Campeão no tae-kwon-do defende cotas para negros e critica falta de apoio

Rio de Janeiro – Um dia após conquistar a primeira medalha de ouro para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos, Diogo Silva, atleta do tae-kwon-do, contou que ?ralou? bastante até conseguir ser campeão. Negro, filho de mãe solteira e manicure, Diogo nasceu em 1982 e foi criado num bairro pobre de Campinas, interior de São Paulo. Criança agressiva, foi levada ao tae-kwon-do aos sete anos para ?queimar as energias?, após recomendação de um psicólogo. Descobriu o esporte e não parou mais. Tempos depois, fez nova descoberta: o rap, principalmente o do norte-americano Snoop Dogg, do qual tirou inspiração para o cabelo rastafari.

Diante da realidade social e esportiva difícil, que ele resolveu protestar e chamou a atenção da mídia, pela primeira vez, nas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Na luta em que perdeu a medalha de bronze, ainda no tatame ele levantou o punho cerrado, seguindo um célebre cumprimento dos Panteras Negras, expoente do movimento black power, e usado pelos velocistas negros dos Estados Unidos, nas Olimpíadas de 1968 no México. À época, os atletas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos foram impedidos de participar dos jogos novamente.

Segundo Silva, o gesto em Atenas foi para levantar questões de discriminação racial no país e para protestar contra as condições de treinamento na modalidade. A favor das cotas para negros nas universidades, o lutador faz parte do movimento hip-hop de Campinas. Faz sempre questão de expôr sua visão crítica do mundo, e acha que os atletas brasileiros deveriam ter essa preocupação. ?O esporte e a política caminham juntos, e os atletas precisam ter uma visão crítica. O Brasil precisa de boas referências?, destacou.

A sua conquista foi dedicada aos companheiros da delegação brasileira de tae-kwon-do, que sofrem com a falta de patrocínio e com o ?descaso" da Confederação Brasileira de Tae-kwon-do, responsável pela regulação oficial da modalidade e pelos repasses de recursos a atletas. ?O nosso passado não é muito diferente do nosso presente. A maior dificuldade é financeira. Muitos atletas têm que custear a prática do esporte com o dinheiro do próprio bolso. Espero que, com essas medalhas no Pan [o tae-kwon-do ganhou também uma de prata, com Márcio Wenceslau], a gente consiga atrair mais público e patrocínios?, assinalou.

Para chegar a medalha de ouro, Diogo tirou dinheiro do próprio bolso. No início deste ano, gastou os R$ 5 mil que tinha separado para comprar um carro, para viajar à Bélgica e fazer sua preparação para os jogos do Rio de Janeiro. ?Por diversas vezes pensei em desistir, porque já não tinha condições de me manter no esporte. Precisei me manter forte, não fraquejar. Essa foi minha maior barreira para chegar até aqui?, frisou.

Na noite de domingo (15), depois da vitória, ele conta que foi difícil ?pregar? o olho para dormir. Colocou a medalha na cabeceira da cama, ?para sonhar um pouco?, e ficou admirando o brilho do ouro, ?meio extasiado?. ?Pensei na minha mãe, que foi fundamental na minha vida. Pensei, também, que a minha maior vitória é a persistência, por saber que muitos ao meu redor desistiram, caíram, e eu continuo de pé?, finalizou.

Com sua cabeleira rastafari, seu sorriso fácil, Diego Silva vive com R$ 600,00 por mês, pagos pela Confederação Brasileira de Tae-kwon-do. Pela manhã desta segunda-feira (16), viveu um dia cercado por fãs e atendeu a todos com carinho. Em meio ao tumulto, alguém deu a idéia para organizar a bagunça: formou-se então uma fila para fotos e autógrafos. Sempre simpático e atencioso, o atleta não tirava o sorriso do rosto.

?Sinto muito orgulho do que está acontecendo agora na minha vida. Sou um atleta que ralou muito para poder estar recebendo esse carinho do público. Esta é minha gratificação?, disse ainda emocionado Diogo. Ontem (15), enrolado na bandeira do Brasil, chorou durante a execução do Hino Nacional, após vencer o peruano Peter Lopez na categoria até 68 quilos.

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