedores por sua ousadia. Dentro e fora de campo. Suas declarações que moldam um estilo meio desbocado e viraram uma espécie de marca. Sua figura tem um quê de folclórica para os portugueses. Em um dos lances mais emblemáticos de sua carreira, ele mostrou três dedos para o técnico do Tottenham depois que o Benfica marcou o terceiro gol em um jogo da Liga Europa em 2014.

Em Portugal, ele se tornou respeitado depois de ter conseguido colocar o Benfica a ganhar títulos e a jogar finais europeias numa altura em que o time vivia em crise. JJ conseguiu reerguer o clube e torná-lo enorme outra vez.

Jesus é discípulo de Cruyff até a página 15. Os jogadores do Flamengo atuam em posições definidas. No chamado “Futebol Total”, expressão que define o jogo holandês, todos jogadores podiam fazer tudo, sem lugar fixo. Jesus prefere equipes mais equilibradas. Os atletas têm posição fixa. Ele valoriza a posse de bola, mas não vai dar chilique no banco de reservas se seus jogadores precisarem dar chutão. Ele exige passes rápidos e objetivos. Tem uma declaração interessante sobre seu ofício: acha que o treinador tem de ser tão criativo como os jogadores em campo. Por isso, adaptou conceitos do futebol total e vem criando seu próprio carrossel no Flamengo.

Uma provocação de Renato Gaúcho, antes da semifinal da Libertadores, cutucou um ponto fraco de Jesus. O técnico brasileiro lembrou que Jesus nunca havia treinado um gigante europeu. Ele teve uma chance. No auge da carreira, no Benfica, Jorge Jesus chamou a atenção de Atlético de Madri, Valencia e Milan. Recusou alegando que não tinha motivos para sair de Portugal. Os desafetos afirmam que ele recusou por não falar outras línguas.

Jesus mora sozinho em um apartamento no Rio e costuma sair para comer em restaurantes nos raros momentos de folga. No cardápio, peixes. Gosta de comer sozinho. À beira do gramado, ele mostra outra de suas “preferências” alimentares: chicletes.

O Mister é amante do futebol brasileiro há muito tempo e fã incondicional da seleção brasileira da Copa de 1982. Quando ainda era jogador em Portugal, ele se encantou com o time de Telê Santana e, especialmente, com Zico. Ele declarou ao programa “11”, de Portugal, que o camisa 10 foi o jogador que “mais ficou marcado em sua retina”.

Confira os “Mandamentos de Jesus”:

1.º – Não basta ganhar. É preciso dar espetáculo ao torcedor

2.º – O treinador tem de ser criativo como o jogador

3.º – É preciso ser intenso o jogo todo, marcando ou atacando

4.º – O jogo é para a frente: é melhor ganhar por 5 a 4 do que por 1 a 0

5.º – Jogador não precisa ser poupado de um jogo para render mais no outro

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