Como o pentacampeonato de Michael Schumacher é certo, restando apenas saber se ele virá amanhã, em Magny-Cours, ou na corrida seguinte, na Alemanha, a Fórmula 1 está aproveitando para exercer seu sadismo, acompanhando ao vivo e a cores a morte de um de seus times. A Arrows, na base da pirâmide de uma categoria com poucas equipes saudáveis financeiramente, foi de novo o assunto de mais uma etapa do Mundial. Justamente porque não treinou.
Magny-Cours – A exemplo do que acontecera em Silverstone, os carros do time laranja apareceram mais na TV ontem do que se estivessem tentando registrar bons tempos para o GP da França. Ontem os pilotos ficaram na garagem de novo, mas por razões obscuras.
O dono da equipe, Tom Walkinshaw, falou que não colocou seus carros na pista para evitar problemas nas negociações que vem conduzindo em Londres, para vender a Arrows à Red Bull. Dificilmente terá sucesso.O interessante é se embrenhar no microcosmo da equipe, que não tem dinheiro sequer para comprar luvas para os pilotos.
Sim, luvas. Enquanto Schumacher, o virtual campeão de 2002, troca as suas todos os dias, Bernoldi vem usando, há três corridas, um par emprestado por um mecânico. “O pior é que a mão dele é maior que a minha, número 9. Por isso, quando a corrida dura muito e eu chego ao final, como em Nürburgring, fico cheio de bolhas nas mãos”, contou o brasileiro.
A penúria não fica só nas luvas. Bernoldi não estava confirmado como inscrito para o GP da França porque uma multa não havia sido paga à FIA pela equipe. Era referente ao excesso de velocidade nos boxes durante o GP do Canadá, no valor de US$ 4,5 mil. A Arrows mandou um cheque à entidade, até porque ficou provado que a causa da infração foi um defeito no limitador de velocidade do carro. Só que o cheque foi devolvido, sem fundos.
Ontem, Bernoldi tirou a quantia do bolso, fazendo uma transferência bancária de sua conta pessoal para a da FIA, para garantir que pelo menos corre amanhã, se o time for para a pista hoje para o treino. “A equipe que leva a multa e o Bernoldi que não corre”, disse ele. “É muito difícil. Estou aqui porque amo o automobilismo.”
E assim a Arrows vai morrendo. Não que vá fazer muita falta, com suas 381 corridas e nenhuma vitória desde 1978. Mas sua morte lenta expõe a fragilidade da F-1 atual. Como ela, pelo menos mais dois times, Minardi e Jordan, estão de pires nas mãos.
Diante de tudo isso, a marca de 5 títulos que Schumacher pode alcançar amanhã, igualando o lendário Juan Manuel Fangio, vai ficando de lado. O título não terá grande impacto junto ao público, já que é uma certeza num ano sem disputas. A F-1 está com ares de fábrica que bate recorde de produção poucos meses antes de seu fechamento. Não dá para comemorar.
Nos treinos, deu Michelin
Magny-Cours
– O calor em Magny-Cours, 25 graus com muito sol, fez com que a Michelin dominasse os primeiros treinos livres para o GP da França, 11.ª etapa do Mundial. Entre os 11 primeiros colocados, nove carros usavam os pneus franceses, que se comportam muito bem em altas temperaturas. No asfalto, foi registrado 40 graus.A McLaren ficou com os dois primeiros lugares, com David Coulthard e Kimi Raikkonen. Os únicos Bridgestone no grupo dos 11 foram as Ferrari de Michael Schumacher, em terceiro, e Rubens Barrichello, o quarto. “Eles vão dar trabalho”, disse o brasileiro. “Mas acho que a Williams será nossa maior adversária, não a McLaren.”
A Williams, que fez a pole em Magny-Cours com Ralf Schumacher no ano passado, ficou em quinto com o alemão e em décimo com Juan Pablo Montoya, que largou na pole nas últimas quatro corridas da temporada, sem vencer nenhuma, porém.
Felipe Massa, da Sauber, ficou em 13.º ontem e Enrique Bernoldi, assim como seu companheiro de Arrows, Heinz-Harald Frentzen, não treinou. A sessão que define o grid de largada em Magny-Cours começa hoje às 8h de Brasília, com previsão de sol e calor mais uma vez. (FG)
Equipe “massa falida”
Magny-Cours – A situação financeira da Arrows é das mais intrincadas. Envolve negociatas de seu proprietário, Tom Walkinshaw, bancos de investimentos, possíveis compradores, paraísos fiscais, um príncipe nigeriano e o carimbo na testa do dirigente escocês: desonesto e trapaceiro. Foram os termos usados pelo juiz Lightman, da Alta Corte Inglesa, que proibiu a venda do time para a Red Bull.
Em 1998, o príncipe Malik Ado Ibrahim tornou-se sócio de Walkinshaw e foi o intermediário no investimento feito no time pelo Morgan Grenfell Private Equity. Uma holding, chamada AAL (Arrows Autosport Ltd), foi criada para controlar os negócios de Walkinshaw, entre eles a equipe.
O Morgan, com 45% das ações da AAL, passou a ser, portanto, sócio do time. O fundo enterrou US$ 60 milhões na holding e não teve retorno. Pior: Walkinshaw, numa manobra digna de Lalau, criou uma empresa no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas e vendeu a equipe de F-1 para ele mesmo, tirando o Morgan da jogada.
O Morgan quer reaver o que investiu na Arrows. E entrou na Justiça para impedir que a equipe fosse vendida para a Red Bull. (FG)
