A passagem da seleção da Alemanha por Santa Cruz Cabrália será rápida, mas não vai ser esquecida tão cedo pelos moradores da pequena cidade. Talvez nunca seja. Além de se distrair com a festiva bagunça provocada pela presença do time e do batalhão que o persegue – incluindo aí os turistas e os muitos jornalistas vindos do outro lado do Oceano Atlântico -, o povo de Cabrália receberá como herança germânica alguns benefícios de que dificilmente desfrutaria em outras condições. E o mais visível deles está diretamente ligado ao futebol, como era de se esperar.
No diminuto povoado de Santo André, que mal chega a mil habitantes, chama a atenção dos visitantes a construção de um campo de futebol à beira da principal via de acesso ao local. É lá que fica a sede do Esporte Clube América de Santo André, nome pomposo do time que se diz a maior potência do futebol amador da região. Pois o campo, antes um “terrão” em condições deploráveis, terá um gramado de deixar no chinelo muitos estádios de clubes profissionais. Graças à Federação Alemã de Futebol (DFB).
A construção do campo, fruto de uma parceria entre a Federação e os empresários alemães que ergueram o Campo Bahia (local de concentração da seleção da Alemanha, localizado na vila de Santo André), é ao mesmo tempo um presente e um pedido de desculpas do time à população da vila, que teve sua rotina alterada pelos ilustres visitantes. “A construção do campo faz parte de uma política da Federação Alemã de ajudar as comunidades que visitamos nos grandes torneios. Fizemos o mesmo na África do Sul (sede da última Copa) e na Polônia e na Ucrânia (sedes da última Eurocopa). É uma forma de agradecimento aos países que nos recebem”, disse a assessoria de imprensa da Federação, sem revelar quanto foi gasto no projeto.
BAIANOS COM PRESSA – Enquanto alguns homens andam para lá e para cá com pás e carrinhos de mão, um trator ajuda a acelerar a terraplanagem do terreno, etapa anterior à colocação do gramado. Aliás, as placas de grama já repousam à beira do campo, prontas para serem plantadas. A pressa é grande e há um motivo para isso: a intenção dos responsáveis pelo campo é que a seleção alemã esteja lá para inaugurá-lo. É bem verdade que seria uma inauguração simbólica, já que o campo só poderá ser usado para valer na segunda metade de julho, mas, de qualquer maneira, seria um evento e tanto para um vilarejo pequeno e sossegado como Santo André.
Mas é preciso correr, pois, depois da estreia do time no Mundial (nesta segunda-feira, contra Portugal, em Salvador), será bem mais difícil levá-lo ao evento. “Isso aqui para nós é um sonho, nunca tivemos um campo com grama de verdade”, falou José Messias Marques, o técnico do América de Santo André – ou Ecasa, como ele prefere.
Por morar ao lado do campo, Messias passa os dias observando a obra, ansioso para enfim poder pisar no gramado. Aliás, ele não é o único. “O pessoal aqui está todo louco para jogar no gramado novo. Já está decidido que assim que o campo ficar pronto vamos promover nele um torneio com times de Cabrália e de Belmonte, a cidade vizinha.”
Messias certamente jamais pisou em um gramado da qualidade do que será colocado no novo campo do Ecasa. Nem ele, nem nenhum jogador do time. Segundo Carlos Sérgio Macedo, o responsável pela obra, o campo segue parâmetros profissionais, como a inclinação das beiradas para facilitar o escoamento da água da chuva. “Os alemães exigiram isso. Eles querem que seja algo muito caprichado, como tudo o que fazem”, disse Carlinhos, como é conhecido na cidade o dono da empresa de terraplanagem que toca o trabalho. Ele também esteve envolvido na construção do Campo Bahia.
“Eles querem algo 100% bom, 95% não serve. E o povo daqui está empolgado, até porque os alemães trouxeram vários outros benefícios para a vila, como a melhoria da nossa rede de esgoto”, comenta Carlos Sérgio.
NAS MÃOS DA PREFEITURA – Até agora, a única participação da prefeitura de Santa Cruz Cabrália nessa história foi permitir que os alemães fizessem a obra – o terreno, afinal de contas, pertence ao município. A proposta da construção do campo foi feita diretamente aos moradores da cidade de Santo André em uma reunião entre eles e um representante da Federação Alemã e dos empresários responsáveis pela execução do projeto.
A administração da cidade, no entanto, será responsável por cuidar do campo depois que ele começar a ser usado. “Vamos cuidar do gramado, manter os alambrados inteiros, coisas desse tipo”, garante o secretário de Infraestrutura de Santa Cruz Cabrália, Humberto Duarte. A prefeitura garante que vai manter o padrão de qualidade “made in Germany” que vai marcar o novo campo do Ecasa. Se isso não acontecer, a população certamente vai sentir saudades dos alemães. Ou, no caso, ainda mais saudades.